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Denilde Holzhacker: O termômetro político de novembro nos Estados Unidos
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Opinião

Denilde Holzhacker: O termômetro político de novembro nos Estados Unidos

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Denilde Holzhacker. Professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Denilde Holzhacker. Professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Nos últimos dias, acompanhamos as eleições locais nos Estados Unidos com uma atenção incomum. Sabíamos quem venceu, quem perdeu e quais estratégias republicanos e democratas usaram, em um nível de detalhe que surpreenderia muitos americanos. Lembrei de um colega da Universidade de Chicago que dizia se espantar com o quanto estrangeiros conheciam aspectos específicos da política dos EUA.

As eleições de meio de mandato sempre atraíram olhares do mundo por anteciparem o cenário presidencial. Mas as disputas municipais, mesmo em cidades como Nova York, raramente mobilizavam análises internacionais na mesma intensidade que vimos nesta primeira semana de novembro.

O surgimento de novas lideranças, como Zohran Mamdani em Nova York, trouxe uma nova mobilização política que não se via desde a ascensão de Barack Obama. Campanhas democratas conseguiram reconectar-se a grupos sociais que vinham se afastando da política, especialmente comunidades negras, hispânicas e moradores de subúrbios. O partido, antes sem rumo, recuperou sua capacidade de se contrapor a retórica do trumpismo. Ainda falta coesão interna no partido, mas as lideranças partidárias ganharam maior confiança, inclusive os financiadores voltaram a apostar na renovação política do Partido Democrata.

Outro aspecto decisivo foi a natureza da agenda vencedora. O eleitor de Nova York, Nova Jersey ou Virgínia votou em torno de temas concretos: custo de vida, preço dos aluguéis, acesso à moradia, medicamentos e creches. O discurso moral e os slogans econômicos do trumpismo enfrentaram o teste da realidade. Pesquisa realizada pela Reuters/Ipsos, em outubro, indica que a administração Trump não produziu ganhos econômicos perceptíveis no cotidiano das famílias. Desafio semelhante viveu a gestão Biden, cuja recuperação econômica não se converteu em sensação de prosperidade.

As eleições locais de novembro funcionaram como um termômetro político. Não resolveram os impasses dos Estados Unidos, tampouco diminuíram seus riscos, mas sinalizaram mudanças de humor no eleitorado e apontaram para um novo contexto, tanto para os democratas quanto para o governo Trump.

Em 2026, os republicanos tentarão preservar sua hegemonia nas duas casas legislativas. As estratégias de alteração dos distritos e as barreiras ao voto continuarão a ter impacto na disputa, mas cresce o cansaço com discursos sem soluções tangíveis. A pesquisa da Reuters/Ipsos mostra que a maioria dos eleitores apoia medidas que diminuam o custo de vida e os preços nos supermercados.

Em última instância, o resultado das eleições indica que a democracia americana continua inquieta, mas o desgaste com a polarização parece recolocar o cotidiano no centro da política. E, mesmo na América profunda, a paciência com o caos político parece ter prazo de validade.

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