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O CEO da tecnologia que não quis largar o Semiárido
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O CEO da tecnologia que não quis largar o Semiárido

É de Pereiro, cidade no interior do Ceará, que José Roberto Nogueira comanda a Brisanet, empresa que cresceu com foco nas cidades pequenas e hoje lidera o mercado de internet no Nordeste
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O empresário, de 56 anos, é o caçula de dez irmãos de uma família de agricultores de Pereiro, cidade do Ceará a 342 quilômetros da capital, Fortaleza (Foto: Deisa Garcêz/Especial para O Povo)
Foto: Deisa Garcêz/Especial para O Povo O empresário, de 56 anos, é o caçula de dez irmãos de uma família de agricultores de Pereiro, cidade do Ceará a 342 quilômetros da capital, Fortaleza

Mais novo de uma família de 11 irmãos, José Roberto Nogueira nasceu em 1965, em Lagoa Nova, comunidade rural a 27 km de Pereiro, no Semiárido cearense. Em uma casa sem vizinhos, sem energia elétrica ou outras conexões, aprendeu desde muito novo a percorrer longas distâncias. Primeiro para trazer água, essencial para a colheita que traria comida à mesa. Depois, em busca de conhecimento. Mas foi com a chegada do rádio naquelas paragens, aos 13 anos, que traçou ali um objetivo que o viria a acompanhar a vida inteira. Queria entender de tecnologia e, mais ainda, usar isso para resolver problemas e encurtar distâncias.

Hoje, 55 anos depois, é da mesma Pereiro que ele comanda a Brisanet, maior operadora de internet do Nordeste e terceira do País em fibra óptica, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em entrevista ao O POVO, José Roberto fala dessa trajetória, da ousada meta de levar internet de alta velocidade a todas as 1.790 cidades do Nordeste até 2023, e também sobre o que considera um hobby, a Nossa Fruta Brasil. Empresa de polpa de frutas que tem como diferencial projetos que buscam, por meio da tecnologia, melhorar o convívio dos agricultores com a seca. “É do meu DNA enxergar o que está errado. E quando começo a resolver, não tem mais como fugir disso”. Confira a entrevista.

O POVO - José Roberto, o senhor veio de uma família de 11 irmãos, em Pereiro, interior do Ceará. Como foi parar no mercado de internet?

José Roberto Nogueira - É uma história longa. Quem nasce na roça, na atividade agrícola, depois que faz seis, sete anos, já está trabalhando. É o moleque que vai carregar água em um jumento, vai buscar lenha ou lida com animal. E todos os irmãos viviam exclusivamente da atividade agrícola. Esta família numerosa, em 1970, quando tinha cinco anos, estava ainda mais longe da cidade de Pereiro. Hoje estou a 18 km de cidade, mas, naquela época, estava a 27 km, em uma localidade onde não tinham muitas casas. Não tinha água nessa serra, de um lado ou do outro, tinha que ir buscar e o dia todo era para trazer 100, 200 litros de água para essa casa inteira. Depois que a gente veio para onde estou hoje... 

OP - Onde o senhor morava era distrito?

José Roberto Nogueira - Era na comunidade de Lagoa Nova, na zona rural de Pereiro. Então, depois desse momento de cinco anos, só aos dez que comecei a estudar, porque não tinha escola em zona rural. Aos 13 anos que veio a grande mudança: chegando um dia da roça, tinha um instalador de rádio colocando uma antena no telhado da casa. Quando vi aquele equipamento funcionando, naquele momento, tomei a decisão que eu ia conhecer melhor e estudar esse equipamento. E aos 15, comecei a estudar rádio e TV naqueles cursos por correspondência do Instituto Universal Brasileiro.

OP - E por que o encantamento com o rádio? O que o senhor pensou quando viu aquela antena?

José Roberto Nogueira - Não tinha telefone, nem energia elétrica, carro aparecia uma vez na vida, não tinha bicicleta, televisão... Você está em um ambiente em que a gente não tinha muita noção de como era o mundo lá fora. A gente sabia o que tinha em São Paulo, quando ouvia as histórias no rádio. Obviamente, eu já tinha uma predisposição para tecnologia, tinha ambição de aprender mecânica. Quando raramente aparecia um jipe, a primeira coisa que tentei fazer foi entender como funcionava. Abria o capô, ficava por baixo movimentando, fuçava tudo. Quando veio o rádio, aquele objeto falando sem nada a se movimentar, veio a extrema curiosidade de entender como aquilo funcionava e, ali, defini o que eu queria estudar: eletrônica. Quando eu estava com 16 anos, chegou energia elétrica na comunidade, mas, mesmo assim, a gente só foi ter televisão no ano seguinte. Antes de ir para São Paulo, terminei o segundo grau aos 21 anos, já tardiamente. Consegui comprar minha primeira bicicleta aos 16 anos, usada, mas antes de ir para São Paulo, transformei ela em um equipamento que não precisava pedalar, desenvolvi uma hélice com cata-vento, motor, como se fosse com tração de avião. Aos 21 anos, vendi a bicicleta e comprei passagem na Viação Itapemirim para São Paulo, morei em São José dos Campos.

OP - E por que a escolha por São José dos Campos?

José Roberto Nogueira - Escolhi São José dos Campos porque, aos 17 anos, quando chegou a televisão, tinha um programa chamado Brasil Terra da Gente, apresentado pelo Amaral Neto, que mostrava as tecnologias brasileiras. E a maioria estava, principalmente, em São José dos Campos, que era o equivalente ao Vale do Silício. Lá, tinha Embraer, Avibrás, Tecnasa, Engesa, Órbita. Eu trabalhava vendendo roupa na rua, isso em janeiro 1987. No segundo ano, fui trabalhar em manutenção de PABX, na área de eletrônica, mas era estágio. Em janeiro de 89, entrei na Embraer porque um dos meus focos era tentar trabalhar com aviação. Mas, dos quatro anos, no fim do primeiro, eu abri uma empresa de manutenção de computadores. Usava meu salário para investir no aluguel do prédio, do telefone, contratar uma secretária e mais um técnico e tirava a noite para fazer manutenção.

OP - O senhor também chegou a montar uma fábrica de antenas parabólicas?

José Roberto Nogueira - Sim. No segundo ano, montei uma fábrica de fundo de quintal para fabricação de antenas parabólica para trazer aqui para o Nordeste também. E já no fim do segundo ano, eu trouxe aqui para Pereiro computador pra vender, mas não consegui porque não tinha computador e nem alguém que operasse. Em 91, eu trouxe para a região 30 computadores, montei uma escola em Pau dos Ferros (RN), trazendo alunos de mais de 40 cidades em volta. E, em 1992, eu saí da Embraer para manter os negócios. As tentativas de voltar, quando eu saí de Pereiro foi para retornar dois anos depois. Meu objetivo era ir, juntar algum dinheiro, voltar e montar uma oficina de consertar rádio e televisão.

OP - Mas quando voltou, trouxe computador...

José Roberto Nogueira - Lá eu trabalhava com aviação. Eu gostava muito de aviação, mas não dava para eu voltar para Pereiro trabalhando nisso. Na época, da década de 90, quando você vê alguém falando de tecnologia, era eletrônica, não era informática. Em 96, começou a internet no Brasil, eu tentei trazer internet para cá, mas as cidades praticamente não tinham nem linha telefônica. Então, em 97, em São José dos Campos, criei uma internet via rádio, levando internet para uma casa sem precisar de linha telefônica. Criei a primeira internet no Brasil via rádio, em 1998, já estava aqui em Pereiro. Optei fazer em Pereiro porque era uma cidade muito pequena, de 6 mil habitantes, e o recurso era muito pequeno também. Não tinha como começar um projeto desse por Fortaleza, tinha que começar em uma cidade pequena, crescendo de forma orgânica porque não tinha crédito dos bancos, então comecei o projeto em Pereiro e fui estendendo para as cidades vizinhas. Três anos depois é que começou a aparecer por aqui a internet via rádio. Em 2001, já tinha outros provedores, com soluções prontas no mercado, evoluiu o rádio, mas a Brisanet se manteve como líder nos segmentos de pequenos provedores via rádio até 2010.

OP - Mas por que voltar para Pereiro?

José Roberto Nogueira - Primeiro porque naquele início, na tentativa de voltar para Pereiro com a manutenção de rádio e tv e que mudou para escola de informática e manutenção de computadores, eu só tinha objetivo de retornar. Mas, obviamente, quando vai se observar o mercado de internet, Pereiro não estava no radar para receber serviço de internet via rádio, quando não existia em lugar nenhum do Brasil. Só existiam poucos computadores. Mas o custo para montar uma operação em Fortaleza era alto, daria só para começar e outras empresas com bastante dinheiro é que iam dominar o mercado porque eu não tinha como atender a demanda. E era um negócio muito bom, eu tinha um produto que levava internet para toda casa e sem precisar ficar ocupada a linha telefônica. Estrategicamente tinha que ser montada aqui. Tanto que a opinião da região ou de qualquer consultoria que eu fosse buscar - e eu nunca fui buscar, porque nem precisaria - era de condenar o projeto que eu criei e dizer que o projeto de internet, há 22 anos, não ia funcionar em uma cidade que tinham 10 computadores. Começamos com 20, 30 usuários por cidade e aí fui crescendo e iluminando mais as pequenas cidades, vilas, distritos, zonas rurais.

OP - E como a Cidade o via naquela época? Como a sua família reagia aos seus planos?

José Roberto Nogueira - A primeira reclamação foi quando eu saí da Embraer. Imagina, na década de 90, trabalhar na empresa de aeronáutica era um sonho. E a primeira frase que ouvi quando resolvi sair para cuidar das minhas atividades era de que estava maluco. Mas eu tinha isso muito bem desenhado, de voltar para minha região, passei minha vida em São Paulo sonhando com o dia em que eu ia retornar. Saí para buscar tecnologia, auxílio, trouxe tecnologia diferente, mas não voltei de imediato, fiquei 20 anos em São Paulo, eu ia e voltava. Sempre essas tentativas, era eu continuando em São Paulo e fazendo essas operações aqui, passando dificuldades, até a comunicação era muito cara. Esse tempo que eu morei em São Paulo não falava com meus familiares fácil, porque não tinha telefone na zona rural, não tinha celular, eu vinha uma vez por ano. Agora, se eu tivesse com bastante recurso naquele momento, talvez o mercado de Fortaleza fosse o mais adequado. Mas eu estava com outras atividades também como venda de antena parabólica, de computadores. Com tudo isso, o objetivo era voltar para Pereiro.

OP - E qual o cenário hoje da Brisanet?

José Roberto Nogueira - Somos a terceira operadora de internet brasileira em fibra óptica e, no Nordeste, somos a primeira. Em infraestrutura de fibra óptica, a tecnologia pode ser rádio, cabo metálico e fibra. A infraestrutura do futuro é fibra com 5G complementar, então, a fibra é algo que tem que chegar a todas as cidades brasileiras. E essa tecnologia é o futuro da infraestrutura, a Brisanet já é a primeira no Nordeste, mesmo estando presente apenas em quatro estados: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Só que nós atingimos esse market share como primeiro nos quatro estados, independentemente de tecnologia, entre grandes e pequenos operadores. Incluindo a fibra, nós somos o primeiro de todos os estados do Nordeste. A Brisanet conseguiu essa liderança com esse foco, o DNA de construir no interior e seguindo para as capitais. 

OP - Em Fortaleza, a marca deve chegar com mais força quando?

José Roberto Nogueira - Quando eu digo chegar à cidade é puxar um cabo de fibra em frente a cada casa. O cronograma de construção é uma linha de montagem: vai uma equipe na frente puxando o cabo, outra vai atrás fazendo a fusão e outra fazendo instalação. E isso é feito em blocos. A cada vinte dias, a gente ativa uma árvore de 200 mil habitantes. Começamos ali o shopping Riomar, seguindo pelo shopping Iguatemi e vai, a cada 20 dias, agregando mais um bloco de 200 mil habitantes. Mas, mesmo quando ativa uma área digital, tem um problema também que é a entrada dentro dos prédios, que é mais difícil e demorada. Na horizontal, quando se habilita aquele bloco de 200 mil habitantes, semanas depois já é atendido. Na vertical, não, existe toda a rede, tem que conversar com o síndico e fazer nova instalação no prédio. Já estamos implementando, mas até fevereiro e março vamos cobrir toda Fortaleza. Nosso primeiro cliente em Fortaleza foi em 1º de julho e, até março, o serviço já estará disponibilizado em qualquer quarteirão.

OP - Há planos de expandir para outros estados?

José Roberto Nogueira - Nós temos um projeto muito bem desenhado com precisão e cronograma de execução. Nós temos um projeto Nordeste, de estar presente nas 1790 cidades dos nove estados. A Brisanet, desde o início, tem feito pequenas cidades, vilas, distritos, zonas rurais e, nos últimos anos, a gente seguiu fortemente para construir nas grandes cidades, inclusive capital. Agora, para não perder esse objetivo inicial de atender não só área que tem dinheiro, que pode pagar, mas também a zona rural que tem cinco casas, sem nem fazer avaliação de viabilidade, criamos há um ano uma segunda bandeira Brisanet, chamada Agility Telecom. Neste foco das 1790 cidades, das 200 maiores cidades, a Brisanet já fez 100 e vai fazer mais 100. E as menores vão ser feitas pelo nosso franqueado. E quem é o nosso franqueado? É o pequeno provedor. A gente tem um grande desenvolvimento no Nordeste, e a Brisanet é a empresa que tem mais know how e tecnologia para construção de rede, operação de rede, operação do cliente e infraestrutura de telecom. Os pequenos provedores não têm muita tecnologia, não têm muito recurso, só têm a internet, não têm outros produtos. Quando é um franqueado Brisanet, a gente constrói a infraestrutura moderna na cidade dele e ele vai operar o cliente. Ele vira uma mini Brisanet. Já temos 130 franqueados em 400 pequenas cidades. Até o fim de 2022, no máximo, primeiro semestre de 2023, está 100% concluído essa rede das 1790 cidades com a Brisanet direto nas grandes cidades e com o franqueado nas cidades pequenas. 

OP - Quais as transformações que já ocorreram em Pereiro depois que a Brisanet chegou? Vocês empregam quantas pessoas hoje?

José Roberto Nogueira - Assim como em qualquer cidade do Nordeste, o meio de sobrevivência teoricamente é agrícola, mas não é agrícola. A agricultura de hoje não dá suporte ao padrão de vida que as pessoas têm. O maior dinheiro que circula nas pequenas cidades do Nordeste são as aposentadorias na zona rural, que dá R$ 1 mil reais por mês e na agricultura gera menos de R$ 2 mil por ano. Então, a agricultura está ainda no DNA das pessoas mais idosas e esse dinheiro da aposentadoria gira no pequeno comércio e no setor público por conta do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e algumas obras federais. Agora, em Pereiro e cidades vizinhas, algumas coisas começam a mudar. Em 1995, levei 20 moleques da região, transformei em técnicos de manutenção de computadores e começou o processo de um ensinar para o outro. Em 2019, nós contratamos 1900 novos funcionários na Brisanet e terminamos o ano com 4,4 mil funcionários. Vamos terminar este ano com 6 mil colaboradores. Só onde estou agora, neste ponto, a 18 km de Pereiro, na roça, trabalham 1,4 mil pessoas. A maioria é daqui mesmo e alguns ficam itinerantes. Neste momento, quem está puxando os cabos em Fortaleza, fazendo fusão, quem está construindo os cabos, é o pessoal daqui de Pereiro. Agora, em Fortaleza, a gente está contratando 700 funcionários, mas são aqueles que vão ficar em escritório, fazer manutenção no cliente, instalação, equipe de venda, porta a porta, manutenção da construção da cidade.

OP - O senhor continua fazendo a formação desse pessoal?

José Roberto Nogueira - Aqui tem formação contínua. Temos os nossos treinamentos presenciais, também temos muito cursos já feitos na nossa plataforma e os funcionários são incentivados a fazer não só os cursos nossos, mas também outros treinamentos que venham a agregar mais crescimento online. Tem algumas faculdades aqui a 40 km. Quem trabalha na Brisanet tem que estar em constante aprendizado buscando o máximo conhecimento possível para trabalhar com a tecnologia mais moderna. Nesta área, a cada cinco anos é como se fosse 100 anos em outras áreas.

OP - A Brisanet cresceu com o Cinturão Digital no Ceará. Como está essa parceria com o Governo?

José Roberto Nogueira - Quando o anel óptico do Cinturão Digital foi construído, em 2011, a Brisanet já estava operando basicamente no interior do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, interligando a maioria das cidades por rádio. E a Brisanet incentivou bastante que o Governo colocasse em licitação alguns pares de cabo. No caso do Cinturão, são 24 fibras, então, eu dei a sugestão que colocasse em licitação alguns pares, mas só apareceu o consórcio da Brisanet e mais duas empresas: a Mob e Wirelink. A Brisanet tem 50%, Wirelink e Mob entram cada uma com 25%. Em 2015, nós assumimos um dos cabos. O Cinturão tem 13 mil km e a Brisanet criou sua própria fibra e expandiu para outras cidades. Dentro do próprio Ceará, nós construímos o equivalente a 60% do Cinturão de mais cabos. Estamos levando fibra a cada cidade e, no fim de 2021, vamos chegar com fibra a todas as cidades. Ou seja, estamos fazendo aí uma extensão do Cinturão. Isso é algo que tem que ser feito. O cabo tem que chegar a cada cidade, do contrário, não é possível movimentar projetos de qualquer outra área. O Brasil precisa de infraestrutura de fibra chegando, senão não suporta o futuro dos negócios.

OP - Qual o impacto da pandemia no seu nicho de mercado? O que mudou?

José Roberto Nogueira - Em 20 de março quando começou a estourar o problema, em três dias, a Brisanet colocou umas 400 pessoas em home office. E isso foi possível porque há muitos anos já tínhamos desenvolvido uma plataforma que nos permitia fazer com tranquilidade. E olha que a maioria dos funcionários mora em zona rural. Somos todos bem conectados. Inclusive, em Pereiro, parece que só tinham 13 alunos que não tinham conexão com internet, se não me engano. Na semana seguinte, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e órgãos do consumidor queriam que a internet não pudesse ser cortada. Nós trabalhamos contra, obviamente, porque ia ser um colapso no setor de telecomunicações no Brasil. A energia só tem um competidor, já internet não. Na frente de cada casa tem quase cinco competidores, se as pessoas deixarem de pagar por 90 dias ia ter uma inadimplência gigante e as pessoas acabariam migrando para outro competidor. Se tivesse ocorrido, ia ter um colapso no sistema de telecomunicações no Brasil.

OP - Mas aumentou em quantos por cento a demanda por internet na pandemia?

José Roberto Nogueira - Quinze dias depois que as pessoas começaram a ficar em casa, o tráfego na rede aumentou 50%. Nosso tráfego estava na ordem de 700 gigabytes por segundo e foi para 1,1 terabyte por segundo. Só que a rede da Brisanet sempre está pronta para suportar o dobro de capacidade. Então, quando chegou a pandemia, de uma hora para outra, a gente suportou sem nenhum problema. Vimos também oportunidade. O nosso plano de crescimento para 2020 estava na casa de 65% e, com a pandemia, superou. Teve migração principalmente de pessoas que usavam pouco a rede em casa e, na pandemia, percebeu-se que a internet não era boa e era preciso trocar. Nosso crescimento está na ordem de 85% neste ano.

OP - Com todo o crescimento observado nos últimos anos e esse potencial futuro, em algum momento, o senhor chegou perto de perder o controle da empresa? Existe muito assédio para vender parte da Brisanet?

José Roberto Nogueira - Entre 2011, quando começamos a fibrar, e 2015 foi um caos nos bancos para fazer captação de dívida a 3% ao mês, não tinha muito crédito. Em 2015, começamos com essa plataforma de software e contabilidade auditada. Isso trouxe credibilidade junto aos bancos e possibilitou fazer a captação de recurso. Aí a Brisanet começou a captar recurso de banco privado, depois dos bancos públicos, o que permitiu realmente fazer esta expansão.

OP - Mas o senhor considera abrir a participação?

José Roberto Nogueira - Nós vamos lançar agora debênture para infraestrutura, que é uma operação mais estruturada, com prazo muito maior. O plano da Brisanet de estar presente em 1790 cidades até o primeiro semestre de 2023 requer bastante recurso e não tem nenhuma empresa que consiga crescer 50%, 60% só com resultado. Tem que ser o lucro líquido e mais cinco vezes o resultado, por isso, precisamos fazer captação para construir novas redes, novas capitais, expandir as Agilitys, nossos franqueados. A Brisanet hoje está bem estruturada, tem contabilidade auditada pela Ernest Young, ou seja, uma consultora forte e os bancos hoje têm visibilidade boa da empresa. Se somos assediado por fundos de investimento? Mais de 100. Eu já conversei com mais de 100, mais para estar alinhado com o mercado, aprendendo mais e aproveitando a oportunidade para, depois dessas conversas, pedir dinheiro emprestado. Não vai ser equity, mas você pode me emprestar um dinheiro aí? .

OP - Mas ainda que tenha conseguido manter até agora, o senhor trabalha a ideia de um dia vir a passar o controle?

José Roberto Nogueira - Passar o controle nunca, porque se até agora não tem nem dez por cento do fundo para o que nós precisamos construir. Se acaso vier a ter um gargalo - e o gargalo que eu falo é o investimento necessário em um prazo curto - aí o melhor é fazer IPO. O que a Brisanet está construindo é algo para as próximas décadas. 

OP - O senhor já percebe uma transformação tecnológica no interior? Gente produzindo conteúdo para exportar, game? Como essas novas atividades estão chegando ao interior?

José Roberto Nogueira - Considerando até a quantidade de pessoas que já está tendo uma boa renda nas redes sociais, os pequenos negócios estão sendo digitalizados. Aqui na nossa região e cinco cidades vizinhas não há problema de emprego, qualquer jovem com 18 anos, que tem boas notas no segundo grau, e vontade, não falta emprego aqui na Brisanet. Nós estamos contratando 300 pessoas por mês. Quando a banda larga chega em qualquer cidade pequena, traz uma evolução ou possibilidade de evolução que, na realidade, poderia ser muito melhor utilizada se tivesse melhor uso da internet nas escolas. Você tem hoje município que tem a possibilidade de estar todo automatizado com baixo custo, mas, infelizmente, não está. Tem município que quando o paciente chega na frente do médico, não se tem a menor ideia se ele já foi lá ontem com outro médico, o que foi receitado na farmácia, do que está sendo tratado, é sempre como se tivesse indo pela primeira vez. Não há acompanhamento, são coisas que poderiam ser facilmente resolvidas pela internet. Existe um espaço grande para pequenos jovens empreenderem nessa área levando essas tecnologias.

OP - Na sua avaliação o que falta para deslanchar essa digitalização dos serviços?

José Roberto Nogueira - A tecnologia existe, jovens com potencial de ajudar a implementar tem, o que falta, na realidade, é a boa vontade de quem está na administração. Estamos num momento ainda que quando um novo prefeito entra todos os softwares são trocados, o software do IPTU, o contador é trocado, tudo é trocado e os funcionários têm que começar tudo de novo. Imagina uma empresa que sempre tem que trocar todos os softwares? Por que não tem um software padrão para trabalhar tudo igual? Nós estamos falando de cidades inteligentes, mas estamos esquecendo do básico, do elementar, que não foi feito.

OP - Mas o senhor acredita que com os novos hábitos consolidados na pandemia isso tende a acelerar?

José Roberto Nogueira - Sim. Há dois anos, eu falava que a oito anos depois a criminalidade ia diminuir, os desvios iam diminuir bastante, em função da transação ser toda eletrônica. A grande barreira para que a transação eletrônica fosse bem sucedida era a conectividade. Então há dois anos eu planejei nosso cronograma de que em quatro, cinco anos a internet ia chegar em qualquer lugar. Isso está acontecendo, mais dois, três anos, a internet vai estar em todos os municípios. Agora sim o estado não vai gastar muito para arrecadar. Se o dinheiro para de circular, se todo mundo vai pagar tudo via aplicativo, o pequeno comércio não tem como ser mais informal, porque vai comprar um sanduíche e vai usar o aplicativo para pagar; até o Banco Central está unificando as plataformas de dados dos bancos. A pandemia acelerou tudo isso. O que ia ser em oito anos, a pandemia acelerou para quatro, cinco anos, em que as transações já vão estar basicamente 90% eletrônicas. Com o dinheiro parando de circular, os assaltos também diminuem.

OP - A Brisanet já se tornou grande, mas não é o seu único negócio. Como começou e para onde está caminhando a Nossa Fruta Brasil?

José Roberto Nogueira - A Nossa Fruta Brasil nasceu com um propósito de não ser mais uma polpa de fruta no mercado. Eu vivi muitos anos na roça, então saí para o mundo da tecnologia, mas continuei com um pé na roça. Sempre continuei buscando como resolver aquela agricultura que gerava menos de R$ 2 mil por ano, se chovendo mais ou menos só R$ 1 mil, e não chovendo rendia zero. A cada dez anos, você tem um ciclo de cinco anos bem, dois ou três anos mais ou menos e dois anos em que não dá nada. Então, a média é de mil e poucos reais por ano para uma família. Quando o mundo da tecnologia olha aqui para o Semiárido, você começa a encontrar a solução. E se encontra a solução, não consigo ficar parado, tenho que resolver. O ciclo da vida é resolver problema e gerar negócio. E eu vi que dava para resolver problema, gerando negócio. Eu criei a Nossa Fruta para dar suporte ao novo projeto de levar tecnologia ao pequeno agricultor. Não existe tecnologia de baixo custo para o pequeno agricultor, existe tecnologia para a grande agricultura. Então, estamos desenvolvendo uma tecnologia de baixo custo para o pequeno agricultor, a fim de que ele fique praticamente independente da estação sazonal do Nordeste. Estou implementando esses projetos que agora serão suportados pela fábrica que compra os produtos. Os pequenos projetos de agricultura estão bem avançados, a fábrica vai continuar comprando, mas o projeto vai se estender pelo Semiárido.

OP - Mas hoje estão articulados em quantos municípios e com quantos produtores?

José Roberto Nogueira - A Nossa Fruta hoje está comprando de todo Nordeste. São centenas e centenas de produtores, compramos no São Francisco, no Sergipe, aqui no Ceará dos plantadores da Serra do Tianguá, de todo Nordeste. Esse projeto inicial com nova cultura que está ainda em volta de cem agricultores, mas compro da região de mais de 300 agricultores.


OP - E produzem quanto de polpa e vai para onde?

José Roberto Nogueira - A polpa já está hoje do Maranhão a Salvador. Já produzimos, por mês, processados, cerca de 7 mil kg de fruta. O que dá mais de 400 toneladas de polpa/mês.

OP - O senhor pretende exportar?

José Roberto Nogueira - Já estamos exportando para a Alemanha desde o ano passado. O foco é o mercado interno, mas tem que ter uma experiência lá fora para, aos poucos, ir conhecendo o mercado, o paladar. É um mercado grande para o futuro. Mas agora não temos interesse de abrir o mercado internacional em grande quantidade, estamos indo aos poucos. No mercado interno, foi diferente. Nós fomos agressivos e, hoje, a única polpa que está presente no interior, em todo Maranhão e na Bahia, é a Nossa Fruta.

OP - E como é essa tecnologia de baixo custo para ajudar os agricultores? 

José Roberto Nogueira - O ideal é que o pequeno agricultor faça multicultura, não plantar só banana, não plantar só maracujá, que ele tenha duas fileiras de acerola, duas de maracujá, duas de pitaya e assim vai. Mas, para você controlar a multicultura, cada fileira tem um calendário com quantidade de água diferente da fileira seguinte. O projeto é que em cada uma dessas fileiras tenha uma pequena caixinha com um computador, painel solar, bateria, um rádio conectado à nuvem, em que que você, via celular, possa entrar na fileira 17 e alterar o calendário de irrigação. Ou seja, quando tem a multicultura, tudo junto, é bom para diminuir a incidência de praga. Além disso, o agricultor toda semana está produzindo, o que gera colheita o ano todo. E ele não precisa contratar mão de obra para cuidar, porque a pequena agricultura tem que ser feita por ele mesmo, senão não tem viabilidade.

OP - Mas o que isso significou em números? Aumentou o ganho em quanto?

José Roberto Nogueira - Eu fiz uma experiência em 2013, onde houve 11 meses sem chuva. Uma acerola em que coloquei um litro de água por dia e outra fazendo a camada morta para proteção. No ano seguinte, foi também estação quase seca, só que eu fiz esse pequeno arranjo de colocar um litro por dia e, na outra, nada. Na safra seguinte, só tirei uma colheita da que eu não coloquei água e três colheitas da que eu coloquei um pouco de água por dia. Então, em 2015, eu implementei esse projeto com 36 agricultores. Esse agricultor que, plantando milho ou feijão, só tirava R$ 2 mil reais se chovesse bem, está tirando hoje de R$ 10 mil a R$ 12 mil reais/ano nessa acerola, mesmo se for ano seco. 

OP - E como é o processo de inovação dentro da empresa? Há um núcleo dedicado a isso?

José Roberto Nogueira - A parte do agronegócio não é Brisanet. Esse é meu hobby, no fim de semana estou lá junto com o agricultor na roça, fazendo alguma coisa. Eu tenho minhas roças também, que é onde faço meus ensaios, minhas experiências. Por exemplo, hoje sou o único que tenho o plantio de cajá-umbu, a nossa cajarana, por semente. Se for olhar a literatura, a cajá nasce de semente, o umbu nasce, mas a cajá-umbu, não. E quem tem dois pés de cajarana produz o equivalente a uma roça de um agricultor, mas isso não era aproveitado. Eu coloquei o produto no mercado e hoje estou plantando por semente. 

OP - O senhor falou que seu hobby é cuidar da parte da agricultura, o que também foi transformada em negócio. Imagino que sua família também demande atenção, como o senhor se vê em função do trabalho e a vida pessoal. O que é felicidade para o senhor?

José Roberto Nogueira - Quando se traça um objetivo logo cedo, como eu fiz, que já defini que ia mexer com eletrônica, que ia terminar o segundo grau e ia embora para São Paulo e voltar, este projeto é muito bem pensado. E não estando dormindo, você está pensando nele. Quando o projeto nasce nesse modelo, se estende pelo resto da vida. Hoje, infelizmente, não consigo mais tirar férias, essa é a punição de quem se envolve 100% no negócio. Até meus sobrinhos, que são sobrinhos e sócios, tocam a operação junto comigo, está todo mundo nesse sonho. Ah, eu vou morar em outro lugar? Esquece, porque você não consegue mais sair de onde está. Você começa a abraçar esse sonho e todo problema que surge, você encara como desafio. E se não for resolver de forma que gere negócio, não tem sustentabilidade, aí não não funciona. Por exemplo, encontrar um modelo que independente do ano mais seco, tenha produção, esse é um grande desafio. É do meu DNA enxergar o que está errado. E quando começo a resolver, não tem mais como fugir disso. Aí tudo se mistura, a vida se torna isso, o que tem que fazer é trazer a família para fazer o mesmo.

OP - Tem mulher e filhos?

José Roberto Nogueira - Tenho. Meu filho está fazendo administração, filho único e estou nessa batalha de colocar ele à frente, mas não assim “na frente”, é aprendendo um pouco de tudo, se envolvendo em várias áreas para dar continuidade.

OP - Mas tem uma equipe que ajuda a pensar novas tecnologias ou tudo ainda é muito concentrado no senhor?

José Roberto Nogueira - Como sempre deixei um ambiente para inovação, qualquer funcionário da empresa, no que quiser fazer, a gente dá suporte. Tudo na Brisanet é inovação, a cada dia estamos vendo como fazer diferente, inovar. Este DNA foi impregnado. Aqui na empresa, só para ter uma ideia, nós tínhamos uma área que ainda não tinha programador, tinha uma vaga de suporte, mas ele foi entendendo tanto da área de atendimento ao cliente, entendia as dores daquele cliente, que desenvolveu um software e hoje temos uma área de gestão do cliente que não existe em outras operadoras. Ou seja, aquele técnico, que era suporte ao cliente, passa a ser programador junto com o supervisor da área e saiu uma excelente plataforma. Se fosse contratar uma empresa, não ia sair com o mesma excelência porque a empresa não ia entrar ali e sentir as dores do setor. A Brisanet é uma startup em todas as áreas, em todos os setores. A nossa automação de vinte anos atrás? Tudo já era desenvolvido aqui. Como é que com pouco dinheiro se monta uma operação via rádio quando sequer existia o produto? Fabricamos as torres, os softwares, as antenas, desenvolvemos tudo e continuamos isso até hoje.

OP - O senhor falou no seu sobrinho, no seu filho, como enxerga a questão da perpetuação do negócio? Como vê o futuro de tudo o que faz para além do senhor?

José Roberto Nogueira - Hoje tenho aqui o João Paulo, meu sobrinho, que cuida mais da operação. O Jordão não é sobrinho que está ocupando emprego, não. É sobrinho que faz o mesmo que eu. Somos em três e qualquer um cuida da operação. Esse DNA de inovação não é mais só meu, eu iniciei tudo, mas não é mais eu sozinho. Sabe quem é meu contador? Há dez anos, quando eu liguei para o telefone da casa dele, porque não tinha celular, a mãe foi chamá-lo na roça, ele veio para trabalhar em suporte, fez faculdade, hoje ele cuida da contabilidade, tem 20 funcionários, mas é uma contabilidade auditada pela Ernest Young. O segundo funcionário que foi contratado para montar os pedaços de torre é, hoje, o gestor da rede. E onde vou encontrar outro? Tem que sair do time dele, que ele está formando, porque tem mais de 20 na escadinha. 

OP - O senhor é daqueles que se sentem mais à vontade sozinho do que participando de movimentos coletivos, como sindicatos, por exemplo, pedindo incentivos do Governo?

José Roberto Nogueira - A Brisanet é uma empresa que procura fazer da forma mais privada possível, em função de trabalho e resultado. Só para se ter ideia, nosso faturamento na área de governo representa 1,5%. Tem um monte de gente colado em prefeitura querendo vender, a gente não quer. Tem nossa tabela, quem quiser comprar, compra. O nosso negócio é principalmente com os R$ 80 reais do doméstico, nosso foco. Mas temos trabalhado muito para abrir portas que deveriam estar abertas. Por exemplo, em 2019, eu fiquei toda semana em Brasília, mas mudei o setor de telecom. A Brisanet tem transformado o setor de telecom, ajudando a criar regras. Por exemplo, até dois anos atrás, quem tinha 50 mil clientes e mais um era considerado um grande operador e tinha toda uma carga remuneratória, gigante. Hoje é quem tem menos de 5% do mercado. Trouxe o presidente da Anatel aqui, todos os conselheiros da Anatel aqui e criei o movimento há um ano e meio atrás. E começamos a quebrar as regras também para os grandes. O setor de telecom foi criado há 30 anos, não tinha celular e nem internet, era só telefone fixo, e a Lei Geral de Telecomunicações está baseada em cima de telefonia fixa. E veio a internet e todo esse mundo de produtos que trafega em cima de internet: WhatsApp, Netflix, tudo isso, está sem regra definida. 

 

Leilão 5G

UM DOS ENTRAVES para implementação do 5G no Brasil é que a frequência interfere no funcionamento das antenas parabólicas. A Brisanet testou um filtro que resolveria o problema. O resultado foi encaminhado para análise da Anatel.

PIB de Pereiro

EM 2002, início da série histórica do IBGE, quase metade da riqueza de Pereiro, 48,72%, vinha da Administração Pública. Em 2017, o dado mais atual, mostra que o setor de serviços responde por 73,3% do PIB do município.

A mudança

A VIRADA DE CHAVE ocorre, sobretudo, em 2015, quando houve um salto do valor adicionado de serviços, em valores correntes, de R$ 33,7 mil para R$ 81 mil. Esse é o ano que marca o início da parceria da Brisanet com o Cinturão Digital, do Governo do Estado, e a expansão mais forte da empresa levando internet com fibra óptica ao interior. Em 2017, o valor adicionado de serviços no PIB de Pereiro chegou a R$ 217,3 mil.

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