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Denilson Rodrigues: Por que um santo de calça jeans incomoda tanto?
Opinião

Denilson Rodrigues: Por que um santo de calça jeans incomoda tanto?

O Papa Francisco dizia que a lógica digital favorece "o encontro entre pessoas com as mesmas ideias, dificultando o confronto entre as diferenças" e, assim, fomenta preconceitos, ódio e desinformação
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Denilson Rodrigues

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O mundo acompanhou no domingo, 7, a canonização de Carlo Acutis, o primeiro da geração millennial, composta por pessoas que nasceram entre o início dos anos 1980 e meados dos anos 1990. Em vida, o jovem italiano ficou conhecido por seus gestos de caridade e por navegar por um universo bem familiar a muitos de nós e que, à época, ainda estava em seu nascimento: a internet.

Junto às publicações sobre o "padroeiro da internet", também surgiram, em menor escala, comentários repletos de deboche: "Mah rapá, santo da internet é muita onda pra pouco mar", "Amava a internet e videogame, bem crente ele". Mais do que divergências religiosas, o que se viu foi a atualização de velhas práticas: intolerâncias, preconceitos, etarismos etc.

É curioso notar como, historicamente, toda geração jovem enfrentou resistência ao propor novos modos de expressar suas afinidades. "Todos nascemos originais, mas muitos morrem como fotocópias", afirmava Carlo. Embora o millennial canonizado esteja longe de ser um hipster, o incômodo persiste. Talvez porque ele não corresponda ao estereótipo que se deseja impor aos jovens: alienados, imaturos, presos a telas, sem responsabilidade.

O Papa Francisco afirmou que a lógica digital favorece "o encontro entre pessoas com as mesmas ideias, dificultando o confronto entre as diferenças" e, assim, fomenta preconceitos, ódio e desinformação. Essa intolerância na internet revela algo maior: o esvaziamento da nossa sociedade civil, como analisa Muniz Sodré. Na guerra das redes, quem forma os jovens? Enquanto o desprezo às juventudes perdurar, a artilharia do ódio sempre terá munição.

Por outro lado, em uma era em que qualquer um pode influenciar o outro, visando o lucro, um jovem que soube usar as redes para o bem e que, embora rico, optou por não ser dominado pelo consumismo, parece ser uma ótima alternativa. Nesse ponto, sua imagem é revolucionária, porque nada contra a corrente de uma cultura que se acostumou a ver a internet como campo de batalha.

A canonização de Carlo está além de um ato religioso: é um lembrete de que a juventude não é apenas uma fase de transição, mas um lugar de construção de valores e de futuro. Se um santo de calça jeans incomoda, é porque expõe o quanto ainda temos dificuldade em aceitar que os jovens possam ser, ao mesmo tempo, filhos do seu tempo e sinais de algo maior.

No fim, talvez o que mais provoque não seja o título de "santo da internet", mas a possibilidade de que, mesmo em meio a um ambiente inflamado por ódio e desinformação, um jovem tenha escolhido outro caminho - e que este caminho seja agora reconhecido como digno de ser seguido.
Denilson Rodrigues de Sousa

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