Escrevo de Sobral, “a princesinha do Norte”, cidade do interior do Ceará que destaca-se nacionalmente pelos bons índices educacionais, com iniciativas inovadoras reconhecidas no campo escolar, mas também por ser a terra de Belchior e o local onde a teoria da relatividade foi comprovada. Nesta quinta-feira, vinte cinco de setembro, uma escola pública de Sobral virou notícia e desta vez não há o que celebrar.
Do lado de fora, sem precisar ultrapassar as grades da escola ou adentrar seu interior, à luz do dia e sem qualquer constrangimento, dois indivíduos desferiram vários disparos com arma de fogo em direção ao pátio que, repleto de alunos, finalizava o intervalo. Depois de alguns feridos, dois adolescentes mortos, outros tantos assustados, arrisco dizer que uma fronteira invisível e silenciosa foi ultrapassada. Afinal, com escola não se mexe?
Com pesar, temor e apreensão, empreendemos uma tentativa, ainda no calor dos fatos, de compreender o que tinha acontecido. Falo em “nós”, no coletivo, porque desde meu grupo de colegas professores, o motorista de uber, a caixa do supermercado, o garçom do bar que frequento até desconhecidos na rua faziam análises ou arriscavam justificativas em uma vã expectativa de racionalizar algo injustificável.
A violência é uma ruptura com os pactos sociais e tem esse poder de bagunçar certezas. Compreender e explicar os acontecimentos sociais faz parte do nosso ofício de pesquisador. E o que Sobral e a escola vivenciaram desafia nosso entendimento a respeito de conflitos, disputas entre grupos rivais e territorialização da violência. Mas não quero fazer análises e registro aqui minha solidariedade a toda a comunidade da escola Luiz Felipe.
Tanto quanto o horror que a notícia causou, chama atenção a pressa em culpabilizar as vítimas. Abundam em comentários de redes sociais falas sobre a ficha criminal dos adolescentes e objetos supostamente encontrados entre seus pertences que os conectariam à atividade do tráfico. Há uma mensagem nada velada nestas falas e comentários.
É como se as trajetórias das vítimas minimizassem ou até explicassem o que ocorreu, algo como “eles” de um lado e nós do outro”. No entanto, nada justifica a execução de jovens. Repito: nada justifica a execução de jovens dentro de uma escola.
Passando pela culpabilidade dos pais a negligência da escola, as opiniões proliferam, desviando o fato de que estamos cada vez mais expostos e desprotegidos. A resposta do poder público recorre ao senso comum e aponta como solução aumentar o policiamento, repetindo uma fórmula que, embora necessária, por si só não dá conta da complexidade que a violência assume na contemporaneidade.
A violabilidade da escola no caso de Sobral revela o quão frágeis e impotentes somos e o quanto estamos longe de encarar o real problema. É urgente repensarmos as contradições entre “nós e eles”. Pensar e agir. Faremos mais do mesmo ou estamos dispostos a reparar os fios do tecido social que nos conecta?