Logo O POVO+
Roberto Pessoa: Brasileiro só fecha a porta depois de roubado
Opinião

Roberto Pessoa: Brasileiro só fecha a porta depois de roubado

.No calor da hora, legisladores aprovam leis rigorosas que não serão cumpridas. Enquanto a lógica da reação tardia prevalecer, o Brasil continuará pagando um preço alto: vidas perdidas, patrimônio destruído e uma sociedade que aprende pela dor, mas raramente pela prudência
Edição Impressa
Tipo Opinião Por
Foto do Articulista

Roberto Pessoa

Articulista

A sensação de que medidas sérias só são tomadas depois que a tragédia aconteceu é recorrente no Brasil. O dito popular só se fecha a porta depois de roubado traduz de forma amarga esse padrão: a ausência de prevenção, planejamento e fiscalização eficiente.

Casos emblemáticos ilustram esse cenário. O último acontece em São Paulo onde a venda de bebidas adulteradas com etanol ceifa vidas e revela falhas graves na fiscalização sanitária e no controle da produção clandestina de álcool.

O Brasil não produz metanol e sua importação carece de um CNPJ e autorização da ANP. Antes dos casos de intoxicação pela mistura em bebidas destiladas, a imprensa revelou o uso do produto em combustível com prejuízos aos veículos e à economia. A informação comprova a falta de fiscalização.

No INSS, quadrilhas agiram por mais de seis anos, corroendo recursos vitais para milhões de trabalhadores, enquanto o controle interno mostrava-se frágil. Após a descoberta, pela CGU e Polícia Federal, o tema tem servido de rinha eleitoreira em CPI no Congresso, substituindo o debate sobre mecanismos que evitem a repetição.

O rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019, não foi um acidente, mas uma tragédia anunciada. Em 2015, o desastre de Mariana havia mostrado a fragilidade do modelo de fiscalização das mineradoras. Mesmo diante da catástrofe, as providências estruturais não foram tomadas, e a história se repetiu com saldo humano ainda mais devastador.

As enchentes no Rio Grande do Sul revelaram a falta de planejamento urbano e ambiental diante das mudanças climáticas. Relatórios alertavam para os riscos, mas as obras de contenção foram adiadas, e as legislações ambientais afrouxadas.

A queda do Palace II, em 1998 no Rio de Janeiro, mostrou a precariedade do controle urbano e da fiscalização das obras privadas. A tragédia expôs um sistema permissivo, onde a corrupção e a negligência técnica se sobrepõem à segurança dos moradores.

O incêndio que destruiu o Museu Nacional, em 2018, não foi um acaso. O estado de abandono e a falta de recursos para a manutenção do maior acervo histórico e científico do país já haviam sido denunciados e nenhuma providência estrutural foi adotada. Esses episódios refletem um ciclo vicioso: tragédia, comoção, e pressão social.

No calor da hora, legisladores aprovam leis rigorosas que não serão cumpridas. Enquanto a lógica da reação tardia prevalecer, o Brasil continuará pagando um preço alto: vidas perdidas, patrimônio destruído e uma sociedade que aprende pela dor, mas raramente pela prudência. O país que fecha a porta depois do roubo precisa aceitar que segurança, justiça social e sustentabilidade não se improvisam, constroem-se antes que o ladrão chegue.

O que você achou desse conteúdo?