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O Natal da Tia Toinha
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Opinião

O Natal da Tia Toinha

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Tia Toinha acordava cedo todos os dias, mais cedo do que o próprio dia. Era ela quem acordava o sol e o lembrava de sua tarefa flamejante; enchia duas garrafas de café: a primeira, adoçada com açúcar, para o pai; a segunda, sem rastro de doce, para a mãe. Todos os dias, a mesma rotina: fervia a água, passava o líquido escaldante pelo pó preto, fazia os ajustes para cada um, punha na garrafa, fechava, limpava a tampa com um pano úmido; até que deixou de preparar o café amargo.

Nas vésperas, não acordou: levantou-se. Os muitos cálculos de quantidades, infinitos pratos — cozidos, assados, braseados —, tempos medidos no dedo, um arranjo sinfônico de equilíbrio entre panelas, jarras de sucos, bebidas geladas e refrescantes, tudo já mastigado pela memória e devolvido à sobriedade, anualmente. Seguiu o dia com os braços livres, mãos ágeis no tempero, no corte, no tato; tampa, cozinha mais, essa precisa de mais tempo. Eram mais de meio século de partilha à mesa; quem comia não se alimentava apenas do prato, mas de um pedaço de carinho. Gastava o dia nessa lida incansável, farta e revigorante.

Devolveu à parede o pisca-pisca guardado dos anos anteriores, uma decoração simplória, iluminada pelo bem-querer da família que a circulava em vários traços, longos e fortes. Chegaram os primeiros; ela os recebia sempre com as mesmas asas de cuidado, conforto e carinho. Recebia os abraços com o mais profundo sentimento: gratidão. Recobrava a energia exaurida no puxado da luz do dia e se renovava para servir naquela mesa imensa, infindável, coberta de panelas alegres, fundas e altas, usadas e vencidas pelo calor.

Fartavam-se todos, menos Tia Toinha, que esperava, ansiosa, pelo próximo convívio de Natal.

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