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João Saraiva: Escola sob cerco
Opinião

João Saraiva: Escola sob cerco

Educar é tarefa coletiva: ninguém educa sozinho, lembrava Paulo Freire. E "pertencer" não é palavra bonita de cartaz; é o que evita que um adolescente se perca, diria Durkheim. Parece teoria, mas é cotidiano
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João Saraiva

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Quem entra numa escola hoje encontra cadernos, risos, pressa para o recreio — e também medo. Em Sobral, no meio do intervalo, dois jovens foram assassinados e três ficaram feridos. Não é roteiro de série: é o nosso recreio. E a primeira lição é simples, dura e honesta: a escola não é ilha. O que a rua carrega, o portão não segura sozinho.

Misoginia, racismo, homofobia, bullying, facções, ideias de suicídio. Tudo isso atravessa o pátio. A professora que divide o lanche com um aluno sabe; o inspetor que aparta briga sabe; o pai que volta do trabalho sem tempo e sem ônibus sabe. Violência se aprende — pelo que se vê, pelo que se ouve, pelo que se permite. Como ensinou Albert Bandura, é aprendizado por modelo; nós, na prática, chamamos de exemplo.

Cuidado também se aprende. Quando a família conversa à mesa, quando a escola põe regras claras, quando os adultos combinam o básico — respeito, limites, acolhimento —, a sala respira. Educar é tarefa coletiva: ninguém educa sozinho, lembrava Paulo Freire. E “pertencer” não é palavra bonita de cartaz; é o que evita que um adolescente se perca, diria Durkheim. Parece teoria, mas é cotidiano.

O que fazer agora, não “um dia”?

— Na escola: equipe de escuta presente (psicologia contínua, não eventual), mediação de conflitos, atenção ao aluno que se isola, canais seguros de denúncia.

— Na família: pergunta simples todo dia (“como foi?”), olho vivo nas telas, sono em dia, carinho sem desculpa.

— No poder público: proteção do entorno (luz, transporte, ronda), investigação que chegue ao adulto que arma e alicia, e prioridade orçamentária para a vida — não para a estatística. Município, Estado e União têm de agir juntos e de modo visível.

Patriotismo aqui não é discurso: é garantir que um recreio termine em riso, não em sirene. A escola é espelho da sociedade, sim — mas pode ser o espelho que puxa a sociedade para cima. Quando um jovem cai no chão do pátio, cai um pouco de todos nós. Quando ele se levanta, somos nós que nos levantamos com ele.

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