Havia, na av. Dom Luis, uma loja de discos chamada Desafinado. Para amantes da música, o lugar era um deleite pelos encontros, pela troca de experiências. Era comum cada frequentador acrescentar ao outro um pouco de seu mundo, trazendo um quê de desconhecido à alma de cada qual, além das dicas dadas pelos proprietários.
Percorriam-se os discos como quem vive o inexplorado, não apenas em busca de algo que já estava no consumidor, mas que ultrapassava o próprio eu previsível. Hoje, as músicas são consumidas principalmente em aplicativos digitais.
Com base nos hábitos dos ouvintes, as plataformas de música oferecem, com eficiência, variadas canções. Assim, a previsão algorítmica mantém um padrão de sugestões comportamentais. Se, por um lado, ganha-se em facilidade de armazenamento e rapidez de acesso, tem-se como preço a repetição de si, com a redução dos horizontes de expansão do saber. O acaso é filtrado e o inesperado se distancia.
O que acontece com a música também pode acontecer com livros, filmes, ideias e, mais sutilmente, com as formas como tomamos decisões. Não apenas no consumo cultural, mas na política, na educação e até mesmo na justiça, cresce a tentação de reduzir a complexidade humana à lógica da eficiência e da previsibilidade. É preciso refletir sobre o que estamos perdendo quando deixamos que os algoritmos antecipem o que vamos querer, pensar ou decidir.
Proteger o inesperado e valorizar o encontro com a alteridade são tarefas não apenas culturais, mas também jurídicas e democráticas. A criatividade, a escuta do outro e a abertura ao desconhecido não são luxos, são fundamentos da liberdade e da justiça. Inclusive no exercício da jurisdição, que não pode se transformar em réplica estatística de decisões anteriores. Julgar é também imaginar. Deliberar é, muitas vezes, ousar o inédito.
Não se trata apenas de cultivar uma consciência individual sobre a importância da surpresa e da diversidade, mas de construir técnicas e garantias jurídicas capazes de nos proteger do aprisionamento em caixas algorítmicas de previsibilidade. Uma sociedade que renuncia ao inesperado fecha as portas ao futuro. Em nome da eficiência, corre-se o risco de abrir mão justamente daquilo que lhe dá humanidade.