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Dayana Claudia Tavares Barros de Castro: Feminicídio, a violência que persiste
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Dayana Claudia Tavares Barros de Castro: Feminicídio, a violência que persiste

.Importante ressaltar que o feminicídio é precedido por ciclos, e não por impulsos. Por isso, tratá-lo apenas como problema penal é insuficiente
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Dayana Claudia Tavares Barros De Castro

Juíza TJCE

O feminicídio expõe a face mais brutal da violência de gênero no Brasil, revelando como a cultura machista segue estruturando relações sociais e institucionais. Apesar de sua tipificação em 2015, morrer mulher continua, muitas vezes, sendo morrer por ser mulher. A violência é sistêmica e começa cedo, marcada por abusos intrafamiliares, exploração sexual e culpabilização de meninas, elementos que constroem trajetórias de desigualdade que o Estado não consegue enfrentar plenamente.

A cultura machista funciona como tecnologia de poder: distribui privilégios, autoriza violências e naturaliza práticas discriminatórias. Isso explica por que mulheres seguem sendo revitimizadas ao buscar proteção, por que medidas protetivas são relativizadas e por que relatos de violência sexual continuam sendo recebidos com desconfiança.

A CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher) reforça que a violência de gênero constitui violação de direitos humanos e impõe aos Estados o dever de preveni-la, investigá-la e puni-la, obrigação que o Brasil cumpre de forma desigual.

Quando o Estado adota uma postura leniente ou estereotipada, reforça-se a ideia de que a violência contra a mulher é um "problema privado", fortalecendo exatamente o que a Lei Maria da Penha buscou desconstruir.

Importante ressaltar que o feminicídio é precedido por ciclos, e não por impulsos. Por isso, tratá-lo apenas como problema penal é insuficiente. É necessário compreender que o direito penal chega tarde: chega quando a vida já foi interrompida e o Estado apenas registra o fracasso de sua própria omissão.

Entre meninas, a violência sexual é massiva, a denúncia é dificultada e a proteção institucional falha, alimentando um ciclo que se projeta na vida adulta.

Nesse cenário, ganha destaque a violência vicária, reconhecida pela Resolução Conjunta CONANDA/CNDM nº 1/2025, na qual filhos são usados para punir mulheres, causando sofrimento psicológico e perpetuando vínculos abusivos. Trata-se de violação grave que produz impactos duradouros em crianças e exige respostas urgentes do Sistema de Garantia de Direitos.

Enfrentar o feminicídio demanda transformação cultural: educação para igualdade de gênero, fortalecimento da rede de proteção, capacitação contínua de agentes públicos, políticas que considerem raça, classe e identidade, além de mecanismos eficazes de responsabilização. Sem abordagem integrada, seguimos tratando efeitos, não causas. Enquanto a desigualdade for naturalizada, continuaremos assistindo à morte de mulheres e meninas como expressão do fracasso coletivo de uma sociedade que ainda não aprendeu a protegê-las.

 

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