O filme “O Agente Secreto” é bem mais do que um outro jeito de se conhecer o Brasil mergulhado na ditadura militar que vigorou no País por duas décadas (1964-1985). O drama é vivido pelo ator Wagner Moura, que interpreta Marcelo ou Armando, professor universitário das exatas, coordenador de pesquisas em inovação tecnológica, perseguido durante o regime militar. Depois de uma temporada em São Paulo, o professor retorna ao Recife para viver perto do filho pequeno, Fernando.
Espasmos da ditadura estão em todos os lugares mapeados pelo diretor Kleber Mendonça Filho. E o cineasta é uma espécie de etnólogo do Recife. Quem assistiu aos filmes – “O som ao redor”, “Aquarius”, “Retratos Fantasmas” – talvez perceba o quanto a cidade do Recife é esquadrinhada pela câmera e pela sensibilidade de mostrar como o espaço urbano vive (e revive) por meio de histórias de pessoas anônimas ou não. Particularmente, em “O Agente Secreto”, os rios, as pontes, as praças, as ruas e os prédios públicos ganham uma dimensão de personagens dramáticos que envolvem toda a vida do personagem.
E, de repente, Recife se transforma no Brasil inteiro, um lugar que parece um terreno fértil de onde brotam absurdos imaginários e vivenciados numa proporção que já não se sabe o quão cada um tem de irreal. Ou de real? Por isso, Recife, em 1977, constituído de imagem, som, e ação, arranca risadas do espectador em cenas bizarras, mas que são comprovadas pelas notícias. E também nojo da política, do poder e seus arremedos, da violência banal e corriqueira. O Recife de Mendonça é o espaço do improvável que tem alta possibilidade de se tornar concreto. Assim como o Brasil.
Enquanto assistia ao “O Agente Secreto”, lembrei-me também de um desses livros tão incríveis que li há um tempo: “Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife”, que Gilberto Freyre escreveu entre 1934 a 1968. A edição que eu tenho é de 2007, mas encontrei na Biblioteca Estadual do Ceará (Bece) uma versão antiga do livro e foi muito interessante perceber as mudanças que o autor fez entre uma edição e outra, tal como Mendonça procede na sua filmografia. Lembrei-me, então, do filme “O Som em redor”, no qual Mendonça explora algumas ruas de um bairro recifense. Em “Aquarius”, um prédio na orla se destaca.
“Retratos Fantasmas” é um passeio quase onírico pelo centro antigo do Recife. Em “O Agente Secreto”, a cidade é virada pelo avesso para mostrar as situações medonhas que amalgamam passado e presente no Brasil com o que não se explica, o que é guardado em silêncio, o que a lembrança perdeu nos labirintos da ignorância. No fim das contas, o agente secreto é qualquer um de nós que decida pôr em relevo uma vida e uma cidade arquitetando o invisível.