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Guilherme Bellintani: "O futebol tem que respeitar a diversidade de pensamento"
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Guilherme Bellintani: "O futebol tem que respeitar a diversidade de pensamento"

Presidente do Bahia encampa ideias progressistas na gestão do clube, abraça diferentes públicos e ajuda o clube a virar referência nacional. Em entrevista exclusiva, ele fala do exemplo para o futebol nordestino e defende a MP do direito de mandante no futebol
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Guilherme Bellintani, presidente do Bahia (Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia)
Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia Guilherme Bellintani, presidente do Bahia

Foi no ombro de tio Paulinho que ele entrou pela primeira vez na Fonte Nova e se impressionou com o ambiente tricolor tomado pela festa da torcida do Bahia. Era 1986, e o Bahia superou o Rio Branco-ES por 4 a 0. Pronto, a experiência tinha sido suficiente para o Esquadrão de Aço ganhar mais um torcedor mirim. Tratava-se do ainda garoto Guilherme Bellintani, que viria a se tornar o presidente do clube baiano após ser eleito em 2017 com 81,48% dos votos.

Filho de artista plástica e professor, o pequeno Bellintani teve infância livre, inciada em cenário hippie e recheada de elementos culturais e sociais, e cresceu na classe média de Salvador. Os aprendizados da infância são carregados até hoje na personalidade do dirigente do Bahia, clube que foi considerado o mais progressista do Brasil pelas ações realizadas em meio a pautas relevantes como racismo, direitos LGBTQ, a demarcação de terras indígenas e o tratamento das torcedoras nos estádios de futebol.

Antes de ser presidente do Bahia, Guilherme Bellintani construiu sólida carreira de empresário e passou pela gestão pública, quando foi secretário da Prefeitura de Salvador entre 2012 e 2017.

Em entrevista exclusiva para as Páginas Azuis, o dirigente de 42 anos fala sobre a força do futebol Nordestino, o amor ao clube, os posicionamentos do Bahia, o direito do mandante a partir da Medida Provisória 984, futuro na presidência e a possibilidade de retorno à gestão pública.

O POVO - Presidente, para começar, gostaria que o senhor fizesse um resumo da sua trajetória.

Guilherme Bellintani - Nasci em Salvador. Sou filho de funcionária pública e de professor de História. Sou filho de família de classe média. Meu pai morreu em um acidente quando eu tinha quatro anos e minha irmã, cinco. Minha mãe ficou viúva cedo e foi uma luta para criar os filhos sozinha. Mas deu tudo certo. Tudo aquilo teve um impacto na nossa vida. Me impactou muito por ter tido uma infância sem pai, mas algo comum a muitos brasileiros. Vivi a vida da classe média. Estudei em escola particular, em Salvador, a vida inteira, tive esse benefício. Meu pai era professor nessa escola, que me deu meia bolsa. Depois, fiz Faculdade de Direito, mestrado em Educação e doutorado em Desenvolvimento Urbano. Segui a carreira acadêmica. Me tornei empresário aos 20 anos empreendendo por conta própria. Hoje, tenho uma faculdade em Salvador, uma editora de livros jurídicos e investimentos na área imobiliária. Depois de 15 anos como empresário, vivi cinco anos na gestão pública como secretário de Cultura e de Educação, em Salvador. Depois, fui conselheiro por dois mandatos no Bahia. Depois me candidatei a presidente do Bahia, e esse tem sido o maior desafio da minha carreira.

O POVO - Na infância, o senhor já tinha relação com o futebol?

Guilherme Bellintani - Até meus quatro anos, eu vivi em um sítio perto de Salvador, em Lauro de Freitas. Minha mãe e meu pai eram meio hippies da década de 1970. Era uma vida menos urbana, mais solta na natureza. Eu vivi muito isso na minha infância até meu pai morrer. Depois, fomos morar no bairro Boca do Rio, de classe média baixa em Salvador. Minha vida foi distante do futebol até meus oito anos, quando meu tio, irmão da minha mãe, começou a me levar a Fonte Nova. Fui a um jogo tardiamente. Meu tio Paulinho é muito torcedor do Bahia, chegou a jogar no juvenil do clube. Ele jogou com a geração que foi campeã brasileira. Meu tio tem um vínculo muito forte e foi quem me levou pela primeira vez ao estádio. Eu nunca mais esqueci aquilo e virou um vínculo forte.

O POVO - Ainda lembra bem desse dia?

Guilherme Bellintani - Lembro de várias coisas. Entrei no estádio no ombro do meu tio. Chegamos atrasados, o Bahia já vencia por 1 a 0 o Rio Branco. Naquele dia, venceu por 4 a 0. O primeiro gol que vi foi o de Cláudio Adão, de pênalti. Aquele dia marcou muito pra mim. Impressionou demais o tamanho do estádio, aquele gramadão muito verde. Ver o estádio de perto, a vida real do futebol, lembro como se fosse hoje.

O POVO - E você tem uma irmã apenas? Tem relação com o futebol também?

Guilherme Bellintani - Tenho uma irmã mais velha e um irmão do segundo casamento da minha mãe com uma pessoa que é como se fosse meu pai, uma figura paterna importante. Eles não têm um vínculo muito forte, mas acompanham o Bahia muito por eu ser o presidente. O DNA do futebol é meu mesmo.

O POVO -E o senhor era bom de bola na infância? Jogava?

Guilherme Bellintani - Eu gostava demais. Sempre fui do baba (futebol com os amigos). Batia muita bola como toda criança que se envolve com futebol. Até a faculdade, eu jogava muito e participava de muitos babas. Depois parei. Agora sou mais resguardado. O baba já é uma atividade de risco (risos).

O POVO - Chegou a jogar em categoria de base?

Guilherme Bellintani - Eu jogava no Clube Espanhol e na escola também. Nunca fui dos melhores, mas não estava entre os piores. Deixava minha marca de vez em quando. Era um jogador razoável. Eu posso dizer que era aquele lateral-direito que chega à frente. Guardada as devidas proporções, era um Daniel Alves (risos).

O POVO - E como foi a sua criação? Teve muita influência na sua vida a rotina com seus pais?

Guilherme Bellintani - Acho que o que vem é uma soma de diversas coisas da forma como meu pai e minha mãe, cada um em seu momento, cuidaram do nosso processo. Sempre foi uma casa muito aberta a ideias para frente. Minha mãe é muito humanista. Ela é artista plástica, trabalhava no Governo e agora está aposentada. Meu segundo pai também é professor de Universidade e engenheiro. A nossa casa sempre foi muito pulsante do ponto de vista cultural, de debates, um ambiente muito fluido de ideias e de pensar. Tive uma infância marcante, solta, livre que ajudou a formar a minha personalidade. Houve a dificuldade de enfrentar uma infância sem pai, a situação de grana também. A gente vivia de aluguel. Minha mãe só teve casa própria em 1992, quando eu já tinha 11 anos. Então, ela sempre batalhou muito. Em questão de dinheiro eu não tinha biscoito recheado, nem Pogobol, brinquedo de pula-pula muito desejado na época. Era febre, mas minha mãe não tinha dinheiro. Não ter um Pogobol era um marco de limitação grande, mas ao mesmo tempo tinha várias outras coisas, como uma bicicleta. Entendi que era uma limitação, e bola para frente. Sabia que era uma limitação muito menor do que 90% das crianças brasileiras. Mas não tinha tudo que a classe média tinha, mas tinha muito mais que a maior parte da população. Minha mãe tem carga cultural forte, me possibilitou uma ambiente musical e aberto. Foi nesse contexto que a gente cresceu.

O POVO - Como torcedor, passava pela sua cabeça ser presidente do Bahia?

Guilherme Bellintani - Toda pessoa com vínculo forte com o Bahia sonha de algum jeito colaborar em algum momento. Tem que criança que sonha em ser jogador. Eu, já na adolescência, via o Bahia começando a sofrer no começo da década de 1990. Nos meus 15, 17 anos começou a derrocada do clube. Me chamou a atenção o fato de algum dia eu poder mudar a história. Não projetei ser presidente na adolescência, mas quando fui tomando conta do meu próprio mundo, pude perceber que dava para interferir e ajudar de alguma forma.

O POVO - Ainda como torcedor, quais foram as suas maiores loucuras pelo Bahia?

Guilherme Bellintani - Não existe um elemento específico de demonstração de fanatismo. Mas sempre fui a 90%, 95% dos jogos. Teve um ano que fui a todos os jogos na Fonte Nova. A presença no estádio para ver o Bahia de perto é muito forte. No tempo que eu estudava à noite, faltava à aula para ver o Bahia. Quando não conseguia, era um vazio enorme. O grande lance do Bahia não é ter um momento de fanatismo, mas é perceber como o clube entra na sua rotina de forma muito prazerosa. Esse é o grande lance da minha relação com o Bahia. Termina fazendo parte da sua biografia. Você reserva um espaço da semana para o Bahia, cultua pessoas, quer formar o filho torcedor do Bahia.

O POVO - E o tema educação é uma de suas grandes paixões?

Guilherme Bellintani - Talvez, a principal. Educação para mim é uma marca muito prazerosa do que já fiz. Sempre fui muito envolvido na dinâmica da escola, as gincanas, o grêmio estudantil, na formação do indivíduo. Fiz mestrado e fui secretário. A educação é um viés que virou marca. Gosto demais de estudar educação, compreender e ver como é transformador. É muito relevante.

O POVO - Antes de ser presidente, como foi seu passo a passo profissional?

Guilherme Bellintani - Minha vida profissional começou dentro da faculdade. Organizei cursos, palestras com professores no centro acadêmico. Organizava e vendia ingressos. Multiplicamos o dinheiro no centro acadêmico. Terminamos com um caixa absurdo que o centro nunca tinha visto. Terminou a gestão, estava só estudando, sem fazer nada, e resolvi fazer isso. Montei empresa para organizar eventos acadêmicos. Contratava professores, organizava as palestras e cobrava por isso. Começou a virar rentável. Me associei a um curso preparatório que meu sócio tinha fundado há seis meses. Era curso preparatório e chegou a ter 4 mil estudantes. Depois, montei a faculdade que tenho hoje, a editora de livros jurídicos e fiz investimentos em imóveis. Dos meus 20 a 35 anos, tive experiência empresarial educacional e com imóveis. E isso se constituiu do nada. Não teve dinheiro de ninguém, de pai, de mãe. Fui me virando e seguindo a carreira acadêmica. Era muito difícil porque de um lado tinha a parte acadêmica, mas ao mesmo tempo seguia a vida profissional intensa de empreendedor. Aos 35 anos, veio o convite da gestão pública e congelei um pouco a atividade empresarial.

O POVO - O senhor foi secretário na Prefeitura de Salvador. Quais foram as principais lições na gestão pública?

Guilherme Bellintani - Primeiro, eu vi muita gente dizendo que não dá para fazer nada na gestão pública por causa da burocracia. Aprendi que não existe isso. Tem diversos obstáculos, mas quando se quer fazer, de forma organizada e empreendedora, dá para fazer diferente na gestão pública.

O POVO - Como o Bahia se tornou um clube organizado financeiramente e a sua gestão contribuiu para este cenário?

Guilherme Bellintani - Isso não começou comigo. Em 2013, o Bahia sofreu intervenção. Eu fazia parte do grupo que lutou por isso, mas tiveram pessoas muito importantes essa causa da democracia. Em 2013, conseguimos a intervenção judicial para democratizar o clube. O sócio é quem define o futuro do Bahia, vota, define presidente, conselheiro. É um clube democrático, aberto e transparente. Sou o terceiro presidente da era democrática, que começou em 2013, além do interventor Carlos Hartz, designado para cuidar do clube para fazer a transição da era das trevas para o período democrático. O primeiro presidente eleito foi Fernando Schmidt. Depois veio Marcelo Sant'Ana. E eu o terceiro, todos com gestão bem responsável e cuidadosa. Vale a pena.

O POVO - Quais são as principais fontes de receitas do Bahia atualmente e como tem sido o enfrentamento da pandemia?

Guilherme Bellintani - Está sendo muito difícil. Veio como elemento negativo que impactou muito. É meu último ano de gestão. Pensava em fazer um ano mais tranqüilo. Em 2017, faturamos R$ 95 milhões. Em 2019, dois anos depois, faturamos mais de R$ 180. Praticamente dobramos. A gente esperava crescer mais 10% esse ano. A pandemia acabou com essa perspectiva. Agora a luta é para fazer um déficit menor possível, mas deve ser algo em torno de R$ 40 milhões a R$ 60 milhões. É um déficit muito significativo, impactou muito o Bahia. A luta agora é ver quem vai administrar melhor o tamanho do buraco. Todos vão ter, não tenho dúvida. É uma luta diária. Temos buscado ser muito criativos na redução de despesas e geração de receita para ter o menor déficit possível. As principais receitas são: contrato da TV, com R$ 60 milhões a R$ 70 milhões; o plano de sócio-torcedor e bilheteria, com cerca de R$ 40 milhões; venda de jogador, com perspectiva de R$ 30 milhões por ano; e patrocínio e outras receitas nos fazem alcançar bolo de quase R$ 200 milhões. Tudo isso em tese em um ano normal. O ano de 2020 é de déficit, o de 2021 de dificuldade e imagino que tenha relativa normalidade de 2022 em diante.

O POVO - Explica como funciona hoje a gestão do Bahia com diretoria remunerada.

Guilherme Bellintani - Temos duas pessoas eleitas por sócios: presidente e vice, além disso 100 conselheiros. Podemos contratar quantos executivos quisermos. Há essa liberdade. Temos um diretor de Futebol, Diego Cerri, e os outros são gerentes. Apostei nesse modelo mais horizontal. A gente prioriza a gerência em detrimento da diretoria. Consegui formar liderança em cada unidade de negócio. O mandato da gestão é de três anos e posso ser reeleito uma vez.

O POVO - E pensa em reeleição no Bahia?

Guilherme Bellintani - Ainda não está em pauta. A gente está focado na administração e gestão do clube na pandemia. Ao longo do segundo semestre, vamos discutir isso e tomar decisões coletivas sobre esse assunto.

O POVO - Uma das forças do Bahia vem da sua torcida. Gostaria que o senhor analisasse a força do sócio no clube e como tem ajudado na pandemia?

Guilherme Bellintani - O sócio hoje é o elemento central. Não só do ponto de vista econômico, mas também de sustentação política e institucional. O sócio do Bahia é dono do clube. Um clube democrático como o Bahia, que o sócio define o futuro e determina decisões, quem é sócio, é dono. É ele quem vai designar o tamanho que vai ter o clube, se vai ser grande ou pequeno. O sócio tem sido fundamental durante a pandemia também, que acaba sendo um teste importante da força estrutural de um clube como o Bahia, do projeto. Vai haver déficit, mas vamos ser capazes de superar. Tenho certeza. E isso se deve a força do sócio, que consegue manter em dia a arrecadação que o clube projetou.

O POVO - O senhor já falou sobre a importância de saber o tamanho do clube em outras entrevistas. Esse conceito é a chave para uma boa gestão no futebol?

Guilherme Bellintani - Com certeza. Saber o tamanho é uma coisa muito importante, saber onde o seu braço alcança e não ter sensação de pequeneza ao mesmo tempo. É uma faca de dois gumes. Tem que saber o tamanho para não dar passo maior que a perna, mas sabendo que você quer mais. Se não, você se limita. Muitas coisas vêm aos poucos, e audácia faz parte. É ter pés no chão e cabeça nas estrelas. Temos a obrigação de saber o tamanho, mas temos a obrigação de poder sonhar. Isso é fundamental para os projetos nordestinos que têm tido sucesso, como Ceará, Fortaleza e Bahia.

O POVO - E sobre a Medida Provisória 984, como o senhor avalia que ela pode beneficiar os clubes brasileiros e revolucionar o mercado?

Guilherme Bellintani -Eu acredito muito nisso. Não à toa, 36 dos 40 clubes das Séries A e B declararam apoio à MP. A Medida traz ao Brasil a realidade que é no mundo inteiro. Aqui tinha uma anormalidade absurda que era o direito de transmissão partido no meio. É como se dessem uma nota de R$ 50, partissem ao meio, entregassem metade para cada clube (mandante e visitante) e dissessem que só vão ter o dinheiro caso se juntem. É uma união falsa. Torna tão difícil administrar o campeonato sem nenhum clube ter direito de jogo específico que ficou fácil constituir o monopólio como a Globo, já que os clubes eram muito retalhados. Nesse aspecto, o monopólio se aproveitou e se constituiu. Em todo lugar, o direito do mandante existe. O monopólio não é tão agressivo como aqui. O direito do mandante vem facilitar a comercialização e melhorar a quantidade de jogos exibidos. Hoje, mais da metade dos jogos não são exibidos. Se os clubes não se unirem, o bolo financeiro não vai crescer. Com união, há crescimento. Sou entusiasta e acredito firmemente na união dos clubes.

O POVO - E já há projetos de como poderiam ser executados na prática? Há ideias ou propostas de transmissão própria ou outros players neste mercado? Como tem sido esse bastidor?

Guilherme Bellintani - Há muita conversa entre os clubes. Grande parte da MP vai ter efeito a partir de 2025 porque os contratos (atuais) vencem em 2024. Mas já há impacto imediato. Os jogos impedidos com a legislação anterior já podem ser transmitidos a partir de agora. Mais da metade dos jogos estão congelados pela legislação anterior e voltam a mesa. Pode ser objeto de transmissão tanto da Globo quanto da Turner. Nos Estaduais, a grande parte dos contratos está em fase final com a Globo. Podem ser objetos de transmissão a partir da união dos clubes. Aqui na Bahia já há movimento de união. A mesma coisa para a Copa do Nordeste, que pode ter aspecto positivo. O Bahia tem procurado agir um pouco diferente. Muita gente tem investido em TV no Youtube. Temos investido em plataforma própria. É um aplicativo (Sócio Digital). Não é só streaming, têm diversas outras opções, como tabela de jogos, entrevistas, informações acessíveis, bastidores, pré-jogo, desembarque. Em 12 dias de plataforma, fizemos mais de 50 horas ao vivo. Já temos quase dez mil assinantes. É muito impactante para o que a gente quer. Preferimos um caminho diferente. Com plataforma própria, a ideia é que a gente transmita jogos do Campeonato Baiano já ano que vem.

O POVO - Um dos pontos cruciais para a execução do direito de transmissão do mandante é a união dos clubes. Historicamente, os clubes brasileiros mostraram pouca união. É possível essa mudança? Já pode se dizer que os clubes têm se aproximado mais recentemente?

Guilherme Bellintani - Eu sinto isso demais. A união dos clubes tem sido cada vez mais fomentada e discutida, seja pela Comissão Nacional dos Clubes ou por movimentos paralelos, como os oito clubes que têm contrato com a Turner, inclusive Bahia, Ceará e Fortaleza. Estão muito unidos nesse propósito. Há união entre clubes desde a formação do Clube dos 13. Isso é importante. Além disso, já há acordos comerciais específicos, como o que fechamos com o Ceará para a utilização conjunta de vários ativos do clube.

O POVO - Quais ativos seriam esses?

Guilherme Bellintani - Fechamos com o Ceará o plano de sócio com conjunto de vantagens. O torcedor do Bahia que morar em Fortaleza poderá usar os benefícios do sócio do Ceará, assim como o torcedor do Ceará que mora em Salvador utilizar os benefícios do Bahia. O Ceará é o primeiro clube a se unir ao Bahia na utilização do Sócio Digital. Vai ser dono também da plataforma. Isso vai facilitar muito para o torcedor, com muito conteúdo, além de que vamos ter maior força na capitação de patrocínio.

O POVO - O Sócio Digital é uma espécie de Netflix para o torcedor do Bahia?

Guilherme Bellintani - Você pode baixar e usar de graça por uma semana para testar. É a Netflix do Bahia, um Big Brother, uma rede social, é tudo. Tem transmissão ao vivo dos treinos. É muito interessante. Fizemos mais de 50 horas ao vivo em 12 dias e tivemos retorno muito positivo do torcedor. Mas pra gente, quanto mais clubes aderirem a plataforma melhor. Quando for negociar o patrocínio, quantos mais usuários da plataforma melhor. Vai se tornar algo mais substancial.

O POVO - O Bahia se destaca entre os clubes brasileiros pelo posicionamento em questões sociais, algo raro no futebol. Qual a importância deste envolvimento do clube?

Guilherme Bellintani - Acho que isso aí é uma quase que obrigação nossa, com a torcida negra e socialmente sofrida que o Bahia tem. É quase obrigação nossa ser um clube humanista e com propósito. A gente decidiu escancarar isso, provocar debates com muito respeito a quem pense diferente. O Bahia tem o dever de se posicionar perante as causas sociais que defende. Aos poucos, a gente vem cada vez mais propondo e debatendo temas. Temos dado passos largos de ser um clube com propósito social muito claro.

O POVO -O senhor acredita que falta mais posicionamento no futebol?

Guilherme Bellintani - Faz falta no futebol em geral. Futebol é um canal de comunicação forte com o Brasil. A gente se comunica muito fácil. Quanto mais gente falando e defendendo a causa melhor. Falta sim. Mas isso tem que ser de maneira orgânica, verdadeira. Não adianta forçar a barra de uma hora para outra todo mundo sair declarando e tomando posição. Essas coisas têm que vir naturalmente, têm que respeitar a diversidade de pensamentos. É um processo de liberdade política. É algo que a gente conquistou e precisa ser mantido.

O POVO - Muitos dirigentes reclamam sobre o uso do VAR. Alguns querem o fim...

Guilherme Bellintani - Sou completamente favorável. Compreendo que precisa melhor, mas com ele é muito melhor do que sem. O VAR brasileiro precisa melhorar muito, ainda é imaturo. É um processo natural de implantação. Os erros que foram cometidos não podem ser repetidos. É uma experiência que veio para ficar, mas ainda assim defendo que precisa ser aprimorado. Não só ele, como o árbitro.

O POVO - Como analisa a força atual do futebol nordestino, que nunca esteve tão em evidência?

Guilherme Bellintani - Isso deve a qualidade da gestão. Consequentemente há bons resultados no futebol. O futebol nordestino tem alguns bons exemplos, como Bahia, Ceará e Fortaleza. Cito também o CSA, que apesar de ter caído está se organizando de forma gradativa. O próprio Náutico subiu da terceira para a segunda divisão e está em processo decisório muito cuidadoso. Clubes menores como o Retrô-PE, aqui na Bahia o Jacuipense e o Bahia de Feira. Os clubes menores vão ter espaço. O que nós estamos tentando fazer é mudar um pouco da geopolítica do futebol. Por décadas, os nordestinos lutaram para não cair e sobreviver. Hoje, entra para lutar por alguma coisa além disso. Naturalmente ainda com muita dificuldade e desafio pela frente.

O POVO - É possível haver reversão de forças em meio à organização de clubes nordestinos como Bahia, Ceará e Fortaleza?

Guilherme Bellintani - Essa reversão já começou. Não vai ser da hora para outra, mas já começou. Ela vai ser gradativa. É possível prever que nos próximos haverá uma maior mudança nesse cenário do futebol de toda a história recente. Mas é uma mudança gradativa. Estamos no caminho certo, mas temos que sustentar esse processo. É tudo muito novo. O Bahia está se reestruturando há sete anos. É pouco para mudar a história de sofrimento e de distância do futebol brasileiro. O Bahia, por década, foi de grande irresponsabilidade e concentrou dívidas absurdas. Ainda temos uma dívida de R$ 200 milhões. A gente paga com muito suor. Se não tivesse essa dívida, estaríamos com poder econômico muito maior. É um movimento que ainda vai durar muito tempo para de fato mudar o cenário. Não se muda de uma hora para outra.

O POVO - No Estadual, o Bahia disputa a competição com o sub-23. Como foi essa decisão?

Guilherme Bellitani - Foi uma excelente decisão. Montamos um projeto consistente. Não se pode fazer isso sem um projeto sério. Colocamos uma comissão técnica só para isso. Encerramos a fase de classificação na liderança até a paralisação. Por conta da pandemia, tivemos que desfazer o projeto, emprestar jogadores, devolver e rescindir com a comissão devido aos custos. É um trabalho que já deixou frutos interessantes, jogadores que já estão compondo o time principal. É algo que veio para ficar.

O POVO -Quais os seus principais objetivos no último ano de mandato?

Guilherme Bellintani - Primeiro é dentro de campo com o Bahia cada vez mais vencedor. Fora do campo, o principal objetivo é a sobrevivência econômica do clube, que possa sair de pé e sob controle numa situação tão difícil como essa. Bem, ninguém vai sair, mas vamos lutar para ficar de pé e com forças para se reerguer. É um déficit enorme, e o futebol brasileiro está em crise financeira como nunca tinha visto.

 

Novo treinador

PASSADO O PERÍODO da entrevista até a publicação, a movimentação nos bastidores do Bahia foi intensa. Roger Machado foi demitido do cargo de treinador. Bellintani anunciou em seu Twitter a contratação de Mano Menezes

Entrevista

A CONVERSA com Guilherme Bellintani ocorreu de forma online, há pouco mais de um mês, em Salvador, durante a cobertura da Copa do Nordeste. Era véspera da semifinal entre Bahia e Confiança. O Esquadrão só perdeu a final para o Ceará

Dois dias

O DIRIGENTE nos atendeu em dois dias. Um trecho da entrevista seria gravada em vídeo para a transmissão oficial da Copa do Nordeste, no Youtube. Bellintani estava em uma casa de praia, onde a rede de internet era trocada. Devido à oscilação do wifi, o material com imagens foi gravado no dia seguinte também de forma online. O mandatário do tricolor sempre se colocou bastante solícito e disponível.

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