Esperei o dia clarear para percorrer os cômodos do nosso lar.
Fiz o café, abri a porta e fui direto para o quintal afetivo e acolhedor que divide a casa da vovó e a nossa. Fiquei debaixo do pé de carambola. Os primeiros raios de sol iluminaram um soldadinho que repousava em uma carambola, nosso "amigo" de infância. A gente pegava um punhado de areia, fazia em forma de bolo e enfeitava com tudo que o pé de carambola semeava: flores, frutos, galhos e o fofinho soldadinho. Não sei quanto tempo fiquei ali, com os pés descalços no chão frio e o café quente nas mãos.
Antes de entrar em casa, fiquei admirando nossa garagem e as lembranças dos primeiros carros que por ali passaram e nos deram imensa alegria. O barulhinho da chave do Fusca branco me veio à memória — aquele que tantas vezes saía conosco e precisava ser encostado em uma árvore ou poste porque a porta do passageiro não fechava. Abri devagarinho a porta da sala e o vento balançou as plantinhas do nosso famoso jardim de inverno. Digo famoso porque tem as pedras mais lindas, dadas de presente pelo vovô, papai e meus tios. Eles escolheram uma por uma e é o nosso lugar de ostentação: pedrinhas envernizadas por nossas mãozinhas. Desconfio que o nosso jardim de inverno serviu de inspiração para a criação de um lugar "instagramável", o cantinho que nossos sobrinhos e amigos também querem como cenário de um retrato memorável. Retratos nas paredes... o sorriso se renova a cada olhar. Os quartos... quantas histórias. Lugar de oração, de rezar de joelhos, com as mãos em agradecimento. Camas com cheiro de talco e gavetas perfumadas com aquele aroma de vó, de sabonetes Phebo e "par de cheiro" do Pará. E o mais lindo de todos os cômodos da casa são as pessoas que passaram, passam e permanecem em nossas lembranças. Tô com uma saudade imensa de quem não volta hoje pra casa, mas que sempre vai iluminar cada cômodo do nosso lar.