— Um consultório deveria ser mais alegre: deixar cair os tons de salmão, todos os dourados, os cinzas claros e as superfícies de vidro brilhantes. Deveriam servir bebidas alegres, vinho e champanhe...
Era isso que me passava pela cabeça quando uma senhora, vestida com um longo vestido escarlate, com pequenos pingos em forma de flores brancas, deu duas batidas no meu antebraço e me perguntou como era que os livros nasciam — enquanto repartia a fumaça moída que saía do meio do copo de café quente com a boca.
Antes que me desse espaço para qualquer resposta, começou seu relato, num esforço de boa leitora. Disse-me que, em sua casa, os pais nunca a proibiram de ler — fiquei pensando que espécie de pais seriam se proibissem os filhos de ler. E que tipo de fragmento de ordem insolente, para que os filhos não lessem, seriam esses? Não vejo um cenário em que essa proibição fosse válida. Continuou. Seguiu contando que leu um livro que era assim: "desse tamanho, com muitas páginas, dessa grossura". Detalhou que a capa era excessivamente escura e que os números das páginas estavam no canto superior. Revelou seu incômodo: "onde já se viu, o número das páginas em cima, e não na parte de baixo". Virou-se para mim, relembrando que talvez conversasse comigo, e perguntou se não era um motivo que também me preocupava. Despistou os olhos. Encarrilhou o relato sem pausar a respiração. Não gostava de histórias tristes. Talvez devesse começar um livro pelo final e, então, retornar ao começo. Não gostou do último livro porque, de certeza, houve uma traição.
— E então, como é que nascem os livros?
Devolveu a pergunta para mim, espetando minha imaginação com aqueles olhos grandes e alegres. Quando fui abrir a boca, a atendente anunciou que o médico me receberia. Levantei-me calado e entrei no consultório, mas ainda assim alcancei o agradecimento pela conversa proveitosa.