O ser humano adora dizer que é livre. Grita isso em tatuagens e posta no feed... Mas a ironia é que todos nós somos escravos — mais do que gostaríamos de admitir — das pequenas obsessões e de vícios.
O vício é ardiloso. Não se apresenta como algo que vai te consumir, mas como aquele amigo que diz: "relaxa, só hoje". Só que esse "hoje" vira rotina, e a rotina vira identidade, e, quando você percebe, já não sabe quem seria sem aquela dose, aquele trago, aquele clique, aquela compra, aquele beijo.
O vício não se limita ao álcool ou à nicotina. Ele se infiltra onde a dor encontra espaço: na comida, no trabalho, nas compras, na academia, no celular. Onde houver um vazio, o vício cava a nossa cova.
A mente humana, essa máquina brilhante e falha, foi desenhada para buscar prazer e evitar dor. É um projeto evolutivo eficiente, que nos manteve vivos quando precisávamos fugir de predadores e caçar comida. Mas eis que o mundo mudou e, agora, o predador é interno — mora dentro de nós, atiçando impulsos e minando nossa autonomia.
O ser humano sabe que está se afundando no vício, mas negocia com a própria sanidade: "amanhã eu paro", "não está tão ruim assim", "pelo menos eu não sou como fulano". O vício é uma sequência interminável de pequenas mentiras que contamos para não encarar a verdade maior: estamos fugindo de nós mesmos. Estamos em negação da dor.
Isso não é sinal de fraqueza, mas sim de dor não elaborada, de um afeto não vivido ou de um amor-próprio interrompido. Vício é falta de colo, é ausência de palavra, é vazio que alguém — ou a própria vida — não conseguiu preencher.
No fim, o ser humano não quer o vício. Quer o que ele promete: alívio, amor, pertencimento, paz.
Todavia, se encararmos o grande vilão, talvez possamos, um dia, dizer: "Eu sou livre". E, dessa vez, não como uma mentira para o feed, mas como uma verdade íntima e silenciosa.