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Juliana Monteiro: Política da indiferença
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Juliana Monteiro: Política da indiferença

.Acusada de excesso judicial e de difamar os soldados, Tomer-Yerushalmi sofreu críticas e perseguição, inclusive dezenas de ativistas mascarados e parlamentares governistas invadindo o quartel militar para protestar contra a detenção dos nove soldados implicados. Em resposta, um vídeo comprovando o crime chegou à imprensa.
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Juliana Monteiro

Mestra em Relações Internacionais pela PUC-Rio

Yifat Tomer-Yerushalmi, major-general e ex-advogada-geral militar das Forças de Defesa de Israel (IDF), tornou-se a principal personagem envolvida na descoberta de um violento crime sexual cometido na base militar de Sde Teiman, no sul de Israel, em agosto de 2024. Na época, surgiram boatos de violações sistemáticas perpetradas por soldados israelenses contra presos palestinos, incluindo violências sexuais. As alegações foram investigadas pela advogada-geral e o inquérito resultou em acusações criminais - não sem forte reação da direita.

Acusada de excesso judicial e de difamar os soldados, Tomer-Yerushalmi sofreu críticas e perseguição, inclusive dezenas de ativistas mascarados e parlamentares governistas invadindo o quartel militar para protestar contra a detenção dos nove soldados implicados. Em resposta, um vídeo comprovando o crime chegou à imprensa.

Dos soldados, quatro foram libertados rapidamente e, apenas em fevereiro, os cinco restantes foram indiciados por "abusar severamente" do prisioneiro- sem menção à palavra "estupro". O julgamento ainda não terminou, e os acusados têm liberdade para se defender publicamente, sem mostrar o rosto. Alegam que "em vez de apreciação, recebem acusações, e em vez de obrigado, recebem silêncio". No dia 31 de outubro, a major-general renunciou ao cargo, assumindo responsabilidade pelo vazamento do vídeo. Na noite de segunda-feira foi presa, e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu classificou o vazamento como talvez o mais "grave ataque de relações públicas" a Israel desde sua fundação.

A violação dos corpos foi historicamente silenciada e esquecida pelo direito internacional, mas é tão antiga quanto as guerras. O fim da Guerra Fria permitiu incluir crimes sexuais em conflitos - principalmente contra mulheres - no rol de crimes contra a humanidade, reconhecendo-os como estratégia bélica sistemática. No entanto, apesar de brutais, tais violências não são devidamente refletidas em sua escala global, permanecendo subnotificadas e ocultas, como destacou relatório das Nações Unidas em 2024. No caso de Sde Teiman, à medida que o processo se desenrola, o debate se divide entre ver a major-general como vítima do autoritarismo do governo israelense ou como traidora.

Com isso, perde-se o foco essencial: o crime, que na maioria das vezes ocorre sem punição e sem reparação às vítimas, é relegado ao segundo plano, substituído pelo drama pessoal da ex-advogada-geral, que provavelmente se absteve de investigar outras possíveis violações do direito internacional em Gaza. Ações que nunca deveriam ocorrer e jamais ficar impunes já não causam a mesma repulsa. Assistimos ao abuso de prisioneiros tornar-se pêndulo de polarização política. O que nos resta de humanidade?

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