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Wladimir d'Alva: Educação sem mérito, país sem futuro
Opinião

Wladimir d'Alva: Educação sem mérito, país sem futuro

Quando a universidade cria um processo seletivo específico para determinados grupos, substitui o critério universal do mérito por um critério de pertencimento. A pergunta deixa de ser "você dominou o conteúdo?" e passa a ser "você pertence ao grupo certo?"
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Wladimir da Alva, advogado e professor universitário (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Wladimir da Alva, advogado e professor universitário

A Universidade Federal de Pernambuco lançou um edital criando uma turma especial de Medicina no campus do Agreste, em Caruaru, em parceria com o Incra dentro do Pronera, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Foram abertas 80 vagas extras, sendo 40 de ampla concorrência e 40 destinadas a candidatos atendidos por ações afirmativas, como assentados, acampados cadastrados pelo Incra e quilombolas. O processo seletivo foi desenhado exclusivamente para esse público, com regras próprias de inscrição, prova e avaliação.

A proposta foi apresentada como política de inclusão social e chegou a ser suspensa pela Justiça Federal sob o argumento de violação à isonomia no acesso ao ensino superior, por criar um canal paralelo de ingresso. Posteriormente, decisões do Tribunal Regional Federal da 5ª Região restabeleceram o edital, invocando a autonomia universitária e o caráter afirmativo da medida.

Mas é justamente aqui que reside o ponto de ruptura. Milhares de jovens em todo o país passam anos se preparando para disputar uma vaga em Medicina. A rotina é árdua: cursinhos noturnos, fins de semana de estudo, ansiedade pelo Enem e pelo Sisu. Muitos oriundos da escola pública conseguem aprovação porque alcançam a nota exigida, competindo em igualdade de condições. Esse esforço traduz o princípio básico da meritocracia: o acesso à universidade pública deve ser determinado pelo desempenho acadêmico, não pela origem ou vínculo social.

Quando a universidade cria um processo seletivo específico para determinados grupos, substitui o critério universal do mérito por um critério de pertencimento. A pergunta deixa de ser "você dominou o conteúdo?" e passa a ser "você pertence ao grupo certo?".

Os defensores do Pronera alegam que a medida corrige desigualdades históricas no campo e que os formandos atuarão em comunidades rurais. Argumentam ainda que as vagas seriam adicionais e, portanto, não retirariam espaço dos vestibulares regulares.

Esse raciocínio, no entanto, apresenta sérios problemas. Primeiro, trata-se de um curso público custeado com recursos de todos. Quando o critério de ingresso deixa de ser a nota e passa a ser a vinculação social, o Estado passa a financiar privilégios de um grupo específico. Segundo, abre-se um precedente perigoso: se hoje há uma turma de Medicina para beneficiários da reforma agrária, amanhã podem surgir turmas sob medida para outros movimentos, politizando o acesso ao ensino superior. Terceiro, isso destrói o sentido da meritocracia, transmitindo aos jovens que esforço e mérito individual valem menos do que enquadramento ideológico.

A universidade pública deve ser instrumento de mobilidade social, não de segregação institucionalizada. As cotas raciais e sociais já são previstas em lei e aplicadas nos vestibulares gerais. O que o Pronera faz é algo diferente: cria atalhos exclusivos, paralelos ao sistema comum, minando o princípio da igualdade de oportunidades.

A solução verdadeira para reduzir desigualdades está em investir na educação básica e garantir ensino de qualidade no interior. Só assim o jovem do campo poderá competir com o da cidade em condições justas. Mérito não é inimigo da justiça social. É, ao contrário, o único caminho capaz de preservar a universidade pública como espaço de mérito, esforço e excelência ,e não como arena de privilégios setoriais.

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