Professor de física e servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) desde 2010, Wally Menezes foi nomeado reitor da instituição no início deste ano. Em conversa com O POVO, Menezes avalia as contribuições do Instituto para os cearenses e aponta alguns dos planos para o próximo quadriênio. Ele expõe ainda sua posição diante de temas complexos como: cortes de verbas federais para a educação, casos de assédio no ambiente escolar e medidas tomadas durante a pandemia de Covid-19.
O POVO - Começando pelo garoto que saiu de Baturité para estudar em Fortaleza, na então Escola Técnica Federal do Ceará, como o senhor descreve a presença e a importância da educação em sua vida?
Wally Menezes - A educação transforma a vida de qualquer pessoa, né? Não somente a educação formal, como os outros processos de educação que tradicionalmente temos na família. Eu tive essa oportunidade de frequentar a escola desde cedo. Estudei no Grupo Escolar Monsenhor Manoel Cândido, ainda em Baturité; de lá recebi uma bolsa para ir ao Instituto Nossa Senhora Auxiliadora. Então vim para Fortaleza, para uma outra escola pública na avenida Lineu Machado, fui com bolsa para outro colégio particular e daí para a Escola Técnica. A educação tem um poder de transformação e ela teve muito esse poder na minha vida. Minha família quase toda estudou na Escola Técnica. Dos oito irmãos, seis frequentaram. A mudança na minha vida veio pelo ensino técnico e depois pelas outras formações. Nunca fui de família rica, mas estudar me garantiu ser feliz e atuar me trouxe novos horizontes.
OP - Já se vão 11 anos trabalhando no IFCE. O que significa para o senhor assumir a reitoria de uma das maiores instituições de ensino público no Estado?
Menezes - Primeiro, é importante dizer que o processo de eleição foi muito democrático e levado com bastante transparência. Segundo, nos 11 anos, tive a oportunidade de conhecer todos os campi, as suas muitas realidades e especificidades, o que permite essa integração que tive com todos os colegas. Foi um grande divisor de águas, porque você pode fazer políticas que estejam alinhadas a essas unidades e aos municípios que nucleiam os campi. Os apoios que tive se traduzem, para mim, nesse sentido de entender que a proposta é de inclusão e participação. Mas tudo em nossa vida são desafios. Para mim, agora, estar na Reitoria do IFCE é um elo de conexão; nos proporciona ter um diálogo amplo com a sociedade, com os governos, as empresas e as instituições no sentido de aproximar o Instituto a todo esse ecossistema. Isso transforma vidas, modifica espaços e gera diversas e múltiplas riquezas. Não só riquezas econômicas, mas culturais e sociais de uma forma geral.
OP - São mais de 40 mil estudantes nos campi, com as mais diversas realidades e sonhos. Em todos esses anos trabalhando no IFCE quais situações mais o marcaram?
Menezes - Foram diversas situações. E ainda são, afinal ainda tenho atividades de orientação com os estudantes, tanto nos cursos técnicos até os de pós-graduação. Temos pessoas que eram de outros países que passaram por processos diversos dentro da nossa instituição, estudantes de outros municípios que vieram para Fortaleza e tinham cenários adversos, mas se superaram, terminaram seus cursos, montaram suas empresas ou conseguiram seus empregos e oportunizaram para outros. Tivemos estudantes com experiências internacionais; mesmo alguns deles não conhecendo o mar, mas já conheceram outros países. Lembro de meninas que entraram em cursos de forte presença masculina e deram grandes exemplos de transformação. O IFCE tem uma arte do aprender fazendo, essa integração com a prática, e aprendi e aprendo muito com os estudantes. Passando nos corredores mesmo, a gente olha para os estudantes e eles vêm conversar sobre oportunidades. Todos aqueles que agarraram as oportunidades, conseguiram grandes feitos e nos marcam também.
OP - Parte de sua trajetória foi em funções ligadas a pesquisa, pós-graduação e inovação. De que formas o senhor percebe essas vertentes sendo desenvolvidas no Ceará e gerando impactos para a sociedade?
Menezes - Há primeiro um aspecto mais formal da pesquisa, da aproximação com as empresas. O IFCE hoje tem uma cartela de parceiros com cerca de 600 empresas prospectadas no sentido de construir e inovar. Isso em softwares, dispositivos, na área de tecnologias da comunicação no geral, na área social e econômica. Gera muitas oportunidades de criação de novos e pequenos negócios e mobiliza que nossos estudantes entrem nesse mercado criando e vendendo produtos. Um deles, bastante recente, é um aplicativo desenvolvido em parceria com a Apple, por estudantes do ensino técnico e da graduação, e que acabou sendo vendido por R$ 10 milhões. Olhando para o aspecto da participação em processo de pesquisa, inovação e extensão, isso por si só mostra o exemplo, que sempre costumo dizer. Eles se veem uns nos outros, se percebem com os nossos professores, olham que também são capazes. Isso é de muita relevância porque dá fôlego, e notadamente no Interior. Isso tem acontecido de forma muito efervescente e dinâmica no Interior. E a inovação não é apenas tecnológica, é também disruptiva e adaptativa em vários cenários e oportunidades; notadamente nas artes, na cultural, nos aspectos de relacionamento humano e assim sucessivamente. Mexe com aquilo que o cearense tem muito: a criatividade.
OP - A associação mais corriqueira feita ao Instituto é com cursos técnicos e tecnológicos, mas vai além disso…
Menezes - Exatamente. Um modelo como o nosso existe em poucos países. Trabalhamos com Ensino Médio, técnico e tecnológico; ensino de graduação e ensino de pós-graduação. Essa verticalização abre um cenário imenso de oportunidade de saltos. Não somente na educação, mas também profissional e social; também na área de Ciências Humanas e de Artes.
OP - Atualmente o IFCE está presente em 35 municípios, em todas as regiões do Estado. Como isso muda o cenário educacional e de mercado?
Menezes - Há a fixação de talentos. Por vezes, você forma o profissional e logo ele está apto a desenvolver algo ele vem para Fortaleza ou outro local. Exportar talentos é bom, mas a gente deseja também fixar esses talentos e esse é um dos papeis relevantes. Entre 70% e 80% dos estudantes do IFCE são pessoas de baixa renda, são estudantes que muitas vezes lhes é negado o direito de comer. Muitos não teriam como sair de suas cidades e se mudar para Fortaleza. Então nossa presença no Interior muda o cenário de oportunidades para esses jovens e oportuniza transformações para o redor dele.
OP - No ambiente escolar e acadêmico há pontos muito específicos para as meninas e mulheres, como assédio em sala de aula e a ainda baixa presença de mulheres em cursos mais tecnológicos. Essas problemáticas estão em seu horizonte?
Menezes - Vejo como algo prioritário, mas estratégico. Estamos lançando, juntamente com a Procuradoria Federal, uma série de programas de combate a todo tipo de assédio e violência contra a mulher e a população LGBT. É uma política de acolhimento, acompanhamento e ação; porque não adianta acolher, acompanhar e deixar o agressor continuar fazendo suas ações. A gente tem essa preocupação também e isso está no nosso plano, tanto é que estamos desenvolvendo e dando condições para a criação de uma Diretoria de Direitos Humanos, Políticas Afirmativas e Cidadania. O IFCE quer ser e será um marco nesse sentido. Ao mesmo tempo, estamos trabalhando na representatividade e protagonismo feminino. Dos cinco pró-reitores da nossa equipe, três são mulheres: Cristiane Borges Braga, na Pró-reitoria de Ensino (Proen); Joelia Marques de Carvalho, na Pró-reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação (PRPI); e Ana Cláudia Uchôa, na Pró-reitoria de Extensão (Proext). Elas foram escolhidas não só por serem mulheres, mas principalmente por suas habilidades e pela integração que elas têm entre si. Além disso, nós temos hoje mais diretoras na frente dos campi.
OP - O ensino público federal tem passado por restrições, não só orçamentárias como também posicionamentos e ideias. Como encarar essa realidade?
Menezes - A resposta é muito básica: dialogando. Você precisa conhecer, entender e usar bem as estratégias. As instituições estão imersas em diversos cenários de realidade e só existe uma forma de avançar, dialogar e encontrar esse espaço para agir. Se não, cada qual vai fazer do seu jeito e vamos continuar tendo os mesmo desafios. Sem recursos você não consegue alavancar ou implantar políticas. É preciso conhecer as divergências e buscar as convergências para soluções coletivas, participativas e integradoras. Estamos em meio a um cenário de pandemia, com as famílias isoladas em casa, grande volume de desemprego, uma série de ações negacionistas, movimentos de toda sorte e toda ordem, sociedades divididas em pensamentos e linhas. O que a gente, enquanto instituição de ensino, precisa fazer? Dar o exemplo, por meio de diálogo e formação de políticas estratégicas que atendam as pessoas e possam ser realizadas. Não é fácil; se não, estaria todo mundo fazendo. Mas é possível se a gente conseguir dialogar com esses múltiplos setores e em conjunto com as outras instituições, o governo e a sociedade.
OP - Outra questão de forte impacto na educação tem sido a pandemia de Covid-19, que ocasionou a adoção do ensino remoto. Nesse processo, alunos e professores apontaram dificuldades de acesso à internet e de acompanhar o ritmo das atividades. Como o senhor pretende tratar destas e de outras dificuldades colocadas pela pandemia?
Menezes - É preciso lembrar que todas as instituições foram pegas de surpresa e esse processo é de adaptação. Concordamos que, por muitas vezes, é até mais cansativo que o presencial; nossa rotina por vezes não respeita nem o nosso tempo, indo de uma reunião para outra e no fim do dia ainda tem aquele sentimento de que produziu pouco. Então a gente precisa cuidar das pessoas e esse é um sentimento prioritário. É preciso aliar a integridade dos alunos, professores e servidores com o avanço no ensino, afinal é um cenário também de oportunidades. Então são esses dois caminhos: ampliar o acesso de conectividade - distribuímos mais de 7 mil tablets e mais 10 mil chips de acesso, por exemplo - e manter o cuidado com as pessoas. Se a alma, se o humano não estiver sendo trabalhado, a instituição não consegue evoluir
OP - Qual é o IFCE que o senhor enxerga daqui quatro anos?
Menezes - Vai permanecer sendo uma instituição que transforma vidas dos que frequentam e dos que são sensibilizados por essa dinâmica do IFCE, a primeira estratégia é continuar essa missão. Deve também ser a instituição mais interiorizada e fixa seus talentos, gerando oportunidades e sendo uma ferramenta de gestão, de apoio ao Estado e de poder de decisão. Será uma instituição mais consolidada e que se abre às demais; uma instituição que quer fazer com as outras, mas também sabe fazer sozinha.
Sustentabilidade
SEGUINDO os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, o IFCE pretende investir na sustentabilidade. Entre as ações estão políticas de resíduos sólidos, energias renováveis, educação ambiental e carboneutralização. Em março, o campus de Canindé foi o primeiro a aderir à chamada "Agenda 21" do Instituto.
Bora fazer
DIANTE da pandemia de Covid-19, o IFCE desenvolveu o projeto "Bora fazer", com mais de 650 ações de combate ao novo coronavírus registradas em todos os campi. Desde a produção de softwares de monitoramento e avaliação utilizados pelas secretarias de saúde até a distribuição de cartilhas educativas e produtos para a linha de frente. Entre os produtos: face shields, mais de 10 mil litros de álcool em gel e líquido a 70% e o capacete elmo (idealizado a partir de cooperação entre Governo do Estado, FIEC, IFCE, UFC e Unifor).
Para além da tecnologia
ENTRE os planos de Menezes, está a criação da Rede IFCE de Arte e Cultura. A ideia é "transformar todos os auditórios em espaços culturais. "Pretendemos envolver o teatro, a música, os games, as artes plásticas, a dança, a literatura, a arte em todas as suas facetas", afirma.