O Superior Tribunal de Justiça pôs fim a uma novela iniciada em 2014. O Icasa, de Juazeiro do Norte, venceu a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e receberá mais de R$ 90 milhões em indenização. A vitória, resultado de uma disputa jurídica de mais de uma década, é histórica. Mas, passada a euforia, o que virá depois do trânsito em julgado?
A origem da ação é conhecida: o Figueirense escalou irregularmente um atleta na Série B de 2013 e terminou o campeonato à frente do Icasa, conquistando o acesso à Série A. Embora a irregularidade tenha sido reconhecida, a CBF resistiu a qualquer reparação. Só em 2018 a Justiça deu a primeira decisão favorável ao Verdão do Cariri, confirmada até o STJ.
O desfecho não apenas garante compensação financeira, mas também expõe a lentidão de um sistema que demorou mais de dez anos para corrigir uma injustiça esportiva que poderia alterar o rumo do clube do interior do Ceará, e alçá-lo a um patamar nunca alcançado. Mas como um Ícaro às avessas, as asas do Verdão foram derretidas antes que alçasse voo.
Agora, o dinheiro passa a ser o centro da discussão. Antes de chegar ao clube, a quantia será administrada judicialmente para quitar débitos trabalhistas, cíveis e contratuais. Segundo o advogado Ricardo Negreiros, a atualização do valor ainda será feita, mas só depois de resolvidas as obrigações é que o Icasa poderá dispor do que restar. A Justiça evita, assim, que o prêmio se torne pretexto para acertos políticos e velhos vícios administrativos. Um acerto.
O Icasa sabe o peso da própria história recente. Nas últimas duas décadas, viveu seu auge esportivo, mas também se desgastou em disputas internas e acumulou dívidas que corroeram a credibilidade do clube. Parte desses débitos nasceu justamente de gestões que, enquanto o time surpreendia em campo, comprometeram o futuro financeiro. A indenização é, portanto, mais que um alívio: é um convite a revisar práticas e a construir uma governança que não repita os erros do passado.
Mas não a qualquer preço. O montante multimilionário pode ser o pontapé de uma reestruturação sólida ou apenas mais um capítulo na série de desperdício e acomodação. Cabe à atual gestão provar que aprendeu com a crise que se arrasta há mais de uma década. Se souber transformar essa vitória jurídica em mudança estrutural, o Icasa poderá não só quitar dívidas, mas resgatar a confiança de torcedores, patrocinadores e voltar a ser protagonista no futebol cearense, como há muito não fora.
Se falhar, o maior triunfo da história do clube fora dos campos será lembrado não apenas como uma oportunidade perdida, mas uma tragédia anunciada. Porque, no futebol e fora dele, aos vencedores cabem os espólios - e também a responsabilidade de não desperdiçá-los.