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Páginas Azuis com Dodora Guimarães: "Sou exatamente o que eu nasci pra ser"
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Páginas Azuis com Dodora Guimarães: "Sou exatamente o que eu nasci pra ser"

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FORTALEZA, CE, BRASIL, 20.02.2021: Curadora e Artista Visual, Dodora Guimaraes (Foto: Thais Mesquita/O POVO) (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita FORTALEZA, CE, BRASIL, 20.02.2021: Curadora e Artista Visual, Dodora Guimaraes (Foto: Thais Mesquita/O POVO)

Às margens do rio Envira, que nasce em território peruano e banha os estados do Acre e do Amazonas, Maria Auxiliadora Guimarães fez-se gente. O "meu rio", como a filha de Francisco e Antônia afeiçoou-se a chamar, ensinou-lhe a velha sabedoria das águas doces: seguir a vida com passos de rio, passos de barco navegando. Rio menina, a pesquisadora e curadora de artes visuais Dodora Guimarães leva consigo os afluentes que encontra.

Bacharel em Comunicação Social e Especialista em Teorias da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará, Dodora Guimarães inventou no cotidiano as artes do fazer — desde 1983, a rio-branquense radicada no Ceará exerce o ofício curatorial com o zelo do acompanhamento crítico, acumulando experiência no âmbito privado e no campo público da gestão cultural. Presidente do Instituto Sérvulo Esmeraldo, organização sem fins lucrativos, Dodora é dinamizadora da obra do marido, o escultor, gravador, ilustrador e pintor Sérvulo Esmeraldo (1929-2017).

Ourives das formas, Sérvulo Esmeraldo desenhou-se nas ruas de Fortaleza ao lado de Dodora. O filho do Crato inseriu o Ceará no mapa das artes contemporâneas ao povoar cidades com obras retas, sinuosas, imperativas. "A minha união com o Sérvulo foi muito em torno dessa inquietação, dessa vontade de tornar possível", partilha a curadora. Hoje, Dodora dedica-se ao irrequieto trabalho de presentear Fortaleza com a sede física do Instituto Sérvulo Esmeraldo — a casa localizada ao número 300 da Avenida Rogaciano Leite, onde Dodora e Sérvulo viveram e construíram família. Expositor do acervo documental do artista, o Instituto Sérvulo Esmeraldo torna-se centro de pesquisa, formação e residência artística. "Ou", ri-se Dodora, "uma praça com paredes, um museu comigo dentro".

O POVO - Voltemos à sua infância no Acre, aos idos de 1950, 1960. Como nasceu sua relação com o Ceará?

Dodora Guimarães - Eu nasci em Rio Branco, no Acre. Fui a primeira pessoa a nascer no Acre no ano de 1954, nasci na Maternidade Bárbara Heliodora. Meu pai era cearense aqui da região norte, de Sobral, da Serra da Meruoca; minha mãe é filha de cearenses, mas cearenses que foram embora antes do apogeu Ciclo da Borracha e minha mãe nasceu na selva mesmo. Meu pai foi para o Acre e conheceu minha mãe no Seringal Quixadá, que era no Rio Acre… Na verdade, o Seringal Quixadá era um engenho de açúcar, de alambique. Quando eu estava com três ou quatro anos, nós fomos para uma pequena cidade no Vale do Juruá chamada Feijó, onde eu fui criada. Minha referência do Acre é Feijó, todo o meu amor, toda a minha história é com essa pequeníssima cidade na beira do rio, incrustada na floresta, que só tinha comunicação fluvial ou aérea. Como Feijó está na beira do Rio Envira, era um ponto de muitos seringais gerenciados por cearenses — os arigós, como eram chamados. Meu pai, um comerciante conversador, transformou nossa casa numa espécie de entreposto de arigós que transitavam para os seringais. Eu construí um Ceará mítico: passavam diversos marreteiros vendendo redes, remédios, ouro e tecidos e eu ficava ouvindo as histórias deles, né? A minha diversão era conhecer as histórias dos arigós, das selvas, dos indígenas, das navegações. Lembro bem que a gente hospedou por muito tempo uma senhora, dona Ana Pereira, que também foi muito importante na minha construção cearense. Ela era uma viúva de Acaraú que fazia redes de pesca e, enquanto tecia as tarrafas, recitava versos porque era apaixonada por literatura de cordel. Pela Dona Ana, eu entrei nesse universo mágico do cordel. Eu também ouvia muitas histórias das bordadeiras e rendeiras do Ceará, sempre amei linhas e panos. Na minha cabeça, todas as mulheres no Ceará pareciam com a Iracema e bordavam! (risos). O Ceará foi sempre muito presente em mim.

OP - Como ocorreu a mudança
para Fortaleza?

Dodora - Com 10 para 11 anos, eu fui para estudar num internato de freiras em Rio Branco e esse foi o destino de todos os meus irmãos, sair de Feijó para estudar. Os filhos estavam todos espalhados e minha mãe sofria muito com isso, a comunicação era difícil... Quando eu tinha uns 16 anos, após uns 40 dias de chuvas em Feijó num inverno bravo, meu pai acordou e falou: "Eu vou na beira do rio e se tiver algum batelão saindo para Manaus, vou botar todo mundo dentro e vão embora". Quando voltou, disse: "Mudança de planos, vai todo mundo de avião para Rio Branco. De lá, seja o que Deus quiser, vocês escolhem se querem morar em Manaus, Belém ou Fortaleza". A sorte foi lançada, viemos para Fortaleza. No último dia 16 de fevereiro, eu completei 51 anos de Ceará. Aqui chegando, minha mãe foi atrás de escolas para todo mundo e eu comecei a estudar no Santa Cecília. Foi ótimo porque sempre fui muito estudiosa, sempre fui muito voltada mesmo para os livros, sempre gostei muito de escrever… Desde pequena eu comecei a inventar histórias, criar, fantasiar e escrever. Tive a sorte de muito cedo descobrir o que eu queria ser na vida.

OP - A escolha de cursar Comunicação Social na Universidade Federal do Ceará (UFC) em 1973, então, foi guiada por esse encantamento com a palavra?

Dodora - Sim, eu queria mesmo fazer Comunicação pelo amor que sinto pelos livros, pelo o que eu gostava de escrever. Na época, no nosso curso você se formava em Jornalismo, Relações Públicas ou Publicidade e foi bom porque eu jamais seria uma jornalista de batente, como dizia a Adísia Sá (risos). Eu sempre escrevi com imagens, sempre escrevi vendo, imaginando, formando, idealizando... Eu sou exatamente o que eu nasci pra ser, que sorte! No quarto ano primário, aconteceu um fato muito decisivo para o que sou hoje: logo nas primeiras aulas, uma professora na disciplina de Português nos solicitou uma redação com tema livre. Eu fiz uma redação sobre um anúncio que vi numa revista, era uma imagem e escrevi olhando para ela. Minha professora corrigiu, me cumprimentou muito admirada e encantada com essa ideia inusitada e eu fiquei fascinada por ser compreendida. Quando finalizei a curadoria da exposição "Admiráveis belezas do Ceará ou desabusado mundo da cultura popular" no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, entendi que era uma homenagem a essa professora e escrevi para ela agradecendo por aquele elogio que me formou. Eu me graduei, então, em Publicidade e Propaganda e trabalhei como redatora publicitária na principal agência local da época até 1979. Em 1980, fui trabalhar em uma agência nacional e eu, que era danada, fazia de tudo. Ao que me consta, eu fui a primeira mulher redatora de propaganda daqui. Com menos de 20 anos eu dirigia rádio, TV, trabalhava com produção…

OP - Em entrevista à equipe de produção da Revista Entrevista de 2013, a senhora afirmou ter se apaixonado por Sérvulo Esmeraldo por meio das obras do artista antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente. Como nasceu essa união, Dodora?

Dodora - A publicidade é uma atividade muito criativa, né? E eu não ficava só dentro da agência criando, eu circulava muito, ia para a televisão dirigir comerciais, fazia produção de fotografia — eu levei o Gilmar de Carvalho para a publicidade! Como sempre estava em exposições e conhecia os artistas, tive contato com a obra do Sérvulo em 1977 por causa de um álbum muito bonito chamado "12 Gravuras Programadas", que ele fez em parceria com o artista Alberon Soares. É uma história até pitoresca porque algumas pessoas estavam comentando que o Sérvulo, que morava na França na época, chegava ao Ceará e se aproveitava de um artista da terra. Uma história completamente absurda! Eu me meti na história e defendi ele (risos). Achei muito interessante a preocupação de um artista que estava se consolidando fora do País em convidar um colega daqui para trabalhar conjuntamente. Depois, ouvi o burburinho sobre a construção do Interceptor Oceânico ou Monumento ao saneamento básico (1978), uma proposta muito ousada que o próprio Sérvulo dizia ser uma obra de engenharia, toda calculada por ele. Eu me apaixonei pelas obras, só encontrei o Sérvulo pessoalmente em 1980. Eu acho que era uma coisa que realmente tinha que acontecer, sabe? Foi um casamento de verdade, foi muito bom para ele e para mim. Foi uma união muito importante, foi um privilégio.

OP - A senhora fundou a Arte Galeria, a primeira galeria voltada para arte contemporânea em Fortaleza, ainda em 1983...

Dodora - Eu logo me interessei muito pelo trabalho do Sérvulo e pensei em criar uma galeria para ele se fixar em Fortaleza, colocar em prática as ideias dele. O desejo do Sérvulo aqui era muito grande, muito grande. Ele tinha muitos projetos para Fortaleza, mas chegou cedo… Nessa ideia da escultura pública, que ele lutou tanto para efetivar, ainda há muitos projetos não efetivados. A grande herança do Sérvulo está no acervo documental que estamos organizando, nos projetos que ele não realizou, nas ideias que ele esboçou e que não foram levadas a cabo porque uma cidade precisa estar preparada para os seus gênios. Aquela mentalidade do cara que chega aqui e vai se aproveitar de um gravador local era a mentalidade do Ceará — e me pergunto se essa mentalidade mudou muito. A minha união com o Sérvulo também foi muito em torno dessa inquietação que a gente partilhava, das mudanças que a gente queria fazer, dessa vontade de tornar possível. É uma eterna batalha tentar preservar as esculturas que o Sérvulo construiu, garantir conservação e restauração… O amor pela obra de arte pública foi o que trouxe o Sérvulo de volta ao Brasil, era o que ele queria fazer naquele momento. Por outro lado, ele estava no auge da pesquisa na Europa sobre os Excitáveis, objetos movidos pela eletricidade estática. Ao optar pelo Brasil, ele abriu mão da pesquisa porque os Excitáveis não funcionavam na nossa umidade do ar. Eles só foram expostos em museus em 2011, na Pinacoteca de São Paulo.

OP - A Arte Galeria, então, formou a senhora enquanto curadora de arte?

Dodora - Sim, eu nasci como curadora na Arte Galeria, que funcionou até 1993. Era na Barão de Aracati, número 80. Aprendi no fazer, na prática. Quando eu decidi abrir a galeria, fui estudar história da arte autodidaticamente. Comprei livros e mais livros, conheci pessoas da área como críticos, curadores, historiadores de arte; viajava com o Sérvulo para as exposições e fui me familiarizando com os museus e os profissionais do setor. O projeto da Arte Galeria foi implantar em Fortaleza uma galeria de arte contemporânea, porque isso não existia na cidade em 1982. A Arte Galeria nasceu vocacionada para arte contemporânea, eu tinha um elenco de artistas contemporâneos que apresentei em Fortaleza como Leonilson, Luiz Hermano, Regina Silveira, Guto Lacaz... Quando eu ia planejar alguma exposição, estudava o conceito e escolhia os artistas que estavam na minha mira. A curadoria é isso: uma escolha e uma defesa dessa escolha. Eu fui aprimorando esse meu conhecimento investindo na pesquisa e no estudo. A curadoria é o meu trabalho, é essa pesquisa em torno de artistas e linguagens — seja para exibir, para fazer uma exposição, para escrever sobre aquele assunto. A curadoria é sempre um acompanhamento crítico. A curadoria é também a missão do cuidar, o cuidado é compreender, transmitir, zelar, acrescentar.

OP - A senhora foi curadora do Centro de Artes Visuais Raimundo Cela entre 1994 e 2002, coordenadora do núcleo de artes visuais da Secult entre 2003 e 2006. Como foi a experiência na gestão pública?

Dodora - Eu entrei na Secretaria da Cultura do Estado do Ceará com o cargo de curadora do Centro de Artes Visuais Raimundo Cela em 1994 e fiquei na Secult até 2006. O Paulo Linhares me convidou com a missão de ativar a galeria do Palácio da Abolição, minha função era dinamizar esse espaço. Nesse período, realizei diversas e importantes exposições em Fortaleza, no interior do Estado e até em Washington (Estados Unidos). Foi uma experiência muito importante, já que eu vinha de uma escala privada e na área pública as demandas e responsabilidades são muito maiores. No Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, realizamos a exposição "Admiráveis belezas do Ceará ou desabusado mundo da cultura popular" com curadoria minha em parceria com muitos artistas. Foi uma exposição muito marcante pra cultura cearense porque foi muito vista, foi muito comentada e deu visibilidade aos trabalhos cearenses. Já em 2001, nós fizemos a 1ª Bienal de Artes do Cariri. Quando eu entrei na Secult, uma das coisas que tomei consciência foi da importância da cultura popular do Ceará como um recurso para a gente ficar em dia com a arte contemporânea; a gente aproveitar essa tradição e trabalhá-la de modo a estar em dia com arte contemporânea com qualidade e com uma bagagem para trás. O trabalho que desenvolvi no Cariri marcou muito meu período na gestão pública, e essa primeira Bienal foi um momento em que os artistas se olharam e se reconheceram como seres criativos em igualdade aos demais.

OP - A curadoria do Sobrado Dr. José Lourenço de 2007 a 2015 também foi sua…

Dodora - Eu estava planejando a exposição dos artistas da Mostra Sesc Cariri de Culturas em 2006 quando vi o Sobrado Dr. José Lourenço. Fui ao Centro e, quando saí de uma loja, vi o Sobrado todo iluminado, a coisa mais linda! Eu estava trabalhando na exposição, mas ainda não sabia onde fazê-la — só já tinha decidido ser em Fortaleza. Quando vi o Sobrado, pensei: "É este o lugar para a Mostra Cariri é Aqui!". Negociei com a Secult e decidimos que a vocação do espaço seria arte cearense; inaugurando com a Mostra Cariri é Aqui. Foi assim que ganhamos o Sobrado para as artes do Ceará. Em 2016, eu me dediquei totalmente à obra do Sérvulo.

OP - Em entrevista ao O POVO, a senhora contestou o título de "guardiã" da obra do Sérvulo Esmeraldo "porque na concepção a guardiã está guardando. Não estou fazendo isso". Qual é o seu ofício diante do legado do artista?

Dodora - Meu ofício é de uma participante muito ativa desse acervo. Primeiramente, a minha relação com o Sérvulo é uma relação de muita vida, sabe? O trabalho do Sérvulo é tão vivo, tem tanta energia, ele é tão presente no trabalho que é como se fosse ele. Eu tenho muita dificuldade para falar palavras como "morte", eu me recuso. Pra mim, tem muita vida no trabalho dele. Mais do que o meu objeto de estudo e de trabalho — porque também é isso —, eu estou sempre descobrindo coisas no acervo documental. Todo o acervo documental do Sérvulo do período europeu hoje está em São Paulo, no IAC - Instituto de Arte Contemporânea; ele foi o primeiro artista a entrar no acervo do IAC ainda em vida. Quando aconteceu a partida do Sérvulo, o IAC me procurou para levar todo o acervo documental para lá, o que seria uma tranquilidade para a família pelo zelo e cuidado impecável da instituição. Mas, para mim, importa muito esse acervo de tudo o que foi produzido antes e depois de Paris estar no Ceará. Seria uma perda cultural, já que o que o Sérvulo fez no Brasil pertence ao Estado. É uma fonte de pesquisa enorme, uma referência! O trabalho tem um sentido simbólico enorme. Além disso, nós seguimos descobrindo coisas porque o acervo de um artista é um ser vivo. Um outro dia, as moças estavam trabalhando no acervo de joias do Instituto Sérvulo Esmeraldo e eu peguei uma maquete de uma peça. Quando eu viro, por acaso, encontrei escritos com a letra dele o título "Cometa". Na época da restauração da "La Femme Bateau", eu estava finalizando um catálogo (lançado na XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará em 2019) e estava folheando uma pasta de textos manuscritos do Sérvulo. De repente, encontrei uma carta dele contando aos amigos que estava fazendo a "La Femme Bateau" na praia e escreveu a frase: "Ela é a Femme Bateau , cuja missão é a de nos conduzir de 1993 para 1994 com segurança, coragem, fantasia e esperança". Que lindo! Museu é um sistema vivo.

OP - O artista visual Hélio Oiticica declarou que o "museu é o mundo; é a experiência cotidiana". Hoje, a senhora preside o Instituto Sérvulo Esmeraldo. Como esse acervo se atualiza? Qual é o maior interesse da instituição cultural?

Dodora - O interesse do Instituto Sérvulo Esmeraldo é mais do que preservar a obra do Sérvulo — é divulgá-la, torná-la conhecida, estudada, pesquisada, fazer essa obra circular. Eu sou dinamizadora da obra, desse legado maravilhoso que é composto por mais de dez mil documentos e reúne o histórico do Sérvulo como ilustrador e gravador, os catálogos de exposições, clippings de imprensa, projetos de estruturas, matrizes de gravuras, cadernos de anotações, um mundo. O Instituto Sérvulo Esmeraldo existe desde 2013 e agora estamos reformando a casa para ela se tornar também um museu, um museu comigo dentro! (risos). Eu espero contar com o apoio da Cidade, das instituições públicas, das universidades porque este é um presente que Sérvulo e eu damos para Fortaleza.

OP - Diversas esculturas do Sérvulo integram a esfera pública de Fortaleza. Como o Instituto tece diálogos com as secretarias da Cultura para preservar essas obras?

Dodora - Eu fiz uma visita ao atual vice-prefeito Élcio Batista, que me levou ao novo secretário da Cultura de Fortaleza, Elpídio Nogueira. Convidei Élcio, Elpídio e o secretário da Cultura do Estado, Fabiano Piúba, a visitarem o Instituto e eles vieram conhecer. O secretário Elpídio me garantiu que a pasta está estudando como resolver o problema da "La Femme Bateau" (obra que naufragrou em 2018 e ainda não foi recolocada na Praia de Iracema), que é uma demanda da Cidade. Do meu lado, eu procurei o engenheiro Raimundo Calixto, especialista em estruturas metálicas, e encomendei um estudo sobre a situação da pilastra onde a "La Femme Bateau" é alocada para compreendermos a viabilidade da reinstação da obra. Outra novidade é que, ainda na gestão do ex-secretário Gilvan Paiva, a Secultfor me procurou para informar que será feita uma licitação para o restauro do Interceptor Oceânico e do Monumento ao Jangadeiro na Avenida Beira-Mar. O meu temor é que, nessas licitações, vê-se sempre o menor preço e isso é complicado para obras de arte. Mas eu conversei com o Elpídio e solicitei acompanhar todo esse processo para que a gente não perca essas esculturas, para que os restauros sejam realizados de acordo com os projetos. Nós ainda temos um problema na escultura do Sérvulo na praça de entrada do Campus da UFC no Pici, "Quadrados", que foi encoberta por abrigos de concreto das paradas de ônibus. O secretário Elpídio me disse que o prefeito tinha conversado com ele e pedido rapidez na resolução disso, então eles chegaram atentos. O que eu desejo do poder público, nesta atual gestão, é prioridade à conservação do nosso patrimônio histórico e artístico. A situação não pode continuar assim… Eu não falo só do Sérvulo, eu falo de todo o nosso patrimônio cultural. Do Sérvulo, tem uma pessoa muito atenta e ainda assim não se dá conta...

OP - Por fim, qual é o papel da sociedade na valorização da obra de arte enquanto patrimônio cultural?

Dodora - O problema todo passa pela educação, pelo conhecimento, pela sensibilização. Eu acredito que, se nós conservarmos esses bens públicos — com iluminação adequada e identificação, por exemplo — a história será respeitada. Essa educação voltada para os bens públicos, históricos e artísticos é muito necessária. As instituições públicas têm o dever de oferecer essas condições à população. Acredito que a população, com ações dessa natureza, tende a ser receptiva. O que a gente conhece, a gente gosta; o que a gente gosta, a gente respeita. Eu acho que a gente deve cobrar isso dos nossos governantes, porque a gente precisa cultivar a cultura de respeito patrimonial. A gente não pode se conformar com essa história que no Ceará ninguém dá valor a nada, que tudo é passageiro. As obras de arte ficam para a eternidade.

 

Memória

BRUNA FORTE E RENATO ABÊ foram a equipe de produção responsável pela entrevista do artista visual Sérvulo Esmeraldo publicada na Revista Entrevista número 30, em 2013. À época estudantes do sexto semestre do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), os dois realizaram, com a supervisão do professor Ronaldo Salgado, longas entrevistas com Dodora e Sérvulo. Nas Páginas Azuis com Dodora Guimarães ao O POVO, Bruna Forte assina o texto e Renato Abê, a edição do material. Ao mestre Ronaldo, nosso agradecimento por sempre instigar ao ofício do reportar. Ao saudoso Sérvulo, nosso carinho.

 

Artista

SÉRVULO ESMERALDO (Crato, 1929-Fortaleza, 2017) foi escultor, gravador, ilustrador e pintor. Expoente da arte contemporânea, o marido da curadora Dodora Guimarães é reconhecido como um dos maiores artistas brasileiros.

 

Instituto

O VIDA&ARTE apresenta um passeio pelas obras, planejamentos e espaços do Instituto Sérvulo Esmeraldo no próximo sábado, 13. A matéria é um desdobramento da entrevista de Dodora Guimarães às Páginas Azuis do O POVO.

 

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