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O passado de lembrar
Opinião

O passado de lembrar

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Não dá para fugir, afinal, não é? O esquecimento engole os mundos que criamos. Não foi a primeira vez que reencontrei alguém com quem estudei. Atrasado para pegar o ônibus para outra cidade, fazendo as coisas com certa pressa e no automático, chamei uma moto no aplicativo, desci as escadas quase correndo, disse bom dia e o piloto ficou me olhando. Olhei de volta; o reconheci. Estudamos juntos. Ele disse que era impossível não ser eu pelo nome que apareceu na tela. Rimos da situação e, naquela velha conversa de quando encontramos alguém do passado, fomos tentando lembrar nomes, rostos e tudo mais. Ele comentou do casamento, dos filhos, do novo negócio e da esposa. Falei pouco, ouvia.

Quando finalizou a viagem, nos despedimos e fiquei parado um tempo. Talvez nunca mais o veria. Olhei as pessoas ao meu redor. Um cara passava de bicicleta. Uma senhora sentada na parada, com uma saia floral de cores vibrantes. Um homem perguntou se eu queria um táxi; agradeci e neguei. Tudo ao redor pulsava narrativas. Nomes que não lembrava, pessoas que esqueci, coisas que vivi e jurei eternas e foram tão efêmeras que hoje… o que eram mesmo?

Lembrei do encontro com uma amiga e nos abraçamos forte. Não sei por quê, mas quis chorar e, genuinamente feliz, segui sorrindo até a esquina. Não faço ideia do que ela fez depois. Encontrei uma grande amiga, com quem compartilhei tantos temores, no banco de um ônibus e não nos falamos; não pertencíamos mais ao mundo um do outro. Lembrei de um balançador feito de pneu e de um poema que escrevi sobre cada uma das pessoas importantes para mim na época e hoje: só três nomes. O esquecimento engoliu muita coisa.

E existem muitos mundos ao nosso redor. O barulho do ônibus encostando no meio-fio me acordou. Não era o meu, mas a senhora subiu. Eu queria muito saber para onde a senhora de vestido floral vibrante estava indo. Ela tinha um cheiro doce de pitanga.

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