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Nathana Garcez: Acordo em xeque
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Nathana Garcez: Acordo em xeque

.Ao prolongar indefinidamente a decisão sobre o acordo com o Mercosul, a União Europeia corre o risco de perder espaço político e econômico em uma região que busca diversificar suas alianças externas
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Nathana Garcez

Pesquisadora bolsista do IPEA, doutora em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (Unicamp/Unesp/PUC-SP)

Nos últimos dias, a União Europeia adiou para janeiro de 2026 a votação que formalizaria o acordo de livre comércio com o Mercosul. De acordo com autoridades do bloco, a decisão reflete a ausência de consenso entre os Estados-membros, especialmente diante da resistência de países que pressionam por salvaguardas adicionais ao setor agrícola europeu.

Mais do que um entrave procedimental, o adiamento coloca não apenas o acordo em risco, mas também as relações entre dois blocos que, diante de um cenário global marcado pela competição entre grandes potências, precisam redefinir suas alianças.

Embora o setor agrícola esteja no centro das justificativas apresentadas por governos europeus, o impasse em torno do acordo revela tensões políticas mais profundas no interior da União Europeia. Pressões domésticas, ciclos eleitorais e a força política de setores rurais - especialmente na França e na Itália - têm se sobreposto à capacidade do bloco de sustentar compromissos comerciais de longo prazo.

Essa resistência expõe uma contradição recorrente: ao mesmo tempo em que defende o livre comércio baseado em regras, a União Europeia impõe condicionantes ambientais, sanitárias e produtivas que operam, na prática, como mecanismos de proteção de mercados estratégicos, evidenciando os limites de sua governança em um contexto internacional que exige maior coordenação e alianças.

Do lado do Mercosul, o prolongamento das indefinições também tem custos políticos. Após décadas de negociações e concessões relevantes, a postergação contínua mina a credibilidade do processo e reforça a percepção de que o bloco sul-americano é frequentemente pressionado a se adaptar a exigências externas sem garantias claras de reciprocidade. No caso brasileiro, a frustração tem sido expressa de forma cada vez mais explícita pelo governo, que passou a enquadrar o acordo não apenas como uma oportunidade econômica, mas como uma escolha geopolítica da Europa.

Esse cenário ganha relevância em um contexto internacional marcado pela intensificação da competição entre Estados Unidos, China e outras potências emergentes. A hesitação europeia contrasta com a rapidez com que outros atores têm avançado em acordos comerciais, investimentos e parcerias estratégicas na América do Sul. Ao prolongar indefinidamente a decisão sobre o acordo com o Mercosul, a União Europeia corre o risco de perder espaço político e econômico em uma região que busca diversificar suas alianças externas.

 O mês de janeiro de 2026 surge, assim, como um novo marco decisório, mas também como um teste de credibilidade. Se, por um lado, o adiamento pode ser interpretado como tentativa de acomodar resistências internas, por outro, sua repetição tende a esvaziar o significado estratégico do acordo. Para o Mercosul, cresce o incentivo à busca de alternativas; para a Europa, aumenta o custo de uma hesitação prolongada. 

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