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Da II Guerra na Alemanha à TV esportiva no Brasil: a vida de Gerd Wenzel
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Da II Guerra na Alemanha à TV esportiva no Brasil: a vida de Gerd Wenzel

Pioneiro das transmissões da Bundesliga na TV brasileira, o alemão remontou os 65 anos no País, as dificuldades em Berlim Oriental e admitiu que hoje o "desvario" faz com que pense em voltar para a terra natal
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Comentarista alemão Gerd Wenzel, ex-ESPN Brasil e atualmente na OneFootball, foi personagem do documentário
Foto: Divulgação/Meu Amigo Alemão Comentarista alemão Gerd Wenzel, ex-ESPN Brasil e atualmente na OneFootball, foi personagem do documentário "Meu Amigo Alemão", de Paulo Júnior

Gerd Wenzel diz que foi "a sorte ou a providência" quem fez com que nenhum míssil dos Aliados, ao final da II Guerra Mundial, atingisse o prédio onde nasceu em Berlim, 1943. Confessa ainda a "sorte danada" de ter vindo parar, quase que por acaso, no Brasil logo antes da ascensão de Bossa Nova e Cinema Novo. Foi outro golpe do destino que o fez escolher torcer para o Santos-SP ainda em 1955, um ano antes da estreia do Rei Pelé.

Com 77 anos de vida e 65 de Brasil, o alemão mais famoso das transmissões esportivas brasileiras nasceu em plena Alemanha nazista, cresceu na Berlim comunista, foi preso pela ditadura brasileira e admite que a terra que adotou como casa a cada dia traz mais melancólicos ecos do totalitarismo que combateu durante toda a existência. "Eu carrego comigo esse fardo de ter que conviver com o desvario que acomete o Brasil", diz, ao pedir que os jovens se mantenham combativos.

A trajetória calejada, porém, não cala mente e voz marcantes. Quando muitos pensam em aposentadoria, Gerd não teme alçar novos voos. Na TV desde 1991, quando estreou ao vivo na TV Cultura sem nunca antes ter participado de transmissão televisiva, completou quase 30 anos de carreira quando resolveu trocar de mídia. Hoje, o foco é naquilo que ele vê como o futuro: o streaming. Aos 77 anos, o mais brasileiro dos alemães tem coluna no Deustche Welle, comenta jogos no aplicativo OneFootball e recebeu O POVO para longo papo sobre agruras e prazeres na ponte aérea Berlim/São Paulo. (André Bloc e Afonso Ribeiro)

O POVO - Como foi a sua vida até chegar ao Brasil?

Gerd Wenzel - Eu nasci em 1943, em Berlim, durante a II Guerra Mundial, na época em que Berlim começou a sofrer bombardeios aéreos direto por parte dos Aliados. Na realidade, desde que o exército de (Adolf) Hitler foi derrotado em Stalingrado (União Soviética), a Alemanha vinha perdendo a guerra. Ainda assim, mesmo com uma derrocada atrás da outra, a guerra ainda durou dois anos. Com o resultado de que a Alemanha foi praticamente destruída, e a minha cidade, Berlim, teve 60% dos prédios destruídos. Então, centenas de milhares de pessoas ficaram sem moradia. Não foi o nosso caso. Nosso prédio de "apertamentos" não foi atingido, mas, em compensação, o prédio exatamente em frente foi atingido em cheio por um avião inglês que explodiu. Por sorte ou por providência, não atingiu o prédio onde nós morávamos.

Então, em Berlim, eu passei toda a minha infância e a minha adolescência. Quando houve a divisão da cidade, em 1949, quando os Aliados — Estados Unidos, França, Inglaterra e, na época, União Soviética — decidiram dividir a cidade, dividiram em duas grandes zonas de ocupação: Berlim Oriental, que ficou com os soviéticos, e Berlim Ocidental, que ficou com os Aliados ocidentais. O nosso prédio ficou em Berlim Oriental. Todo o regime que se instalou na Alemanha Oriental, stalinista — falam até que a Alemanha Oriental era mais stalinista do que o próprio regime da União Soviética, era linha dura mesmo —, e nós acabamos morando nessa parte da cidade porque nossa moradia era lá. Na época, no começo de 1950, aquela "amizade" que havia entre Estados Unidos e União Soviética por derrotar o nazismo se transformou em uma Guerra Fria durante décadas. Havia uma tensão permanente porque a qualquer momento podia se imaginar que essa Guerra Fria acabasse se transformando em uma "guerra quente" mesmo.

O POVO - E ali era um palco especialmente tenso, né?

Gerd Wenzel - A fronteira entre o Ocidente e o Oriente se deu exatamente em Berlim. Então, Berlim passou a ser, inclusive, um antro de espionagem. Espionagem dos russos em Berlim Ocidental e dos americanos, ingleses e franceses em Berlim Oriental. Sem contar que havia agentes duplos, que serviram às duas potências, com consequências catastróficas para eles. Por conta dessa Guerra Fria, a minha mãe tinha um contato no Brasil. Ela estabeleceu esse contato porque, na sua juventude, trabalhou para uma família judaica em Berlim. Minha mãe era governanta dessa casa, eles eram ricos, tinham muito dinheiro. Essa família judaica, percebendo que, a qualquer momento, o nazismo, na pessoa de Adolf Hitler, pudesse assumir o poder na Alemanha, resolveu vir para o Brasil. Vendeu tudo que tinha e veio para o Brasil, se estabeleceu aqui, em São Paulo. E nunca perdeu o contato com os meus pais.

Inclusive, antes da II Guerra, o patriarca dessa família escreveu para a minha família, dizendo: "Olha, vai estourar uma guerra aí. Venham para cá que nós vamos dar um jeito na vida de vocês, vocês podem vir para o Brasil". Minha mãe até tinha uma boa ideia, mas meu pai nunca quis vir para o Brasil. Ele tinha um emprego relativamente bom antes da Guerra, então nunca se interessou por vir ao Brasil. Veio a guerra, o contato por cartas mais ou menos se perdeu, mas foi retomado a partir da década de 1950.

No começo da década, meu pai faleceu em decorrência de uma pneumonia. O seu pulmão já estava muito enfraquecido por conta também de sequelas da guerra e acabou falecendo em 1952. Em 1953, o patriarca da família judaica veio a Berlim e nos convidou para tomar um chá em um dos hotéis de Berlim Ocidental. Naquela época, você tinha liberdade de movimento: as pessoas que moravam em Berlim Oriental podiam visitar Berlim Ocidental e as pessoas que estavam em Berlim Ocidental podiam visitar os seus amigos em Berlim Oriental. Não havia muro ainda, havia livre trânsito entre as duas partes da cidade.

Então, eu e minha mãe fomos lá. Esse senhor nos disse o seguinte: "Olha, gente, vai acontecer o seguinte: essa Guerra Fria pode se transformar em uma 'guerra quente', a Europa pode se transformar novamente em um cenário de guerra, e eu convido vocês a virem ao Brasil para escaparem de uma eventual nova catástrofe que pode se abater sobre a Europa". E é por isso que nós acabamos vindo para o Brasil.

O POVO - O que você conhecia do Brasil enquanto morava na Alemanha?

Gerd Wenzel - Eu era adolescente. Na época, quando nós viemos, eu tinha 12 anos. Nada. Nós não sabíamos nada. A única coisa que eu sabia do Brasil é que existia aqui, particularmente no Rio de Janeiro, um time chamado Madureira. Que nós alemães chamávamos de "Madurreirra" (fala com sotaque). E por que eu sabia disso? Porque o Madureira, de vez em quando, fazia uma excursão para a Europa. E em uma dessas excursões fez um jogo em Berlim Oriental, no estádio que ficava perto da minha casa, e eu fui assistir a esse jogo. Eu nem me lembro com que time da Alemanha o Madureira jogo, eu sei que deu um show de bola e encantou a imprensa e os torcedores. Era um tipo de futebol artístico, que os alemães não estavam acostumados a ver. E o Madureira deu uma sapatada, não sei se foi 4 a 1 ou 5 a 1, encantou e abriu as manchetes dos jornais de Berlim.

Então, meu único contato com o Brasil, até eu chegar aqui, em agosto de 1950, é que tinha um time chamado Madureira. Inclusive, o assessor de imprensa do Madureira, no ano passado, fez uma matéria comigo exatamente sobre este assunto.

O POVO - Você já acompanhava ou tinha alguma relação com o futebol na Alemanha?

Gerd Wenzel - Não. Quer dizer, todo moleque joga futebol de rua, e eu jogava, mas não acompanhava. Eu não tinha uma relação forte com o futebol. Por quê? Porque nós tínhamos outras preocupações. Nós tínhamos preocupação de sobrevivência, de reconstruir o país, com o regime comunista, que espionava as pessoas que eventualmente queriam fugir para a Alemanha Ocidental... Porque, não nos esqueçamos, era uma ditadura mesmo, onde não havia liberdade de imprensa, havia um partido único. Havia uma situação muito opressora na Alemanha Oriental. E é por isso que falam que o comunismo, stalinismo, que se estabeleceu na Alemanha Oriental foi muito pior do que na própria União Soviética.

Íamos ao estádio de futebol para ver um ou outro jogo quando podia, o dinheiro também estava curto, não havia muita possibilidade. Enfim, a nossa preocupação não era essa. A preocupação era outra: sobreviver e se preparar, a partir de 1954, para sair do país.

Como é que nós saímos do país? Com uma malinha na mão, pegamos um metrô de Berlim Oriental para Berlim Ocidental. A única preocupação era que, talvez, na última estação em Berlim Oriental, poderia haver um controle para verificar se havia pessoas com intenção de fugir, se havia uma malinha a mais, se tinham alguns pertences a mais. Isso não aconteceu, e a gente acabou conseguindo fugir.

O POVO - Vocês vieram para um país com realidade totalmente diferente. Como foi a adaptação?

Gerd Wenzel - A minha mãe já tinha 55 anos. Eu tinha 12. Ela teve dificuldade de se adaptar, mas foi logo resolvido porque encontrou um grande círculo de pessoas que falavam alemão. Há uma comunidade alemã, uma comunidade da então Iugoslávia, havia húngaros. E essas pessoas da Europa Oriental que tinham imigrado para cá falavam alemão. Então, a minha mãe encontrou alguma facilidade porque encontrou a sua bolha. Na realidade, ela nunca se integrou muito ao Brasil porque encontrou uma bolha de pessoas que falavam alemão.

Eu não. Fui para uma escola brasileira, Colégio Paes Leme, em São Paulo. Nessa escola brasileira, não havia uma única pessoa que falasse um "a" de alemão. Naquela época, havia um curso chamado de admissão ao ginásio. A gente tinha que fazer um cursinho que era de admissão ao ginásio, que era a última parte do ensino fundamental e a primeira parte do ensino médio. Era uma espécie de vestibular para poder frequentar o curso ginasial. Ora, eu havia chegado em agosto e comecei a fazer esse curso em setembro, sem falar português. Eu tinha uma memória muito boa, então eu decorava muito. Eu tenho um ouvido muito bom, inclusive toco instrumento, toco acordeão e teclado.

Então, o que me facilitou foi meu ouvido e eu aprendi a falar português pelo ouvido. Aprendi rapidamente, inclusive história do Brasil, geografia. Quando eu prestei esse vestibular ao ginásio, as respostas sobre história do Brasil, por exemplo, era na base da "decoreba". Eu havia decorado os principais fatos históricos e geográficos do Brasil, mesmo sem entendê-los completamente, e acabei passando. Fiz todo o meu estudo em português. Na época, eu até perdi um pouquinho o meu idioma materno porque eu só falava alemão em casa, com a minha mãe.

Eu dou até graças por ter estudado em uma escola brasileira, porque o meu português de hoje, o vocabulário que eu tenho, devo ao fato de ter estudado desde o começo em uma escola brasileira. Provavelmente, se estivesse em uma escola alemã, que tem três boas em São Paulo, eu não teria o português que eu tenho hoje e com o qual eu me relacionei por toda a minha vida. Tanto que eu digo que eu falo melhor português do que falo alemão, por conta disso. E aí deu-se toda uma adaptação.

Eu fui muito privilegiado na minha juventude, porque acompanhei todo o movimento da Bossa Nova, o Cinema Novo brasileiro, convivi com esse Brasil do (ex-presidente) Juscelino Kubitschek, onde havia a esperança e o futuro que estava chegando, toda uma expectativa de que agora pudesse se estabelecer a democracia de verdade. Era esta época, entre 1965 e 1973, que a gente vivia, com teatro brasileiro e toda essa explosão cultural que teve. E eu tive o privilégio de vivenciar isso.

O POVO - Em quais outras profissões você atuou até virar comentarista?

Gerd Wenzel - A minha história na juventude tem um capítulo que muitos até estanham quando eu conto. Durante a juventude, a gente está sujeito a alguns impactos, alguns fatos da vida, porque a gente procura objetivo, um ideal. E eu acabei achando esse ideal, na minha juventude, na Igreja Presbiteriana do Brasil. E tomado por um ideal de levar uma mensagem de esperança ao brasileiro, acabei optando por fazer um curso de Teologia. Fiz a faculdade de Teologia, em São Paulo, me formei e fui ser pastor de uma igreja aos 25 anos, em Governador Valadares, no norte de Minas Gerais, a convite de um amigo que eu acabei conhecendo durante os meus estudos. Acabei conhecendo, através dessa minha atuação e desse meu trabalho nas igrejas, no interior do Brasil... O que eu conheci do Brasil foi graças a esse trabalho que desenvolvi de palestras, de pregações. Conheci o interior de São Paulo, o Nordeste, Recife, Salvador, Caruaru, Fortaleza, Teresina, Natal... Andei por toda essa região fazendo palestras.

Naquela época, em 1966, 67 e 68, dentro da Igreja Presbiteriana, houve um movimento extremamente conservador, já na esteira do Golpe Militar de 1964 e, depois, na esteira do AI-5 (Ato Institucional nº 5, o mias repressivo mecanismo contra o direito de expressão durante a ditadura), de 1968. Então, houve um fechamento da igreja para um evangelho social. Era isso que a gente propunha, um evangelho social que atendesse as especificidades dos desvalidos. Particularmente na Igreja Presbiteriana de Governador Valadares, onde eu atuei durante pouco tempo, a nossa proposta era, com a juventude e com professores, aplicar o método de alfabetização de Paulo Freire para adultos. Vocês podem imaginar o que aconteceu, né?

O POVO - No Ceará, houve situação semelhante envolvendo a Igreja Católica e a Teologia da Libertação (corrente cristã ligada aos direitos humanos)...

Gerd Wenzel - A mesma coisa aconteceu no lado evangélico. Todo esse lado extremamente conservador, que nós vemos hoje, tem a sua origem na década de 1960 e 70. Foi quando as históricas igrejas evangélicas endossaram e apoiaram o Golpe Militar, a começar pela Igreja Presbiteriana, Igreja Batista, Igreja Metodista... Todas elas, além de não levantar a voz contra o que estava se implantando no Brasil, com perseguição a seminaristas, pastores, membros da Igreja, endossaram, apoiaram e perseguiram pessoas dentro da igreja que pudessem representar uma oposição ao Regime Militar do Brasil. E entenderam que eu merecia ser perseguido.

Fui acusado de ser comunista, de ser um infiltrado do comunismo internacional, inclusive utilizaram o fato de eu ter nascido em Berlim Oriental, entendendo que eu era um agente infiltrado da Comintern, o movimento Comunista Internacional, para fazer a subversão dentro da Igreja. Bom, resumo da ópera, meu pastorado em Governador Valadares durou oito meses, fui expulso da igreja, em um processo sumário e, meio ano depois, fui preso. Fui levado a Belo Horizonte e submetido a um inquérito policial militar. Graças à intervenção do embaixador alemão na época, que era o von Holleben, e de alguns amigos de dentro da igreja, acabei sendo solto, mas a minha carreira como pastor estava liquidada.

Aí, procurei um emprego como qualquer um costuma fazer. Achei um emprego, primeiro, na Mercedes Benz do Brasil, como assistente administrativo, e depois em outras empresas fui desenvolvendo o meu trabalho na área de comunicação corporativa e marketing. Isso, mais ou menos, durante 20 anos: de 1970 até 1990. Foram 20 anos de trabalho na área empresarial até que surgiu o convite para eu ser comentarista.

Comentarista alemão Gerd Wenzel, ex-ESPN Brasil e atualmente na OneFootball, também grava podcasts
Comentarista alemão Gerd Wenzel, ex-ESPN Brasil e atualmente na OneFootball, também grava podcasts (Foto: Divulgação/Meu Amigo Alemão)

O POVO - Como foi o início da carreira como comentarista? Você já tinha tido algum trabalho nessa área?

Gerd Wenzel - Não, nenhum. Eu nunca tinha trabalhado como comentarista em lugar nenhum. Nem quando eu fui chamado pela TV Cultura. Eu tinha muitos contatos nas empresas por conta do meu trabalho. Tenho um amigo jornalista que trabalhava na Bayer (empresa farmacêutica), o Antônio Alberto Prado, que era diretor de comunicação social e assessor de imprensa. Eu conhecia ele por conta dos meus contatos nas diversas empresas, a gente fazia reunião entre os diversos empresários alemães, discutia isso e aquilo, e eu comecei a ter amizade com o Prado.

Um dia, o Prado me ligou e perguntou: "Ô, Gerd, vem cá, você entende de futebol?", eu falei: "É, sim", aí ele perguntou: "Você acompanha o futebol alemão?", "ah, sim, acompanho um pouquinho". Na década de 1990, não tinha essa facilidade de comunicação que nós temos hoje. Internet nem pensar, e-mail estava surgindo e internet, quando havia, era ligação discada, que nem telefone. Vivia caindo, tinha que discar de novo, havia até o barulhinho da discagem. Negócio de maluco. Aí, o Prado falou: "Gerd, é o seguinte: nós compramos o Campeonato Alemão na TV Cultura por três anos. A TV Cultura estava precisando de patrocínio de 500 mil'. Eu pensei comigo: 'Pô, 500 mil...". Hoje, 500 mil para um patrocínio não é nada. "E eles estão meio perdidos lá porque os comentários vêm em alemão. Tem um rapaz alemão lá, mas ele fala muito mal português, e o José Trajano já está ficando nervoso com ele. O negócio não vai dar certo. Você não quer ir lá e ver? Posso dar teu contato para o diretor de redação?', e eu falei: "Pode". Eu nem estava mais preocupado, falei: "Isso aí não vai dar certo".

Imagina, eu nunca tinha nem entrado em uma TV, agora eu vou para fazer um programa ao vivo? Bom, uma hora depois, o diretor lá TV Cultura, (José Roberto) Domingues, me liga: "Você que é o Gerd Wenzel"?', e eu falei: "Sou". "Conta um pouquinho aí", e eu fui contando. "Olha, vamos parar com essa conversa mole? Só pela sua voz, eu estou contratando você, porque o seu timbre de voz é inconfundível". Eu falei: "Por que você acha isso?", 'Se eu estou falando é porque é. Qualquer pessoa que ouvir você, no dia que encontrar em uma farmácia, no supermercado, e ouve você falando, vai reconhecer. Então, vamos lá. Tem um jogo aí, Hansa Rostock e Duisburg, vem sábado, por favor, chegue uma hora antes e vamos que vamos".

Eu nunca tinha feito um jogo de futebol na minha vida, nunca tinha entrado em um estúdio e nunca tinha feito uma transmissão ao vivo. Começou assim. O Trajano era um comentarista, e eu era o outro. Eu fui contratado, na realidade, mais para traduzir os comentários. O (ex-jogador) Franz Beckenbauer era um dos comentaristas, e eu traduzia um pouquinho, mas, daqui a pouco, também estava fazendo os meus comentários. E tudo começou assim. Isso foi em 1991, em fevereiro. Quer dizer, vou fazer 30 anos de carreira como comentarista esportivo da Bundesliga (próximo ano).

O POVO - Como foi sua relação com o futebol ao chegar ao Brasil? Torcia por algum time?

Gerd Wenzel - Logo que eu cheguei ao Brasil, eu fiz amizade com dois moleques de rua. Um era corintiano e o outro era são-paulino. Analisei um pouquinho os times e vi que não poderia torcer por esses times. "Ah, que time tem mais em São Paulo?", "Tem a Portuguesa, que é da colônia portuguesa", "Eu não sou português". "E o que mais tem?", "Tem o do Palmeiras, da colônia italiana, e tem o Juventus, da italiana também". Eu falei: "Pô, não tem um time de alemão?", "Não, não tem". Mas, em compensação, tinha um jogo naquele final de semana, no Pacaembu, entre Santos e Palmeiras. Isso foi em setembro ou outubro de 1955, nunca vou esquecer. Aí, compramos uma geral, que era o que dava para comprar com a mesada.

Entraram Palmeiras e Santos. O Santos entrou com aquele uniforme todo branco e quando eu vi aquele uniforme, eu me apaixonei por aquele time. E não tinha Pelé. Tinha Manga, Hélvio, Ivan, Ramiro, Formiga e Zito; Alfredinho, Álvaro, Del Vecchio, Vasconcelos e Tite. Era mais ou menos esse time. E esse time deu de 3 a 1 no Palmeiras, e eu falei: "Ah, vou torcer para esse time". Não tinha Pelé, Coutinho, Pepe, Gilmar, Carlos Alberto, não tinha aquele esquadrão que anos mais tarde iria se formar. Eu dei uma sorte danada de torcer para o Santos porque, pelo menos, durante 20 anos mandava e desmandava no futebol brasileiro. Essa foi a minha primeira relação.

A minha segunda relação foi com a seleção de 1958. Na época, a Copa do Mundo não era transmitida pela televisão, era pelo rádio. E a transmissão pelo rádio é muito mais emocionante do que pela TV, porque você imagina o jogo que está rolando. A TV te dá a imagem pronta e é aquilo ali, o rádio não: dá vazão a sua imaginação, você vê o jogo na sua cabeça graças a narradores espetaculares que nós tivemos como Pedro Luiz, Fiori Gigliotti, Geraldo José de Almeida e tantos outros. Por que eu acho que a seleção brasileira de 58 é a melhor seleção brasileira de todos os tempos? Porque eu tenho essa imagem dentro da minha cabeça.

Foi a primeira vez que o Brasil levantou um título. Eu fiquei tão emocionado naquele último jogo, Brasil x Suécia, que de tanto gritar em casa eu nem ouvi o quinto gol, o gol do Pelé, no último minuto. Aí, eu cheguei nos meus amigos e falei: "Pô, legal, o Brasil fez 4 a 2", "Que 4 a 2, rapaz, ganhamos por 5 a 2". Então, foi uma loucura.

E a minha tese de que essa foi a maior seleção brasileira de todos os tempos tem um argumento que, para mim, é irretocável e inconteste: quatro anos depois, a mesma seleção, exceto três posições — Mauro no lugar do Bellini, Zózimo no lugar do Orlando e Amarildo no lugar do Pelé —, foi bicampeã sendo quatro anos mais velha. E quatro anos a mais para um jogador de futebol fazem muita diferença.

O POVO - E como foram as comemorações com os títulos da Alemanha, em 1954 e 1974?

Gerd Wenzel - Eu 54, eu tive de comemorar discretamente. Por quê? Por causa dessa maldita divisão entre Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental, nós, que estávamos na Alemanha Oriental, éramos proibidos de torcer para a Alemanha Ocidental. Eu me lembro até de uma aula que eu tive uns dois, três dias antes do jogo Alemanha Ocidental x Hungria em que o professor insistia: "Olha, nós temos que torcer para os nossos irmão húngaros". Eu falei: "Como assim irmãos húngaros?", porque moleque não tem noção dessa questão ideológica. Os regimes totalitários tentam abarcar o esporte para fazer prevalecer a sua ideologia. Mas a gente queria mesmo era torcer para a Alemanha ser campeã em cima da Hungria, que tinha um time muito superior à Alemanha, mas não importa.

Então, nós nos escondemos no nosso apartamento, embaixo da mesa da cozinha, pegamos um grande cobertor, colocamos por cima, e pegamos o radinho para ouvir baixinho, sem nenhum vizinho ouvir. A gente acompanhou o jogo por ali e comemorou silenciosamente a vitória da Alemanha em cima da Hungria. Eu sempre brinco que tenho nove títulos de campeão mundial: cinco pelo Brasil e quatro pela Alemanha.

O POVO - Qual era a realidade no início da carreira como comentarista em termos de estrutura e comunicação?

Gerd Wenzel - Tem duas etapas aí: de 1991 a 94, eu estava na TV Cultura. Depois, este trabalho foi interrompido e em 1997 e 98, a ESPN pegou novamente o Campeonato Alemão. Em 2001, o José Trajano me chamou para ser o comentarista titular. De 1991 a 94, a comunicação que chegava para a gente era através de fax e de jornais. Eu tinha um relacionamento com colegas do banco alemão aqui de São Paulo, que, por sua vez, eram amigos de pilotos da Lufthansa (empresa aérea), que traziam jornal do dia para mim, jornais esportivos. Eu me informava através do "pombo-correio", esses pilotos da Lufthansa. Assim, eu podia me informar e também informar os meus colegas de bancada na TV Cultura. A comunicação com os torcedores era através de carta. Vinham dezenas, centenas de cartas à redação dirigidas a mim, ao José Trajano e aos outros colegas que também faziam parte da equipe. Na medida do possível, a gente respondia. Até se estabelecer a internet e o e-mail. A gente não imagina hoje como era a relação do narrador e do comentarista com a torcida. Hoje, através de WhatsApp, Twitter e tal. Na época, demoravam dias para chegar a correspondência e muitas vezes nem tinha condição de responder.

Na segunda fase, já entrava o e-mail. Na ESPN, a gente recebia e-mails na mesa, porque também nós não fazíamos os jogos com laptop, só tinha o monitor de TV e o ponto no ouvido. Então, havia uma pessoa, que a gente carinhosamente chamava de Bigode, que recolhia todos os e-mails que chegavam e levava um calhamaço para a gente ler durante a transmissão dos jogos. Estes foram os tempos pioneiros da Bundesliga.

O POVO - Como foi ser um alemão no Brasil no dia do 7 a 1, na Copa de 2014?

Gerd Wenzel - Eu fiquei atônito. Eu fiz esse jogo de stand-by com o Cledi Oliveira. Se por acaso a transmissão caísse, a ESPN era tão bem estruturada que sempre tinha uma dupla de stand-by no estúdio, porque às vezes o áudio cai mesmo, e a imagem não cai. No começo do jogo, eu falei: "É, meu amigo, acho que agora a Alemanha vai dar adeus à Copa do Mundo", e ele (Cledi) falou assim: "Que é isso, Wenzel? Você não está acompanhando a Copa do Mundo direito, não? A Alemanha está dando show de bola". "Não, passou com dificuldades pelos Estados Unidos e pela Argélia. O Brasil também teve dificuldades, mas hoje, jogando em casa, no Mineirão, vai ser complicado para a Alemanha".

Eu não tenho a minutagem na cabeça, mas parece que aos 25, 30 minutos do primeiro tempo já estava 3 a 0 ou 4 a 0. E eu, assistindo lá, com o Cledi, só ficava olhando para ele. "O que que tá acontecendo aqui, gente? Cadê o Brasil? Cadê o Brasil?". Porque, na realidade, a Alemanha jogou contra o vento. Ela não jogou contra a seleção brasileira, isso que é o pior. Jogou contra o nada. Essa foi a impressão que ficou. Porque, no meu imaginário, a seleção brasileira é uma baita de uma seleção, está gravado aqui. Eu não acredito no que estava vendo, essa é a realidade. Virou 5 a 0. O segundo e o terceiro gols ou o terceiro e o quarto foram praticamente jogadas idênticas, a defesa brasileira se abria como o Mar Morto se abriu naquele mito de Moisés para o ataque alemão passar incólume. Esta foi exatamente a impressão que eu tive, 5 a 0 no primeiro tempo, jamais se viu coisa igual.

Eu soube depois, através de colegas, que a direção da seleção alemã pediu muita calma aos jogadores, não fazer nenhuma gracinha, respeitar o Brasil, que é o país do futebol e precisa ser respeitado, e jogar seriamente, mas sem forçar. Só que (risos) entrou o Schürrle, que não quis nem saber. Porque o placar era para terminar 5 a 0 mesmo, ou eventualmente 5 a 1, 5 a 2, porque, em sã consciência, ninguém poderia imaginar que o Brasil fosse capaz de uma reação tamanha que pudesse virar o jogo. E o Schürrle vai lá, contrariando mais ou menos as ordens do vestiário, ainda fez dois gols e sacramentou o 7 a 1. Quando eu conto essa história, continuo atônito até hoje. Também pela vitória, claro, mas atônito pelo nada que o Brasil apresentou. O Brasil não jogou.

O POVO - Depois do 7 a 1, debateu-se muito as diferenças entre o futebol brasileiro e o futebol alemão. Como você enxerga isso?

Gerd Wenzel - O futebol alemão também tem seus problemas. Hoje, falando especificamente da seleção alemã, parou no tempo. Tanto parou no tempo que levou uma sapatada na Copa de 2018 (eliminado na primeira fase) e nada aconteceu. E, recentemente, levou uma sapatada da Espanha por 6 a 0 e também nada aconteceu. Então, existe um lobby na seleção alemã em torno do Joachim Löw e do Oliver Bierhoff, que é o manager. Não sei bem o que faz um manager... Reserva hotel, reserva passagem de avião? Não sei bem. Manager? E estão estabelecidos lá, têm um lobby muito grande e ninguém tem coragem de demiti-los. Já depois desse descalabro de 2018, os dois deveriam ter sido sumariamente demitidos para fazer um trabalho novo, começar da estaca zero na seleção alemã. No entanto, não foram. E eu não entendo por quê. Perdeu-se uma grande oportunidade.

O POVO - E a escola de técnicos alemães vive um bom momento, tem outras opções.

Gerd Wenzel - Tem, mas pergunta se um desses técnicos quer trabalhar com os burocratas da federação alemã de futebol. Não quer. O Jürgen Klopp quer trabalhar com a federação alemã de futebol? Não quer. O Thomas Tuchel quer? Não quer. O Julian Nagelsmann? Não quer. Eles não querem porque há uma burocracia incrustrada na federação alemã de futebol, um tanto quanto parecida com a do Brasil (CBF). Nada muda.

Em termos de clubes, os seis times alemães, os quatro da Champions League e os dois da Liga Europa, todos passaram e estão nas oitavas de final. Talvez nem todos passem pelas quartas, mas um ou dois vão para alguma semifinal, com grande probabilidade. Por quê? Porque têm técnicos competitivos, capacitados. Só que esses técnicos capacitados podem realizar o seu trabalho, é muito mais gratificante você ver o seu trabalho sendo desenvolvido no clube. Você tem tempo para trabalhar, pode formar o seu elenco, tem voz ativa na contratação de jogadores e pode fazer um plano de trabalho de, pelo menos, dois, três anos.

Veja o exemplo do Lucien Favre, do Borussia Dortmund. Tinha um contrato de três anos, teve dois anos para trabalhar. No entanto, nessas duas temporadas, não ganhou nada. Ele ganhou uma Supercopa da Alemanha, que não é nada, é um jogo. Aí, ele tem orgulho de ter dois vice-campeonatos. Amigo, vice-campeonato não é título, é vice. Para com isso. No entanto, nas entrevistas coletivas, ele achava que "Não, estamos fazendo um bom trabalho, estamos chegando em um bom caminho". Que bom caminho? O Borussia Dortmund tem um baita de um elenco, tem não sei quantos talentos jovens, prontos para estourar no mercado e em campo, no entanto, é um futebol que...

Há dois dias, me leva uma sapatada de 5 a 1 de um Stuttgart recém-chegado da Segunda Divisão. O que acontece? Aí, sim, foi demitido. Só que agora essa batata quente vai estourar na mão do técnico assistente, Edin Terzic, que vai ter que se virar para, pelo menos, colocar a casa em ordem e colocar o Borussia Dortmund em uma das vagas da Champions League. Então, as coisas não são tão diferentes na Alemanha, quando a gente fala de seleção, do que são no Brasil.

Existe uma corriola também na Alemanha, que um protege o outro, e fica mais ou menos tudo por isso mesmo. Fora alguns interesses até de agentes de jogadores, que podem também ter o seu papel. Porque o mercado virou bilionário, é um absurdo. Os salários de jogadores na Europa são um absurdo. Tem um jogador no Bayern de Munique, por exemplo, que é o (David) Alaba, que está pedindo 20 milhões de euros por ano. Faz as contas. Vinte milhões de euros por ano. Dez milhões de euros por ano já é um absurdo. Um milhão de euros por ano já é um absurdo para um jogador de futebol. Então, há uma inflação, uma espiral inflacionária no futebol internacional que a gente deve ter um olhar mais crítico em vez de ficar festejando aí os Cristianos Ronaldos, os Messis, os Lewandowskis, os não sei mais quem.

O mundo vive uma pandemia, uma situação dramática, há uma catástrofe humanitária se aproximando no Brasil, nos Estados Unidos, na própria Alemanha. Então, vamos colocar um pouquinho os pés no chão e sair dessa bolha bilionária que é movimentada pelo futebol.

O POVO - No Brasil, em meio à pandemia, houve lobby para que houvesse liberação de público nos jogos de futebol.

Gerd Wenzel - O Brasil é um caso sui generis (incomum) nesse sentido, porque, pelo menos na Alemanha, o Governo agora decretou lockdown até o dia 10 de janeiro. Por que o futebol não é atingido? Porque o futebol provou, e isso precisa ser dito também — a Liga alemã, não estou falando da federação alemã, engloba apenas três divisões e 54 clubes profissionais —, tomou procedimentos e protocolos que estão dando rigorosamente certo. Não há nenhum hotspot de coronavírus em nenhum dos clubes alemães, apesar de estarem disputando o campeonato normalmente. Um ou outro jogador, quando infecciona, imediatamente é isolado e há uma série de testes com todo o elenco. Mas, a rigor, o único clube que foi mais atingido pelo Covid-19 foi o Hoffenheim, que teve, em intervalos diferentes, ao todo, quatro jogadores atingidos. Nenhum outro clube foi atingido nesse patamar.

Houve uma discussão dos ministros e do governo alemão sobre o que fazer com o futebol e ficou claro que o hotspot do coronavírus não é no futebol. Então, continua rolando. Se se tornar um hotspot, o campeonato pode ser interrompido a qualquer momento. Mas não se tornou porque os clubes estão levando muito a sério os protocolos sanitários. Por quê? Porque sabem que se não levarem a sério, o campeonato pode ser interrompido, e as cotas televisivas não entram em caixa. Ou seja, além de não entrar em caixa dinheiro do público, que não tem mais no estádio...

Um ou outro grupo se reúne fora do estádio. Outro dia, no jogo Union Berlim x Bayern (de Munique), a câmera mostrou que tiveram fogos de artifícios, um show pirotécnico de fora do estádio. Fiquei sabendo depois que era um grupo de torcedores do Union Berlin festejando o empate com o Bayern. Não entraram no estádio, eram umas 10 ou 15 pessoas.

O POVO - Como foi a decisão de deixar a ESPN Brasil após quase duas décadas e como tem sido a experiência no OneFootball?

Gerd Wenzel - É uma experiência que eu considero revolucionária. O futuro da TV vai ser outro daquele que nós estamos acostumados. Nós vamos ter uma TV on demand. Não vai ser mais aquela TV "Ah, agora está na hora do jornal, está na hora disso, está na hora daquilo". Vai perdurar ainda alguns anos, mas vai deixar de existir porque você vai, daqui a pouco, assistir àquilo que você quer quando você quer. E o streaming é um instrumento revolucionário para isso. Tanto é que já tem SmarTV no mercado há alguns anos. Aí, estes monitores de TV que muitas casas ainda têm não vão ter mais utilidade nenhuma. Porque o futuro, não só no futebol, da comunicação se dá no streaming.

Já há uns dois anos as duas principais TVs públicas da Alemanha, a ARD e a ZDF, têm todo o programa através do streaming ou no seu notebook ou, como eu faço, estendendo a tela do notebook para o monitor de TV. Então, no meu home office, eu vejo os jogos da OneFootball na televisão. A imagem é perfeita. Falam muito: "Ah, não é a mesma imagem, fica interrompendo muito". Olha, o sinal que nos é mandado pela OneFootball... E eu vi jogos antes de assinar o contrato com eles, analisei, avaliei, troquei ideias com muitos amigos, e eu saí da ESPN por livre e espontânea vontade, rescindi meu contrato com ESPN porque eu quis, porque eu entendo que esse é o futuro da TV, não apenas esportiva.

Hoje, qualquer programa de TV internacional que tenha streaming, eu vejo claramente e cristalinamente no meu monitor de TV. Não vamos precisar mais de programas enlatados e comprar pacotes completos que nós nem queremos. Eu nem tenho TV a cabo em casa mais, porque os pacotes da TV a cabo têm 500 coisas, das quais eu só preciso de uma, mas pago por 500. Então, não me interessa. Não tenho mais interesse. Eu sou um defensor da primeira trincheira que, no futuro, nós vamos ter uma TV totalmente diferente daquela que nós conhecemos e feliz daquela emissora que já fornece os seus programas pelo streaming, porque estará diversos passos à frente dos concorrentes diretos.

Claro que há problemas de áudio, da internet brasileira, mas, surpreendentemente, o sinal que a OneFootball manda para a minha casa, em que eu vejo os jogos sem estar comentando, nunca, nessas 11 rodadas — e eu vi muitos jogos, a transmissão da OneFootball é (originalmente em) inglês, não precisa nem ouvir a gente —, caiu. Ao contrário do que acontece, muitas vezes, com a própria TV brasileira.

O POVO - Você tem ou já teve vontade de voltar à Alemanha em algum momento desses anos todos no Brasil?

Gerd Wenzel - Eu tenho, sim. Eu tenho porque o que eu estou presenciando no Brasil faz muito mal para mim. Me remete a situações que meus pais viveram na Alemanha nazista e que eu, pessoalmente, vivi também na Alemanha comunista. Esse totalitarismo, essa ditadura que vai tomando forma no Brasil, esse desprezo pela cultura, desprezo pelas artes, essa homofobia, essa aversão a estrangeiros, essa síndrome que não importa o mundo...

Nós queremos ser párias mesmo, foi o que o ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo) falou. "Não importa, nós fazemos questão de sermos párias do mundo". Agora, o Brasil nem convidado foi para uma conferência sobre o clima por conta dos desvairados que estão atualmente governando e já começando a fazer campanha para a eleição de 2022. Então, é preocupante.

Diante disso, eu, há dois anos, logo depois da eleição de 2018, fui para a Alemanha para ver em quais condições eu poderia voltar. Mas é muito complicado, porque o plano de saúde que eu tenho aqui não vale lá, a minha aposentadoria brasileira e os meus ganhos, seja através da Deutsche Welle ou da OneFootball, e com a aposentadoria da minha esposa, não dariam para viver na Alemanha. O custo de vida é mais alto do que no Brasil.

Então, eu carrego comigo esse fardo de ter que conviver com o desvario que acomete o Brasil. E não apenas por parte do Governo, mas por boa parte da população. Infelizmente. O descuidado consigo mesmo, com a própria saúde, o desrespeito para com os outros. Eu saio pouquíssimas vezes de casa, apenas uma vez por semana, vou às 7 horas fazer compra no supermercado, aproveito e passo na farmácia. Mesmo assim, vejo pessoas desrespeitando os outros, não usam máscaras, chegam perto da gente, falam alto perto da gente... Tudo isso porque existe um governo brasileiro que é contra a ciência, contra a inteligência. Ele (Bolsonaro) é até contra o bom senso. E é altamente desrespeitoso com pessoas que pensam diferente, é excludente.

Desse governo fazem parte apenas aqueles que são a favor dele. Aqueles que são contra são descartados, são cancelados. Essa é uma situação que eu jamais pensei que poderia haver no Brasil. No entanto, ela está acontecendo. E são vocês, jovens, que podem fazer algo diferente. Eu já estou no fim da minha jornada. Já combati o bom combate. Agora, é com vocês.

Curiosidades

Visitas a Fortaleza: Logo no início da entrevista, que precisou ser remarcada uma vez e durou cerca de 1h15min, Wenzel contou que visitou Fortaleza em duas oportunidades para eventos corporativos. "Um calor danado", lembrou aos risos.

Terceira entrevistadora: Na reta final da conversa, em meio ao longo discurso sobre a atual realidade do Brasil, o alemão notou que estava sendo atentamente observado pelo cachorro de um dos entrevistadores. "Tem um amiguinho ali, né? Adoro cachorro", divertiu-se.

Jargão: Ao final da entrevista, sorridente e confessando o desejo de visitar Fortaleza para tomar uma cerveja, Gerd Wenzel se despediu com o inconfundível "Tchau, tchaaaaau" das transmissões da TV

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