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Jovens, acreditem no longo prazo, aconselha o fundador e CEO da XP, Guilherme Benchimol
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Jovens, acreditem no longo prazo, aconselha o fundador e CEO da XP, Guilherme Benchimol

O fundador e CEO da XP acredita que ainda não chegou ao topo e que o importante é aprender com os erros e ir em frente
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Guilherme Benchimol, fundador e CEO da XP Investimentos (Foto: Rafael Baranda / Divulgação)
Foto: Rafael Baranda / Divulgação Guilherme Benchimol, fundador e CEO da XP Investimentos

O conselho que Guilherme Benchimol dá aos mais jovens é quase uma ofensa para quem cresceu movido pela urgência da internet: acreditem no longo prazo. Mas, multibilionário aos 44 anos, o fundador e CEO da XP (algo além de R$ 130 bilhões) tem a autoridade que falta aos coaches para ensinar que a vida é dura, os resultados demoram um tempo e é preciso ser muito resiliente, muito focado. Segundo ele, a principal característica que a empresa dele busca nos candidatos a uma vaga é o quão obstinada a pessoa é. Benchimol entrega o que lhe tira o sono na XP. "Talvez seja a incapacidade de ser meritocrático todo o tempo." Sim, ele fala em meritocracia, uma palavra cancelada por boa parte da nova geração. A mesma que sonha em chegar ao topo. O topo, ele não se considera lá. Afirma se sentir no início da trajetória, dono de fatia de mercado de 6% e ante concentração bancária no Brasil de 90%. Em 2017, o concorrente direto Itaú comprou 49,9% das ações da empresa por R$ 6,3 bilhões (hoje tem 41%). Nesta entrevista, Benchimol opina sobre os indicadores de ESG (Environmental, Social and Governance), em tradução livre ASG (ambiental, social e governança). Para ele, a consciência para estes valores não vem subitamente. "É uma onda que está chegando".

O POVO - O mundo discute uma agenda mais pragmática relacionada à sustentabilidade, com um sentido mais profissional e não apenas idealista. O ESG estabelece parâmetros de sustentabilidade, meio ambiente e governança. O que isso significa neste momento do mercado?

Guilherme Benchimol - O tema ESG vai ficar mais na pauta, não somente no Brasil, mas no mundo. Diria que ESG são as empresas comprometidas em deixar o mundo melhor, essa talvez seja a maneira mais simples de explicar o significado. Essas são as letrinhas das empresas que são comprometidas e diria que todas as empresas têm hoje um compromisso muito grande com o mundo e o seu propósito. No caso da XP, é de melhorar o mercado financeiro e a vida das pessoas. E ter propósito é importante, pois conecta com os funcionários, conecta com os clientes, consegue inspirar as pessoas. Mas, quando se compromete a ser uma empresa ESG, e canalizar mais capital na direção de transformar o mundo num lugar melhor, você consegue inspirar mais a sua equipe, os clientes, e mais os consumidores, como um todo, vão exigir mais a entrega de uma experiência incrível a preços também incríveis e que a empresa se comprometa a deixar um mundo melhor, tanto do ponto de vista social, com a inclusão racial, ambiental e de governança, fazendo com que o seu negócio seja sólido, correto e longevo. A coisa boa é que tem muita coisa errada no mundo e agora não vamos mais delegar essas coisas erradas a ninguém. Quem irá corrigir somos todos nós e isso é um sinal de que o mundo se tornará um lugar cada vez melhor.

OP - Em que medida a sociedade num período de crise econômica tão forte está disposta a valorizar estes parâmetros na hora de decidir por uma empresa? O preço não será determinante?

Guilherme Benchimol - É um processo. Não é uma consciência que vem subitamente. É uma onda que está chegando. Diria que o capital como um todo está escolhendo investir em companhias que têm esse compromisso no longo prazo. Então, já existem no Brasil empresas altamente comprometidas, um exemplo é a Natura, talvez a melhor empresa ESG do País. E cada vez mais isso se torna um diferencial e o consumidor vai escolher mais empresas que trazem uma experiência, que oferecem um preço bom, mas que também se comprometem em deixar o mundo melhor. Diria que a competição vai começar a partir desse atributo, que talvez não era tão valorizado, quanto mais empresas como a XP, que abraçou essa causa com força, naturalmente os bancos vão começar a vir atrás, outras corretoras também, aí mais esse atributo será valorizado. E essa corrente do bem vai fazendo com que isso se torne mais relevante.

OP - O cenário é de vacina em 2021, mas com economia bastante avariada. Qual a sua leitura sobre o próximo ano?

Guilherme Benchimol - A tendência é que a vida volte ao normal, sem dúvida nenhuma. O processo de vacinar a população toda não é tão rápido quanto imaginamos, mas diria que estamos próximo disso. A vida volta ao normal, mas vão ficar os aprendizados. A leitura que faço da economia como um todo é que, antes da pandemia, a gente tinha uma taxa de juros em torno de 5% e o brasileiro sempre buscou mais estabilidade e, como no Brasil, desde o Plano Real, sempre tivemos taxas de juros muito altas, numa média de 13% ao ano, a gente sempre teve um custo de oportunidade muito alto e o dinheiro que a gente acumulava sempre investia em títulos públicos ou CDB de um grande banco. Com os juros a 2%, isso empodera o capital, deixa ele mais livre. E o capital livre estimula o empreendedorismo, estimula investimentos e as pessoas a assumirem riscos maiores, a pensar mais no longo prazo. A projeção é que a gente vai ter mais CNPJ do que a gente tinha, mesmo depois de toda essa confusão no mundo que foi extremamente grave. Então, isso é importante, pois é um empreendedorismo que está tomando conta do Brasil. Estou confiante que a economia vai crescer bastante nos próximos anos. Temos um desafio importante no Brasil que é a questão fiscal. Eu não acho que o Brasil vai ter reformas muito importantes no curto prazo, mas diria que o mínimo vai ser feito. E o mínimo sendo feito, acho que já resolve uma boa parte. Obviamente, não com o mínimo que a gente devia se contentar, mas eu acho que é o que vai acabar acontecendo. Mas, com os juros baixos, o privado começa a fazer muita coisa. Começam a surgir hospitais, faculdades, XPs... Todos começam a empreender e isso traz o crescimento. Eu diria que o Brasil nunca esteve tão próximo de se tornar o País do presente.

OP - O senhor diria então que devemos lidar com um cenário de reformas mínimas nos próximos anos?

Guilherme Benchimol - Sendo cauteloso na minha resposta, reformas mínimas é o que eu pelo menos espero. E se tiverem reformas mínimas, já considero bastante razoável.

OP - Como o senhor enxerga o governo Bolsonaro, ao tempo em que tem uma agenda bem diferente dessa de ESG que falávamos, mas toca uma política econômica que fazendo o mínimo garantirá avanços, como o senhor diz?

Guilherme Benchimol - Eu diria que todo governo tem coisas boas e ruins e esse governo não é diferente. Tem muitas coisas que podem ser aprimoradas, como há coisas que foram bem feitas. Acho que é fundamental que o governo se comunique melhor, que consiga atrair investidores. Sem dúvida nenhuma, quando você é um país que se compromete com causa ESG, os investidores ficam mais entusiasmados. Mas acho que o importante é que façamos a nossa parte, então a XP vai fazer a parte dela e vamos tentar inspirar os empresários a fazerem sua parte e assim a gente não terceirizar a culpa e fazer a coisa acontecer, fortalecendo essa corrente do bem.

OP - Como a XP vê a recente onda de IPOs no Nordeste?

Guilherme Benchimol - Somente pra janeiro, já temos mais ou menos 30 IPOs no radar, isso no Brasil. E, justamente, os juros baixos fazem com que o mercado de capitais abra a janela. Na prática, o que isso faz: até pouco tempo, com os juros altos que havia na economia, se você era um empreendedor e queria levantar capital, você basicamente conseguiria fazer isso indo num banco e lá tomava um empréstimo, porque, com os juros altos, a população não quer assumir riscos e fica na renda fixa. Quando baixa os juros, a população fica disposta a assumir riscos e as joias vão aparecendo. Então, eu tenho viajado muito no Brasil, e a quantidade de empreendedores extraordinários, não somente no Nordeste, mas no Brasil como um todo, é maravilhosa. E o que torna isso possível é o custo de oportunidade estar baixo. O empreendedor sabe que pode haver mercado, vender suas ações, ele vai ter um preço atraente e com isso consegue levantar capital, investir e continuar ampliando a sua planta industrial, sua força de vendas e assim por diante. Mas tem muitas empresas do Nordeste que estão vindo, sim, diria que o Nordeste é um celeiro de pessoas extraordinárias. O IPO mais recente foi o da Aeris (com sede no Pecém), que foi um sucesso e, anteriormente, foi o do Matheus (do Maranhão), que foi o maior IPO que o Brasil fez nos últimos três anos, numa oferta de quase R$ 20 bilhões. Então vamos nos acostumar a histórias similares.

OP - O senhor tem um time bem aguerrido na XP. E recentemente tivemos a fusão da Pequod Investimentos (do Recife) e Sol Investimentos (de Fortaleza) como um movimento de agressividade. O que significa essa incursão no Nordeste e como a companhia trabalha a estratégia para a Região?

Guilherme Benchimol - A gente cresceu construindo esse ecossistema de empreendedorismo. Hoje somos uma plataforma, temos algumas empresas que atuam em parceria com a gente e a Pequod é uma delas. A Pequod tem um líder extraordinário, que é o Pedro Pessoa, e a fusão foi uma operação que somente fortalece ambas as empresas. Cada vez mais o empreendedor quer buscar escala e quer se juntar de pessoas que têm culturas similares e assim ter estímulos ainda maiores. Então, tenho certeza de que eles serão mais bem-sucedidos. Acredito que a gente terá uma expansão muito grande, pois, antes, o brasileiro não tinha que mexer com dinheiro de verdade. Sempre tivemos a referência do gerente do banco, mas nesses anos que a gente surgiu, viemos aprimorando a importância da profissão do assessor de investimentos, cada vez mais relevante. Assim como quando pensamos em saúde, vem o médico na cabeça. Quando pensamos em dinheiro, vem o gerente. Mas isso tá errado! O gerente está alinhado com as metas do banco, mas quando se busca um assessor de investimentos, uma empresa como a Sol e a Pequod, o empreendedor está alinhado com você a longo prazo com ainda mais intensidade, porque sabemos que as empresas ficam mais fortes.

OP - Henrique Meirelles (ex-ministro da Fazenda) falava-me em agosto do ano passado, em entrevista, que os grandes bancos têm de fazer suas fintechs para lidar com esta nova era. O Itaú já investiu na XP, um símbolo da disrupção do sistema. Hoje, qual a principal ameaça à XP?

Guilherme Benchimol - Diria que o que mais me tira o sono na empresa talvez seja a incapacidade de ser meritocrático todo o tempo. Obviamente que os consumidores são sempre ameaças importantes, mas acredito muito que as empresas são feitas de pessoas e conseguir ter realmente uma empresa meritocrática, garantindo as melhores pessoas nas posições corretas e com as metas certas, essas pessoas alinhadas com você numa cultura forte, diria que é isso que faz com que as empresas façam mais a longo prazo. Sempre fomos uma empresa muito meritocrática, vamos continuar sendo, mas diria que é isso que me tira o sono: deixar de ser uma empresa que age dessa forma e começar a não garantir as melhores pessoas nas posições corretas, é o começo do fim. Acredito muito na força das pessoas, o ser humano é capaz de coisas incríveis desde que você consiga garantir essa meritocracia no processo.

OP - A relação da XP com o Itaú é marcada por um conflito de sócios ou estratégia de marketing?

Guilherme Benchimol - Acho que não é um nem outro. Assim, o Itaú é um investidor minoritário nosso, não tem interferência nenhuma na empresa. Desde sempre o Banco Central e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) deixaram claro. O nosso crescimento é em cima dos grandes bancos, nós não criamos mercado, nós o transformamos. A gente convence os clientes que estão investindo mal nos bancos, inclusive o Itaú, a tirar o dinheiro de lá e investir na gente. E, por mais que o Itaú seja nosso sócio minoritário, ele está preocupado em fazer o Itaú crescer. Diria que é normal que eles sigam competindo e entendam a gente como um investimento. Então, aquele evento que ficou conhecido como a "guerra dos coletes" não foi combinado, foi uma estratégia que o Itaú fez. Eu confesso que adorei e que nunca abrimos tantas contas na vida. Naquela semana foram 100 mil. Acho que no fim cada qual deve escolher a estratégia que quer fazer e a gente vai continuar indo firme, não temos interesse alinhado a nenhum banco, nós não somos sócios do Itaú, apenas sou sócio da XP, estou alinhado com os interesses dos meus clientes, alguns escritórios que são conectados com a gente, à nossa equipe interna e mais nada. Acho que dessa forma vamos fazer a empresa ficar melhor e é isso. A gente quando fez a operação com o Itaú há quatro anos, a empresa amadureceu muito. Muitas pessoas podem não entender, mas quando falamos de serviços financeiros, tem uma questão de credibilidade muito importante por trás. A sua poupança é uma das coisas mais importantes da vida. É família, saúde e dinheiro. Então, quando a gente pensou em abrir capital na bolsa brasileira, pensamos se não seria melhor o Itaú como acionista, já que eles vieram conversar conosco naquela época. O cheque que o Itaú nos deu naquela época era um sinal muito claro de que a gente era uma empresa muito séria e que aquilo iria ajudar num crescimento futuro. Obviamente que hoje nos sentimos super independentes, como sempre fomos, mas, sem dúvidas, assim como o Itaú fez um excelente negócio, multiplicando o dinheiro investido na gente muitas vezes. Mas eu entendo que na cabeça das pessoas passa a impressão de tudo ser uma grande armação e não é nada disso. São empresas diferentes, competidoras e a única coisa que acontece na prática é que o Itaú é um investidor minoritário nosso.

OP - O senhor já fez várias fusões e aquisições. Como fazer essa conexão de empresas que têm diferentes culturas, sem que isso comprometa o resultado?

Guilherme Benchimol - Existem dois tipos de aquisição. Aquelas que você não vai trazer a equipe, mas está interessado na carteira de clientes ou tecnologia que aquela empresa possuía e você simplesmente acopla isso na sua empresa. E tem a segunda aquisição, que é quando você percebe uma sinergia muito grande entre as empresas, vai absorver aquele time e ele vai se conectar com o seu e a soma das empresas vai ser o melhor cenário. Eu diria que é fundamental que haja uma sintonia de valores. Então não adianta a fusão ser feita se as crenças culturais forem diferentes. Eu vou dar o exemplo: aqui na XP, nós temos um tripé cultural baseado em sonho grande, mente aberta e espírito empreendedor. Somente trabalhamos com pessoas que acreditam que o possível é possível, que pessoas com mente aberta que convivem bem com pequenas falhas e erros e os corrigem com velocidade e pessoas com perfil empreendedor, que trazem solução. Não adianta eu querer me juntar com uma empresa que tem sonho pequeno, porque as pessoas que vão trabalhar nessa empresa acreditam em sonho pequeno. Juntando as duas empresas haveria um choque. É fundamental que os empreendedores das duas companhias se sentem e sejam fracos para saber se os interesses a longo prazo das duas estão realmente alinhados, pois aí a chance de sucesso é bem maior.

OP - O que alguém que alcançou o sucesso jovem, como o senhor, daria como conselho para a nova geração que já entra no mercado de trabalho tão ávida pelo topo?

Guilherme Benchimol - Diria que eu não acho que cheguei no topo e estou apenas no início da minha trajetória, ainda vou fazer muita coisa, nosso market share (participação de mercado) é de apenas 6% do mercado, a concentração bancária no Brasil é de 90%, então eu sou jovem, meu time é jovem e acho que a gente ainda vai fazer muita coisa boa. Mas o conselho que eu daria aos mais jovens é acreditar no longo prazo. Hoje, com a internet e redes sociais, as pessoas são muito imediatistas, querem resultados instantâneos, e não funciona assim na vida real. A vida é dura, os resultados demoram um tempo, você deve ser muito resiliente, muito focado. Diria que a principal característica que buscamos na empresa que vem trabalhar com a gente é basicamente o quão obstinada a pessoa é. Mas o que é isso: são aquelas pessoas que não importa quantas vezes elas caiam na vida, ela vai se levantar, sacudir a poeira, aprender com os erros do passado e vai continuar indo em frente. Porque assim é a vida, não é uma linha reta, mas é um zigue-zague, e você precisa ir se levantando, seguindo em frente. E as pessoas que têm isso dentro de si, mais cedo ou mais tarde, vão chegar lá. Talvez os jovens de hoje tenham menos isso do que a minha geração tem, pois crescemos num mundo mais duro. Mas esse é o conselho que eu deixaria.

OP - Como a XP faz para medir valores tão intangíveis?

Guilherme Benchimol - A gente faz uma seleção baseada em obstinação e valores comportamentais. Então, a gente acaba buscando por meio de experiências que a pessoa nos conta, fases da vida que ela tenha passado, projetos que ela tenha entregue. Com isso, conseguimos saber o que para o candidato significa obstinação. São por meio destes exemplos que vamos sentindo a escala de obstinação que essa pessoa tem.

OP - O que o senhor observa de potencial no mercado de ações, no curto, médio e longo prazo, diante de fatores internos e externos?

Guilherme Benchimol - O mercado acionário, e os mercados como um todo, funciona pela lógica da oferta e demanda. O que faz o preço das ações subir é a maior quantidade de gente querendo comprar. Vamos viver nos próximos anos uma abundância de capital muito grande e por que isso? Existe um fenômeno no mundo de explosão empreendedora. Nos próximos cinco anos vão ter três vezes mais empresas do que observamos em vinte anos anteriores.

OP - Por quê?

Guilherme Benchimol - Porque deflação significa juros baixos, juros baixos significa mais dinheiro circulando para comprar coisas. O cenário de médio e longo prazo é de demanda por ativos reais, por ações, por terreno, por tudo que tenha a ver com um ativo real como um todo. Então, estou muito otimista com o mercado de ações e, sem dúvida nenhuma, as pessoas vão ter que aprender a assumir riscos.

OP - Assumir riscos é do capitalismo. Mas vemos um empresariado capitalista, porém, de modo recorrente, um tanto desacostumado e dependente do Poder Público. O senhor tem uma leitura crítica sobre as entidades de classe, por vezes rejeitadas por empresários que estão além dessa agenda?

Guilherme Benchimol - Olha, é difícil, pois as pessoas são movidas por incentivos e, realmente, os incentivos que tem na iniciativa privada são muito claros, que é fazer mais para receber mais. Se você fizer mais, consegue ascender na empresa, ser promovido. E quando misturamos isso com governos, entidades de classe, diria que a palavra meritocracia fica mais restrita e é mais difícil construir os estímulos para que as transformações aconteçam de verdade. Não sei se tenho uma solução para isso, mas o ideal é que as entidades de classe, governos etc, conseguissem ser tão meritocráticos quanto o setor privado.

OP - Qual a sua visão da relação entre disponibilidade de capital versus a preparação das empresas para acessar o mercado? O que o braço de investiment banking da XP está trabalhando para viabilizar mais operações de sucesso no mercado?

Guilherme Benchimol - O que temos feito é rodar o Brasil inteiro para conversar com os empresários, entender os seus planos e ajudá-los a perceber que o mercado de capitais é um grande aliado se você quiser continuar crescendo. Obviamente, o mercado não é recomendado se você é um empreendedor que não quer ir pra frente. Quem quer ir pra frente, crescer, diria que hoje, com tanta abundância de capital, não faltam interessados. E a nossa missão é ficar próximos das empresas que a gente entende que possam ter mercado e ajudar elas a seguir esse roteiro. Abrir capital não é algo que você faz em um mês, mas é um processo que dura em média um ano. Entre estar pronto e começar a conversar com investidores, fazer auditoria, conversar com a Bolsa, montar apresentações. Então demora um tempinho e é um trabalho super sob medida. Mas estamos muito confiantes que vamos ter escala nisso e a gente se sente satisfeito, pois assim estimulamos o empreendedorismo no Brasil e quanto mais empresas entram no mercado, soa a campainha na Bolsa, certamente os jovens e os empreendedores como um todo acreditam que é possível, começam a sonhar grande e a gente forma um ciclo positivo.

OP - O que a XP está pensando para apoiar micro e pequenos empreendedores no pós-Covid-19?

Guilherme Benchimol - Diria que o mais importante é levar educação para as pessoas. Nós temos uma praça educacional chamada Xpeed, em que ensinamos 500 mil pessoas por ano. Então, esse braço educacional nosso fala desde finanças básicas, como as pessoas conseguem ajustar seu orçamento doméstico, como conseguem saber que as despesas estão maiores do que as receitas e com isso cair no cheque-especial, até como se montar uma poupança e ter os produtos financeiros que se encaixe no seu perfil. Diria que essa é a melhor maneira de empoderar não somente os pequenos empreendedores, mas a sociedade como um todo. Com conhecimento, as pessoas adquirem mais liberdade.

OP - O que muda na vida de um empreendedor quando a empresa fica gigante muito rápido?

Guilherme Benchimol - Você tem o desafio da liderança. Uma coisa é pilotar uma lanchinha, outra é pilotar um transatlântico. É preciso estar muito atento, pois a técnica que te fez ter sucesso até um certo estágio da empresa, não vai ser a mesma te permitir conduzir uma empresa muito maior. Então, você precisa estar com um time muito bom e se perguntando o tempo inteiro se você está com as habilidades corretas. Ser humilde e não achar que chegou a lugar nenhum ainda são passos importantes.

OP - O que significa sair do burburinho do mercado financeiro e levar a empresa para fora de São Paulo, na chamada Villa XP?

Guilherme Benchimol - A Villa XP foi um presente que a crise nos trouxe. Toda crise traz oportunidades. Agora compreendemos que dá pra trabalhar de casa, dá pra ser muito mais eficiente. Uma empresa como a nossa, que ocupava 25 mil metros quadrados na Faria Lima, diria que a maioria das pessoas que trabalham com a gente tinha uma vida dura, pois trabalhar em São Paulo gasta muito tempo no trânsito, cuida mal da saúde, somente vê os filhos no fim de semana. Então, construir uma nova governança corporativa em que as pessoas não precisam mais bater ponto, mas podem se encontrar num lugar inspirador chamado Villa XP, onde elas vão lá uma ou duas vezes na semana, no máximo, para tratar de temas que são importantes serem feitos presencialmente, como cultura, troca das melhores práticas, treinamentos. Isso cria esse ambiente acolhedor, transformador. E bater ponto todo dia, a pandemia nos mostrou que não é mais necessário. Você pode trabalhar de onde quiser. Com isso, as pessoas têm mais qualidade de vida e entregam melhores resultados, a empresa fica com custos operacionais menores e, trabalhando on air, pode-se contratar pessoas do mundo inteiro, obtendo um espectro maior e melhor de pessoas. Todo mundo ganha. Estamos muito empolgados, o projeto começa até o fim do ano que vem e ficou maravilhoso.

OP - O que significa a sua participação atual no projeto Gerando Falcões?

Guilherme Benchimol - Sou parte do Conselho, junto de outros nove empresários. Conheci o Edu Lyra há alguns anos, ele é um cara extraordinário, uma grande inspiração. Ele nasceu na favela, a família dele é extremamente humilde, o pai dele era assaltante de banco e teve a infância e adolescência inteira visitando o pai na cadeia. E ele decidiu que não queria isso, mas deixar a comunidade dele melhor. Se aproximou do Jorge Paulo Lemann e através do Jorge se juntou a outros empresários e são esses dez ao todo, que financiam essa iniciativa, que é exterminar a favela, acabar com a miséria no Brasil. E a gente conversando, o que limita uma frente como essa é o orçamento. Hoje o orçamento do projeto é de R$ 50 milhões. Se tem orçamento R$ 100 milhões faz mais, de R$ 200 milhões, mais ainda e assim por diante. Então, conversando, decidimos que seria interessante construir um projeto de verdade, que trouxesse sustentabilidade e veio a ideia de montar um bazar, que pudesse convencer as pessoas a doar aquelas coisas que elas não estão usando mais e que acabam acumulando nas nossas casas e não têm valor de verdade. Essas pessoas doam para o bazar, o time do Edu faz uma triagem e consegue vender a preços muito competitivos na comunidade onde estão presentes. Assim, ele consegue fazer um lucro social que vai contribuir com o objetivo de terminar com as favelas. Esse é um projeto que não tem lucro que vá chegar ao bolso do acionista, mas todo lucro é revertido para fazer o bem. Então achamos que conseguiremos nos próximos anos montar uma rede de mil lojas, esse é o sonho do Edu, em cinco anos ter mil bazares e vem sendo um sucesso. Porque convencer as pessoas a doar aquilo que elas não usam é mais fácil do que botar a mão no bolso e doar dinheiro. No Brasil, a filantropia ainda está engatinhando. (Colaborou Samuel Pimentel)

 

Filantropia

PROJETO Para realizar algum tipo de doação ou entender melhor como funciona o projeto Gerando Falcões, o site é gerandofalcoes.com

 

Do aeroporto

PÚBLICO A entrevista durou 54 minutos e foi transmitida pelas redes sociais do O POVO na noite da última quinta-feira, 3. Parte das perguntas foram enviadas pelo público. Dentre os que enviaram, Ivens Dias Branco Júnior, Jorge Pinheiro, Bruno Cals, Célio Fernando Melo, Geraldo Luciano, Lauro Fiúza Neto e Delano Macêdo.

 

Live

MENSAGEM Guilherme mandou uma mensagem para o repórter às 17h8min avisando que daria a entrevista do aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte. Ele embarcaria logo em seguida, às 19 horas.

 

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