Há mais de meio século, Celso Furtado advertia que o subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento: é outra coisa. Mais que uma estrutura econômica, é uma mentalidade, um modo de existir no mundo como subordinado. No Brasil, essa perspectiva atravessa a política de forma transversal, mas encontra abrigo especialmente confortável em certos discursos da direita, inclusive da dita "moderada", que não raro a reproduz com vocabulário mais polido.
A advertência de Furtado é, no fundo, denúncia cultural e política. O subdesenvolvimento infiltra-se na linguagem, nos símbolos, até na forma como o país se percebe. Molda elites que naturalizam o atraso e olham com desconfiança qualquer tentativa de afirmar um projeto autônomo de nação.
A recente imposição de tarifas unilaterais pelos EUA contra o Brasil expõe, com nitidez, esse padrão de pensamento. Diante de uma agressão externa inequívoca, com impacto direto sobre milhares de empresas brasileiras, parte da oposição preferiu culpar... o Brasil. Ou melhor, o governo brasileiro, por manter laços com os Brics ou por afirmar soberania, em vez de dobrar os joelhos diante de Washington.
Setores da extrema-direita chegaram a justificar as sanções como castigo merecido. A direita moderada, por sua vez, tergiversa. Reconhece os danos econômicos, mas evita condenar a motivação absurda das tarifas. Prefere insinuar que, com outro presidente, nada disso teria ocorrido. Ou seja, a culpa seria do Brasil, por ter feito a escolha "errada".
Essa recusa em defender o país expressa a estrutura mental identificada por Furtado como mola invisível da dependência: a submissão como reflexo político. Uma elite colonizada, que enxerga soberania como populismo e dignidade como ameaça à ordem dos mercados.
O preço não é apenas simbólico. No plano eleitoral, adotar um discurso incapaz de reunir força para construir maioria é erro estratégico elementar. Nenhum país se torna grande pensando como colônia. Enquanto nossa elite confundir dependência com destino, seguirá tropeçando nas migalhas lançadas pela mesa onde nunca ousou sentar-se como igual.