Seis décadas não conseguiram esmaecer o brilho prateado de "Dr. Jivago", obra filmográfica baseada no romance homônimo do escritor russo Boris Pasternack, nascido em Moscou, que foi brilhantemente desenvolvida pela direção do britânico David Lean e com arte fotográfica de Freddie Young.
Lançada dezembro de 1965, a obra de Lean permanece como um monumento cinematográfico cuja alma lírica ainda respira fortemente. A câmera, em um travelling majestoso, apresenta-nos um filme que traz um país-alma: uma Rússia, onde a História é um personagem com punhos de ferro, e o amor, seu frágil e persistente antagonista.
A fotografia é a primeira narradora. A luz âmbar da memória, banhando a Dacha, contrasta com o branco glacial da Revolução Russa. Cada plano é uma pintura em movimento, um close-up que sussurra mais que discursos. O olho de Omar Sharif, janelas de um médico com fortes aspirações poéticas, é esmagado pela roda do tempo e carrega a tragédia íntima em meio à épica coletiva.
Impossível analisar e homenagear "Dr. Jivago" sem mencionar a partitura musical de Maurice Jarre. O tema "Lara", executado pela balalaica, transcende sua função de trilha sonora para se tornar o próprio coração pulsante do filme. É a melodia da memória, do amor perdido, da Rússia das antigas tradições. Sua recorrência ao longo do filme funciona como um fio condutor emocional, um lembrete constante de que, por mais que as estruturas sociais desmoronem, os sentimentos essenciais - o amor, a saudade, a beleza - persistem.
Passados 60 anos, "Dr. Jivago" ainda se mostra como um duplo testemunho: da Rússia que Pasternak cantou e do cinema que Lean erigiu. Uma obra de escala humana, em que o épico serve ao lírico tendo como pano de fundo imagens talhadas em gelo e paixão. O amor de Jivago por Lara são versos perfeitos contra a brutalidade do inverno e da Revolução, uma prova de que a arte, quando suprema, vence o imperdoável tempo.