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Gustavo Guerreiro: Filhos da tecnologia, órfãos da utopia
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Opinião

Gustavo Guerreiro: Filhos da tecnologia, órfãos da utopia

.As ruas do mundo ardem por falta de esperança. Essa juventude merecia mais que símbolos piratas em redes sociais; mas sonhos, planos e organização que lhes oferecessem utopias concretas, coisa rara neste colapso permanente do capitalismo
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Gustavo Guerreiro

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Há tempos não via a juventude tão furiosa e ao mesmo tempo tão carente de horizonte político. Quem vê as ruas de Santiago, Katmandu ou Casablanca encontrará jovens que se recusam ao nome que lhes foi imposto. "Geração Z", uma tipologia de marketing nascida nas salas de consultoria dos anos 2000, transfigurou-se em coisa viva, ferida, pulsante, subvertendo a origem mercadológica que a definiu.

Segundo o historiador indiano Vijay Prashad, há nessa rebelião global uma lógica estrutural: o ápice do investimento em capital humano é recompensado com o subemprego, a precariedade e um "empreendedorismo", eufemismo sociológico para desemprego crônico, que torna a migração forçada como única "carreira" viável. A geração Z emerge como um grito contra uma máquina neoliberal que não consegue mais funcionar (ou funciona em seu desfavor). Esta ideia expressa o pensamento do sociólogo Karl Mannheim, que em 1928 já afirmava que gerações não nascem de anos de calendário, mas de convulsões históricas.

Minha inquietude reside na ausência de programa dessas revoltas. Diferente dos movimentos históricos, como Maio de 68 em Paris, que tinham uma agenda anticapitalista definida, essa geração atual rejeita partidos e sindicatos, organiza-se em redes como o Discord, usa símbolos da cultura pop (como One Piece) e derruba governos e questiona gastos públicos, como a Copa do Mundo no Marrocos, mas sem um plano concreto.

O que é belo nisto: a honestidade. A geração Z grita "não sabemos, mas isto aqui está podre". Mas quando a indignação se recusa a pensar estruturalmente, ela se torna combustível para qualquer chama que a acenda. Revolta sem alternativa real é armadilha para os braços da extrema direita. Foi o que aconteceu no Brasil, nas chamadas jornadas de 2013. São multidões jovens, globalmente indignadas e conectadas, mas organicamente incapazes de construir poder. É legítimo, mas estranho.

As ruas do mundo ardem por falta de esperança. Essa juventude merecia mais que símbolos piratas em redes sociais; mas sonhos, planos e organização que lhes oferecessem utopias concretas, coisa rara neste colapso permanente do capitalismo.

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