Cotidianamente, nos deparamos com inúmeras situações e falas que, por vezes, causam certo espanto por parecerem claramente ilógicas, sem o mínimo sentido, praticidade ou funcionalidade. Mas, quando indagamos porque agem (ou reproduzem) de tal forma e não de outra, o incômodo se torna ainda maior com respostas do tipo: "Porque me disseram que fizesse (ou que é) assim", "porque sempre foi feito assim" ou "porque manuais ou modelos indicam assim". Por que não questionar se aquele é, de fato, o melhor e mais adequado modo e se não seria possível aperfeiçoá-lo em vez de apenas reproduzi-lo? Parece que pensar dói.
Quem nunca se deparou, por exemplo, com modelos textuais arcaicos como certidões que trazem, como aposto, a clássica expressão "para os devidos fins"? Será mesmo necessário repetir isso infinitamente tão somente porque há décadas integra o "modelo"? Quais serão, afinal, esses "devidos fins"? Se a pessoa que certifica sabe o fim (ou os fins) a que se destina, por que não indicá-lo(s) na certidão em vez de pôr expressão tão surrada, vaga e genérica? E, se nem ela sabe, por que precisa então indicar que é para "fins" desconhecidos se pode, objetivamente, apenas certificar o que de fato deve ser certificado?
Coitados dos modelos, sempre culpados e sem direito de defesa.
Eles deveriam servir como nortes ou diretrizes para facilitar certas realizações, mas nunca serem vistos como camisas de força a prender quem deles se serve e lhe tirar o poder-dever de sobre eles aplicar sua inteligência, fazer melhorias e adaptações capazes inclusive de gerar novos modelos, igualmente (por óbvio) sujeitos a outras adequações em casos similares. Esse novo modo de encará-los pode, a princípio, nos tirar da zona de acomodação, mas pode, principalmente, nos dar, aí sim, o conforto e a satisfação de mostrar que somos capazes de ir além da mera reprodução mecânica, automática e acrítica do que nos é apresentado.
Se nossas reflexões, análises e sugestões se sujeitarão à avaliação de terceiros e correrão o risco de serem refutadas com argumentos racionais e plausíveis, teremos nesse diálogo preciosa oportunidade de repensar nossas visões e conceitos, o que já terá valido a ousadia de pensar sobre o que fazemos, como e por que assim fazemos. Mas, também poderemos promover uma necessária disrupção e contribuir para um novo e melhor modo de proceder, abrindo perspectivas de soluções mais efetivas e eficazes a tantos problemas em vez de apenas "mais do mesmo".
Creio que, se vivo ainda fosse, atento à realidade atual, o filósofo, matemático francês e pai do cartesianismo, René Descartes (1596-1650), reformularia a frase "penso, logo existo" (do latim, "cogito, ergo sum") para "penso, logo resisto". Pensar é, sim, ato de rebeldia, (r)evolução e necessidade.