O futuro da ordem internacional depende, cada vez mais, da estabilidade na relação entre Estados Unidos e China - duas potências cuja interdependência econômica contrasta com a rivalidade estratégica que molda o sistema global. Donald Trump, reeleito em 2024, e Xi Jinping conduzem essa disputa com uma realpolitik pragmática: competem em múltiplas frentes, mas preservam mecanismos de contenção que evitam choques diretos enquanto buscam remodelar instituições como ONU, G20 e OMC.
Quando esse "equilíbrio desconfortável" funciona, garante estabilidade relativa às cadeias produtivas e à cooperação em temas não tradicionais. Quando falha, abre espaço para turbulências sistêmicas que fragilizam a ordem liberal pós-Segunda Guerra.
A reconfiguração do sistema internacional é visível na formação de blocos antagônicos. O eixo China-Rússia fortaleceu-se com apoio econômico, tecnológico e diplomático de Pequim a Moscou na guerra da Ucrânia, desafiando o Ocidente liderado pelos EUA e pela União Europeia.
Exercícios militares conjuntos, comércio de bens de uso dual e alinhamentos nos Brics compõem a arquitetura dessa parceria. A UE, por sua vez, distancia-se de Moscou e adota sanções a empresas chinesas ligadas ao esforço russo, reforçando o vínculo transatlântico apesar de tensões internas.
O resultado é uma bipolarização reminiscentemente fria, mas marcada por assimetrias: enquanto o Ocidente aposta em inovação e valores democráticos, o eixo autoritário prioriza soberania absoluta, controle informacional e uma multipolaridade "gerenciada".
No centro dessa rivalidade está a disputa tecnológica. A revolução da inteligência artificial acelera a formação de uma "cortina de ferro digital", com padrões, ecossistemas e normas paralelos. Os EUA lideram em chips avançados e modelos generativos; a China, impulsionada pelo "Made in China 2025", investe massivamente em vigilância algorítmica, armas autônomas e computação quântica. Isso amplia riscos de ciberataques, dilemas éticos globais e dependência tecnológica - especialmente para países do Sul Global, pressionados a escolher entre os padrões de Washington ou Pequim.
Essa dinâmica se intensifica com tensões em múltiplos tabuleiros: Ucrânia como palco de uma guerra proxy, o Estreito de Taiwan como ponto de ignição global e o Oriente Médio em permanente ebulição. As grandes potências testam limites sem confronto direto, erodindo normas e paralisando o multilateralismo.
Vivemos, assim, uma "era dos muros": nacionalismos reforçados, sanções recíprocas, corredores tecnológicos rivais e uma diplomacia mais frágil.
O acúmulo nuclear chinês e as manobras militares sino-russas aumentam as chances de erros de cálculo - risco já destacado no Global Risks Report. Apesar disso, a paz continua possível. Ela exige a manutenção de canais de diálogo entre EUA e China, capazes de administrar rivalidades e evitar que a fragmentação atual se transforme em ruptura.
O desafio não é apenas evitar uma nova Guerra Fria, mas construir um arranjo institucional que garanta estabilidade mínima a um mundo cada vez mais polarizado.