Jane Elliot, educadora americana conhecida pelo seu trabalho de formação em diversidade e do experimento "Olhos Azuis/Olhos Castanhos", defende que se "aprendemos a ser racistas, logo podemos também aprender a não ser. Racismo não é genético. Tem tudo a ver com poder." Essa constatação lembrou Nelson Mandela: "Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, de sua origem ou de sua religião. As pessoas são ensinadas a odiar e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar...".
Mas, é possível eliminar o preconceito e a ignorância em relação à história, à cultura e aos direitos das pessoas negras sem uma educação antirracista nos diferentes espaços sociais e de poder? Qual o caminho para a sociedade brasileira perceber que a superação do racismo antinegro não é um problema exclusivo da população preta e parda? E como deslocar a discussão sobre o racismo do campo moral e avançar para as esferas institucional e estrutural, inclusive no âmbito do Poder Judiciário?
Acreditamos que as respostas têm intrínseca relação com o conjunto de práticas que France Winddance Twine conceituou como "Racial Literacy", cujo significado literal é "alfabetização racial". No Brasil, de forma pioneira, Lia Vainer Schucman traduziu como "letramento racial", conceito que não é apenas comunicação, leitura e escrita, mas envolve, um profundo processo de reeducação e de reinterpretação sobre raça, racismo, direitos, privilégios e relações entre brancos e não brancos.
Assim, o letramento racial se torna imprescindível tanto para formação inicial e continuada da magistratura em questões raciais como nas ações de prevenção e combate à discriminação racial no âmbito do Judiciário. É uma forma eficaz de contribuir com a implementação prática e efetiva no combate ao racismo no sistema de justiça em prol da equidade étnico-racial das pessoas que autuam ou utilizam os órgãos judiciais.
Nesse contexto, o Tribunal de Justiça do Ceará, através de sua Comissão de Politicas Judiciárias pela Equidade Racial (CPJER), resolveu instituir o Clube de Leitura Luiz Gama a fim de despertar o letramento racial dos seus integrantes e incentivar a produção de uma educação jurídica antirracista, estimulando o estudo de obras literárias e jurídicas de autores negros e a criação de um ambiente estratégico de formação e debates para fortalecer o compromisso do Judiciário com a diversidade e a inclusão.
Construir uma cultura institucional explicitamente contrária à naturalização do racismo e das desigualdades raciais e com respeito às diferenças, em todos os setores do Judiciário, também são meios de garantir direitos, promover igualdade e fazer uma Justiça multirracial com dignidade humana.