No momento em que o presidente do Brasil, seguindo a tradição, abre a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), mas num contexto de contencioso com os EUA, a a diplomacia global aguarda com ansiedade o teor do discurso. Em geral, o Brasil tem usado esse espaço para analisar a conjuntura internacional, projetando sua visão de mundo e defendendo temas estruturais, como o combate à fome, o desenvolvimento, o enfrentamento das mudanças climáticas e a reforma de instituições multilaterais.
A primazia na abertura dos discursos na ONU dá de fato ao Brasil uma visibilidade importante. É um canal privilegiado para expor suas prioridades de política externa e marcar posição em temas de relevância global diante de chefes de Estado, delegações estrangeiras e da mídia internacional.
No entanto, apesar da importância da Assembleia Geral da ONU, as organizações internacionais parecem atualmente esvaziadas e inativas. A onda de cortes de ajuda humanitária feita pelo atual presidente dos EUA tem atingido a ONU e outras instituições multilaterais. O Secretariado da ONU e as suas agências já estão despedindo funcionários, suspendendo programas de ajuda e alertando que oferecerão muito menos ajuda às pessoas e países mais vulneráveis ??em todo o mundo.
Na verdade, diplomatas e analistas de geopolítica especulam que os EUA poderão reduzir ainda mais sua contribuição financeira à ONU e/ou até mesmo abandoná-la, sem que nenhum outro país pareça estar disposto a assumir prontamente a parcela da contribuição americana de manutenção da organização. No entanto, para aqueles preocupados com o risco de colapso da ONU convém analisar a literatura acadêmica sobre a resiliência dos organismos internacionais.
As instituições com um grande número de membros, como a ONU, superam as que envolvem apenas alguns estados membros. No ano em que completa 80 anos de sua fundação (2025), a ONU tem a vantagem da longevidade e da universalidade dos seus membros. Mas as partes da ONU que provavelmente se sairão melhor ao eventual colapso financeiro são suas agências mais técnicas, que lidam com formas funcionais de cooperação e definição de normas, e não órgãos altamente políticos como o Conselho de Segurança e as agências especializadas que fornecem ajuda externa.
Nesse cenário de fraqueza da ONU e de desordem global, o discurso do presidente do Brasil deverá aproveitar a tribuna para reiterar a defesa da democracia, da autodeterminação dos povos e do multilateralismo. Em suma, expressar uma firme defesa da não ingerência nos assuntos internos dos países e de respeito à soberania das nações, assim como da necessidade de restabelecer os mecanismos financeiros e o poder das organizações de cooperação internacional.
(*) José Nelson Bessa Maia é ex-secretário de Assuntos Internacionais do Governo do Ceará, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e, atualmente, consultor internacional.