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Guerra e Paz: Lições do Historiador
Opinião

Guerra e Paz: Lições do Historiador

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Sidney Ferreira Leite. Doutor em Relações Internacionais (USP). (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Sidney Ferreira Leite. Doutor em Relações Internacionais (USP).

O século XX foi, paradoxalmente, o mais violento da história humana e aquele que mais idealizou a paz. Essa contradição é o ponto de partida de um dos textos mais contundentes do historiador Eric Hobsbawm: "A Guerra e a Paz no Século XX", presente do livro Globalização Democracia e, Terrorismo.

Hobsbawm aborda o contexto da era dos extremos, de avanços tecno-científicos ímpares, convivendo com destruições em escala igualmente inédita. A guerra, antes restrita a exércitos e campos de batalha, passou a envolver sociedades inteiras. A partir da Primeira Guerra Mundial, o planeta conheceu a guerra total, em que civis e militares se confundem no esforço bélico.

A Segunda Guerra Mundial levou essa lógica ao paroxismo. Bombardeios em massa, genocídios e o uso da bomba atômica revelaram até onde a racionalidade moderna podia chegar quando colocada a serviço da morte. O pós-guerra trouxe o paradoxo: a paz nasceu do medo. Durante a Guerra Fria, o equilíbrio global se sustentou não na confiança entre as superpotências, mas na ameaça da destruição mútua, o "equilíbrio do terror", quanto mais armas nucleares, menos coragem para usá-las.

Com o fim da União Soviética, muitos acreditaram que o sistema internacional viveria a estabilidade democrática. Hobsbawm, cético diante dos triunfalismos, viu o contrário: a queda do Muro de Berlim não eliminou os conflitos, apenas transformou suas formas. Guerras civis, conflitos étnicos e o terrorismo internacional somaram-se às disputas tradicionais entre Estados.

A globalização intensificou essa insegurança. A guerra deixou de ter fronteiras fixas e passou a ser travada nas sombras, nas redes digitais, nas ideologias e nas próprias cidades. O poder militar deixou de ser monopólio dos Estados: grupos e indivíduos passaram a causar impactos globais.

Hobsbawm questiona o intervencionismo das potências ocidentais, especialmente dos Estados Unidos, que, sob o pretexto de combater o terrorismo, multiplicaram instabilidades no Oriente Médio e em outras regiões, não há paz possível sem legitimidade política e justiça social, pilares ignorados em nome da segurança. A assertiva que ajuda a compreender dilemas atuais, como os persistentes obstáculos à paz no Oriente Médio.

No século XX e início de XXI, a humanidade aprendeu que o progresso técnico e científico não garante progresso ético. O desafio contemporâneo é impedir que a violência se torne a linguagem permanente das relações internacionais. Em tempos de guerras transmitidas pela internet e de discursos que normalizam a destruição, a lição do historiador ecoa como um aviso: a paz não é natural. É uma construção política que exige vigilância permanente. 

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