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Cavalcante Junior: Crianças sem barco à vela
Opinião

Cavalcante Junior: Crianças sem barco à vela

.No mês da criança, ansiamos que os serviços de atendimento às vítimas da violência sexual contribuam para a redução dos danos do silêncio, que destroem a saúde psíquica infantil, e sejam prestados por profissionais qualificados
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Cavalcante Júnior

Psicólogo e professor da Pós-Graduação em Avaliação de Políticas Públicas da UFC

Nem toda criança que corre o lápis em torno da mão se dá uma luva, como promete a canção. Para milhares delas, a infância foi roubada pela força imposta da mão sobre o seu corpo, vinda de quem esperavam afeto e cuidado.

A violência sexual acontece, muitas vezes, no lar da criança. Conforme a reportagem especial de O POVO , publicada em 8 de setembro, a segunda-feira é o dia de maior prevalência (3.790 registros, ou 16,4%), seguida pelas terças (3.421 casos) e quartas (3.415). O horário é predominantemente o diurno, quando a rotina da família é alterada.

Para proteger o violador, tem sido recorrente que parentes não registrem denúncia nas instituições competentes. A criança vive sozinha com o silêncio do trauma, até que alguém a conduza para um serviço de escuta especializada. O tempo de espera por atendimentos, nos programas públicos destinados ao cuidado dessa população, cresce anualmente. Para reduzir a espera, a quantidade dos atendimentos é diminuída. A criança que, finalmente, encontrou um adulto em quem confiar, num contexto seguro para sua narrativa do trauma, é informada de que sua permanência será de poucas semanas. Cuidar da ferida aberta será tarefa exclusiva dela.

Visando ao aumento dos índices numéricos nas planilhas mensais dos programas públicos, a quantidade de atendimentos é acelerada em detrimento do cuidado infantil. Esta realidade faz com que a criança retorne para casa e seja obrigada a continuar vivendo com o abusador, enquanto o processo jurídico segue a passos lentos. Sozinha, vê-se aterrorizada pelo fantasma da mão que ronda sua vida, como bem narrou o escritor Hugo Ferreira, no livro Antônio, destinado ao público infantojuvenil.

No mês da criança, ansiamos que os serviços de atendimento às vítimas da violência sexual contribuam para a redução dos danos do silêncio, que destroem a saúde psíquica infantil, e sejam prestados por profissionais qualificados, a quem a criança possa confiar o evento traumático da dor e do abandono. É dever do Estado garantir a proteção das crianças. Somente assim, a esperar por elas, o futuro está.

 

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