Mais do que logradouros e edifícios, a cidade é um repositório de fragmentos sociais, culturais, históricos e afetivos, ativados e ressignificados permanentemente, e articulados pelas movimentações de pessoas, ideias, mercadorias e informações.
Esquinas, praças, fachadas guardam memórias formadas ao sabor dos fluxos citadinos cotidianos - circulação, comunicação, consumo e convivência, dentre outros - os quais costuram uma rede complexa de mensagens. Outrossim, a cidade contemporânea é marcada também por velocidade e multiplicidade decorrentes dos fluxos digitais, que a transformam e ampliam as conexões entre os fragmentos urbanos.
Segundo a arquiteta Regina Meyer, a tendência socioespacial da metrópole contemporânea é romper as contiguidades urbanas tradicionais (fragmentação). Como resposta, são criados núcleos difusos (dispersão). Somam-se a esse cenário os "espaços de fluxo", que garantem as continuidades por meios que dispensam o suporte territorial convencional na forma de espaço urbano.
Manuel Castells, sociólogo, propôs o conceito de espaço de fluxos como nova forma de organização espacial que substitui, em parte, o tradicional espaço de lugares relacionado à experiência física, territorial e cultural dos indivíduos. O espaço de fluxos constituído por redes digitais permite interações síncronas, em tempo real, entre locais distantes.
Estas conexões sociais, econômicas e políticas ocorrem com menor dependência de localização geográfica, conferindo centralidade aos locais conectados pela sua função nas redes globais. Essa dinâmica, todavia, não é homogênea: territórios e populações não estão igualmente integrados às redes digitais e determinados fragmentos são desvalorizados ou permanecem invisíveis no espaço de fluxos.
A cidade é um espaço em constante escrita e reescrita. Seus fragmentos são conectados, desconectados, reconectados por fluxos que revelam tanto a potência quanto os desafios da vida urbana. Compreender essa realidade é imperativo quanto à gestão e planejamento de cidades democráticas, mais inclusivas, nas quais os fluxos conectem, mas também acolham, respeitem e celebrem a diversidade dos fragmentos que compõem o tecido urbano dia após dia.