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Maior nome da história do tênis de mesa brasileiro, Hugo Calderano mira medalha olímpica
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Maior nome da história do tênis de mesa brasileiro, Hugo Calderano mira medalha olímpica

Vivendo o melhor momento da carreira, o carioca de 25 anos é considerado o maior nome da história do tênis de mesa brasileiro e conquistou feito inédito para um jogador nascido nas Américas, ao alcançar a terceira colocação no ranking mundial da modalidade
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Entre os dez maiores do mundo no tênis de mesa desde 2018, Hugo Calderano alcançou o quarto lugar no ranking da modalidade em novembro de 2021 (Foto: Divulgação / ITTF      )
Foto: Divulgação / ITTF Entre os dez maiores do mundo no tênis de mesa desde 2018, Hugo Calderano alcançou o quarto lugar no ranking da modalidade em novembro de 2021

Incentivado a praticar esportes desde criança pelos pais e avós, Hugo Calderano começou no tênis de mesa apenas por diversão, mas rapidamente percebeu que poderia se tornar atleta profissional da modalidade. Tratado como jovem promessa do esporte brasileiro desde a adolescência, o mesatenista deixou o Brasil para trilhar o próprio caminho na Alemanha, onde ganhou espaço, passou a disputar competições internacionais, conquistou títulos e se consolidou entre os maiores da categoria.

Vivendo o melhor momento da carreira, o carioca de 25 anos é considerado o maior nome da história do tênis de mesa brasileiro e conquistou feito inédito para um jogador nascido nas Américas, ao alcançar a terceira colocação no ranking mundial da modalidade.

Ele dono dos melhores resultados do tênis de mesa brasileiro em Campeonatos Mundiais, quinto lugar no Mundial de Houston, nos Estados Unidos, e em Olimpíadas, quartas de final na disputa individual e por equipes em Tóquio-2020. Hugo também foi campeão do WTT Star Contender 2021, em Doha, no Catar, e conquistou quatro medalhas de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima-2019 e Toronto-2015.

Hugo Calderano é um dos maiores atletas brasileiros da atualidade (Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br)
Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br Hugo Calderano é um dos maiores atletas brasileiros da atualidade

Ao O POVO, o mesatenista falou sobre o início da carreira, adaptação fora do Brasil, distância da família, rotina de treinos e momentos marcantes na carreira e detalhou o que precisa fazer para conquistar o maior objetivo da carreira: uma medalha olímpica.

O POVO - Como começou a sua história no esporte? De onde surgiu o interesse em praticar a modalidade?

Hugo Calderano - Eu sempre gostei bastante de esportes. Meus pais e meu avô são professores de educação física. Desde muito pequeno eu gostava de brincar de vários esportes, sempre tinha uma bola na mão e ficava brincando. Com o tênis de mesa não era diferente. Desde quando eu tinha dois anos meu pai me colocava sobre uma mesa e eu conseguia rebater algumas bolinhas, só por diversão mesmo, como todo mundo já brincou de pingue-pongue um dia. Meu pai viu que eu levava jeito e me levou para começar a treinar no clube do Fluminense quando tinha oito anos. Junto com o tênis de mesa, eu também comecei a praticar vôlei. No início era só por diversão. Participava de algumas competições do atletismo, no caso, o salto em distância. Foi assim que começou, meu pai me levou para treinar e eu acabei gostando.

OP - Você considera que o seu pai foi o seu grande incentivador?

Hugo - Acho que toda minha família teve um papel muito importante. Minha mãe sempre me apoiou muito. Ela trabalha comigo, inclusive. Ela se aposentou do antigo trabalho e passou a atuar como manager da minha carreira. Claro que não de uma forma técnica, mas tudo o que envolve minha carreira. Até o meu avô. Quando eu tinha 14 anos, deixei o Rio de Janeiro e me mudei para São Caetano do Sul para treinar em um centro de treinamento melhor. O meu avô foi comigo, deixou minha avó no Rio e me acompanhou, porque seria bem difícil eu sair de casa sozinho, tão jovem, para morar em outra cidade. Ele sempre me apoiou bastante. Quando eu ainda treinava no Rio, ele me levava aos treinos. Depois ele ficou morando comigo por dois anos. Então todos foram fundamentais na minha carreira.

OP - Quando percebeu que poderia se tornar um atleta profissional da modalidade?

Hugo - Desde bem novo eu sabia que podia ser um atleta profissional. É claro que eu não pensava que chegaria tão longe. Agora eu sou o número 3 mundo. Então é difícil você imaginar isso, principalmente vindo do Brasil, que não é um país com tradição no esporte. Acho que por volta de 12, 13 anos eu sabia que poderia me tornar um atleta profissional, mas nessa época eu ainda morava no Rio de Janeiro. Então a estrutura não era muito boa lá, não tem muitos atletas de alto nível para treinar e competir. O momento decisivo foi quando me mudei para São Caetano. Foi quando eu comecei a estudar no período da noite e priorizei a minha carreira no tênis de mesa e coloquei todas as minhas fichas no esporte.

OP - Qual foi a sua trajetória até chegar à Alemanha?

Hugo - Fiquei em São Caetano por cerca de dois anos e me mudei para Paris, para treinar no Centro Nacional de todos os esportes da França, chamado Insep. Eu fui para lá com o intuito de morar, mas infelizmente eu sofri uma lesão bem séria e precisei voltar ao Brasil para fazer uma cirurgia. Então, acabei ficando apenas um mês e meio na França e o plano não deu certo por conta da minha lesão. Parei de treinar por três meses para me recuperar. Nesse período, as coisas mudaram na França. Os técnicos que trabalhavam comigo e organizaram a minha ida à França saíram do Insep e foram à Alemanha. Continuei treinando em São Caetano por mais um ano e meio até que recebi o convite do Ochsenhausen, clube que eu defendi por sete anos, em 2014, e vim para a Alemanha treinar e disputar a liga alemã.

Mundial: Hugo Calderano disputa vaga na semi e medalha inédita(Foto: )
Foto: Mundial: Hugo Calderano disputa vaga na semi e medalha inédita

OP - Falando sobre a sua experiência na Alemanha. Como foi o processo de adaptação?

Hugo - Eu já morava longe da família há algum tempo, mas é diferente quando você está em outro continente, muito mais longe. Quando eu morava em São Caetano eu podia ir para casa em alguns finais de semana, para ver meus pais, minha família. Mas quando você está na Alemanha, acaba voltando poucas vezes no ano para o Brasil, e claro que isso foi bem difícil. O que me ajudou bastante foi ter um amigo aqui, o Vitor Ishiy, que também é da seleção brasileira e jogou os Jogos Olímpicos, morando comigo. Nós viemos juntos e morávamos no mesmo apartamento. Ele ainda treina aqui em Ochsenhausen, só que agora nós moramos em apartamentos diferentes. Mas eu acho que um ajudou o outro nos três primeiros anos aqui. E eu acho que sim, foi difícil me adaptar às condições, viver longe do Brasil, o clima, a comida, a cultura, tudo foi difícil. Mas eu acho que o processo foi tranquilo no final. Eu sabia o que eu queria, que era esse o meu objetivo, e isso faz com que tudo fique mais fácil. Se você sabe porquê você está fazendo uma coisa, seu objetivo a longo prazo faz as coisas ficarem mais fáceis e agora eu já estou totalmente adaptado ao país.

OP - Os seus familiares costumam visitar você ou geralmente você vem ao Brasil? E como foi esse processo durante a pandemia?

Hugo - A minha família já veio bastante aqui para a Alemanha, principalmente a minha mãe. Inclusive, no início da pandemia, em fevereiro ou março de 2020, ela estava vindo para a Alemanha. Quando tudo começou, ela estava aqui na minha casa, ficou aqui por cinco meses no início da pandemia, já que as viagens estavam proibidas. Foi bem tranquilo, nós pudemos fazer companhia um para o outro. E o Vitor Ishiy também estava conosco na época. Não havia muitos jogadores aqui, porque todos voltaram para suas casas, mas como nós éramos do Brasil, achamos melhor ficar aqui. E foi um período que nos conhecemos mais, fazia muito tempo que eu não passava tanto tempo com a minha mãe e também foi muito legal ter a companhia do Vitor.

OP - Quais diferenças você consegue identificar para o tratamento dado ao tênis de mesa no Brasil e na Alemanha?

Hugo: O tênis de mesa é bem mais conhecido aqui na Alemanha, tem mais investimento. A Alemanha é um dos melhores países no tênis de mesa, eles têm muitas medalhas olímpicas no esporte. Tem uma liga muito forte, muitos jogadores vêm disputar a liga alemã. Quanto ao público, eu não sei te dizer exatamente o quanto eles acompanham. Eu acho que nos Jogos Olímpicos, o público brasileiro torce até mais do que o público alemão para o tênis de mesa. Mas eu acho que, no geral, existe um público maior na Alemanha do que no Brasil.

OP - Recentemente você trocou de equipe e escolheu ir para uma equipe russa. Por que a mudança de clube?

Hugo - Existem alguns fatores. É uma equipe muito forte, com muita tradição no clube de mesa, possui vários títulos da Champions League. É uma oportunidade de jogar com grandes jogadores. Além de mim, tem mais dois jogadores que estão no top 10. Nós somos um dos grandes favoritos ao título da Champions League e da liga russa. Outra questão é que o calendário da liga alemã é muito cheio. Eu não tinha muito tempo para treinar, fazer coisas diferentes, pensar em melhorias e focar nos torneios internacionais. Agora jogando no Orenburg, da Rússia, eu tenho mais tempo e liberdade para fazer o que preciso para continuar evoluindo.

OP - Poucas pessoas sabem qual é a rotina de um atleta de alto rendimento. Você pode falar um pouco sobre o seu dia a dia?

Hugo - Na rotina que tive durante vários anos, treinava em dois períodos. Essa é a rotina clássica de um jogador de tênis de mesa, quase todos treinam assim. De manhã, de 9 às 12 horas, e de tarde, das 16 às 19 horas. Porém, há um ano eu mudei um pouco meu treinamento e passei a treinar uma vez por dia, por um período mais longo. Em vez de fazer três horas de treino, às vezes eu faço quatro horas e meia, cinco horas. O que muda em relação ao que eu fazia antes e ao que quase todo mundo faz, é que assim eu tenho mais tempo de recuperação entre um período e outro. Eu posso dormir mais tempo, o meu sono é bem melhor. Eu sei que não preciso treinar de manhã no dia seguinte, meu treino é quase sempre à tarde.

Assim eu consigo colocar uma intensidade muito alta em todos os treinos, porque sei que depois vou ter o tempo necessário de recuperação. Todo dia chego com muito entusiasmo, muita motivação. Dou esse tempo para o meu corpo e minha mente se recuperarem. Claro que você não pode treinar pouco em um esporte de alto nível, mas acho que esse sistema é muito melhor para mim. Como eu tenho um jogo muito agressivo, que exige muito da minha parte física e mental, preciso estar sempre a 100%, com muita vontade, com uma movimentação de pernas muito alta, senão meu jogo não funciona. E esse sistema de treinos me permite fazer isso todos os dias, com uma intensidade muito alta. Eu realmente acho que foi assim que consegui melhorar nos últimos meses. Tive uma evolução técnica muito alta e pretendo continuar assim.

Hugo Calderano perdeu para Dimitrij Ovtcharov (Foto: Anne-Christine POUJOULAT / AFP))
Foto: Anne-Christine POUJOULAT / AFP) Hugo Calderano perdeu para Dimitrij Ovtcharov

OP - É comum lesões nessa modalidade?

Hugo - Depende bastante do jogador, têm jogadores que têm mais lesões, têm outros que têm poucas. Eu, pelo meu estilo de jogo, pela minha genética, como eu sou um atleta explosivo, forte, rápido, acabo tendo mais lesões. Mas esse é um outro ponto. Desde que mudei meu treinamento, eu tive menos lesões. Eu posso treinar de uma forma contínua, sem interromper por causa de uma lesão. Isso te dá uma tranquilidade mental maior, quando você sabe que pode exigir do seu corpo, sem que ele diga "não" e você tenha alguma lesão.

OP - Você falou que é necessária uma técnica apurada para jogar o tênis de mesa. Como são os treinamentos?

Hugo - Acho que 90% dos meus treinos são com outro atleta. Mas depende bastante do período, se estamos em um período de competições ou um período de mais treinamentos. Mas eu acho que no meu nível, quase todos os atletas têm a técnica bem fixa. Nós já treinamos muitas horas na mesa de treinamento. Eu treino me aproximando mais de situações de jogo. Geralmente eu faço no início do treino, um ou dois exercícios de movimentação de perna e técnica, para pegar o ritmo e depois eu trabalho várias situações me aproximando mais do jogo mesmo, com saque, repetição, jogadas mais livres e tudo isso com a mesma concentração que eu coloco no jogo. Dependendo de como eu me sinto com essas situações de jogo, depois de uma hora e meia, duas horas de treino, aí eu faço mais algum treino de perna, que exige um esforço físico maior, mas que não preciso me concentrar tanto.

OP - Como funciona a preparação para grandes torneios?

Hugo - Existe uma preparação específica antes de competições importantes quando o calendário permite. Ano passado, por exemplo, o mundial foi logo depois do campeonato Pan-Americano. Nesse caso, você acaba não conseguindo se preparar tão bem. Mas geralmente, antes dos Jogos Olímpicos, por exemplo, eu tenho mais tempo para me preparar. Antes de Tóquio, nós tivemos dois meses de preparação. A preparação é mais focada para mim, eu preciso chegar na competição no meu nível mais alto. Coloco isso na minha mente. Meu corpo já tem essa experiência. É o que sempre acontece. Meu nível vai subindo de forma gradual na preparação. Às vezes é ruim você começar jogando bem um mês antes da competição, porque você precisa manter esse nível e tentar subir de patamar. Com isso, você pode chegar cansado na competição. Você precisa dessa experiência, e seu corpo e sua mente precisam entender quando você precisa chegar no seu nível mais alto. Mas os treinos são mais voltados para mim e não para os adversários, até porque nós não sabemos contra quem vamos jogar até dois dias antes da competição.

OP - Você comentou que na infância praticava alguns esportes. Ainda sobra tempo para praticar atualmente? Você acompanha outras modalidades?

Hugo - Sempre que eu tenho tempo, tento praticar outros esportes. Eu gosto bastante de basquete, vôlei e tênis. Às vezes nós brincamos um pouco de basquete no aquecimento do treino. Acho que isso também me ajuda no tênis de mesa. Eu tenho uma coordenação motora muito boa, exatamente por ter praticado muitos esportes diferentes. Isso me dá uma certa flexibilidade, me ajuda no meu trabalho de pernas, já que quando você possui uma boa coordenação motora, você é mais flexível nessa parte do trabalho de pernas e até a entender o jogo, entender o tênis de mesa, isso também pode me ajudar. Sobre outros esportes, acompanho a NBA, o tênis. Também acompanho e gosto de jogar xadrez. É um jogo que exige menos espaço e menos gente do que esses outros esportes. Quando eu tenho vontade, jogo um pouco online e acompanho os jogos dos grandes mestres da categoria.

Calderano vence na estreia e volta a jogar nesta madrugada no Mundial(Foto: RG/WTT)
Foto: RG/WTT Calderano vence na estreia e volta a jogar nesta madrugada no Mundial

OP - Quais são as suas referências no esporte?

Hugo - Eu não tenho um ídolo específico. Você consegue achar inspiração em vários atletas, principalmente em grandes atletas. Você consegue tirar um pouco de cada um. Acho que é melhor se sentir assim. Se você tem um atleta que te inspira, ok. Mas para mim, cada um tem uma parte muito interessante, que procuro me inspirar e relacionar ao meu jogo e ao meu pensamento. Muitas vezes eu consigo tirar essa inspiração até de jogadores de tênis de mesa que estão abaixo de mim no ranking mundial. Consigo aprender muita coisa. Podemos aprender com todo mundo.

OP - Como você lida com a expectativa dos outros em relação ao seu desempenho nas competições?

Hugo - Não costumo pensar muito nisso. Sei que tem muita gente torcendo por mim. A maioria das pessoas torcem porque gostam de mim, do tênis de mesa brasileiro. Torcem por paixão. É claro que existe uma certa cobrança e pressão. Mas sempre falo que eu jogo por mim. Claro que quando ganho, gosto de ver que todo mundo fica feliz. Mas acho que preciso jogar primeiramente por mim, não pela minha família, meus amigos ou torcida brasileira. Eu sou muito grato e aprecio tantas pessoas me incentivando, mas acho que quando você faz seu esporte por você, fica tudo mais fácil. Se eu perder um jogo, sei que ninguém vai ficar mais triste ou mais decepcionado do que eu. Se eu ganhar, ninguém vai ficar mais feliz do que eu. Coloco isso na minha cabeça. Não deixo essa pressão externa me afetar. Me concentro no que tenho controle, no que preciso fazer nos meus jogos e, ganhando ou perdendo, tenho sempre a consciência tranquila de que fiz o meu melhor. Ninguém cobra mais de mim do que eu mesmo.

OP - Existe alguma estratégia para tentar desestabilizar o oponente durante uma partida?

Hugo - Costumo ver o tênis de mesa como uma guerra mental. Os dois jogadores estão muito próximos um do outro, diferentemente do tênis, que você está bem longe do seu adversário. Você não consegue sentir tanto as emoções, a tensão do momento. No tênis de mesa tem muito essa parte tática, você precisa sentir como seu adversário está se sentindo em cada momento. Você precisa prever onde ele vai sacar, tentar antecipar o golpe dele. É preciso estar um passo à frente do seu oponente. Mas não acontece muito esse "trash talk" ou até mesmo falar um com o outro. Tem alguns jogadores que tentam provocar um pouco, mas geralmente os atletas que estão no topo ficam mais concentrados. Você tenta ganhar do outro na mesa, e não com as suas palavras.

OP - Qual é a sua relação com os jogadores do topo do ranking mundial?

Hugo - Os chineses do tênis de mesa não são muito abertos. Eles têm a equipe deles que é muito forte e, até pela questão da língua, da cultura, não se abrem muito para o exterior. Eu não conheço nenhum deles. O único contato é em competições. Cumprimento, mas nada mais do que isso. No último mundial, ano passado, em Houston, o Fan Zhendong, que é o número um, me chamou para treinar depois que eu tinha acabado o meu treino. Ele viu que eu tinha acabado de treinar com o Lin Yun-Ju, que é um atleta de Taiwan, do top 10 também. Ele perguntou se eu queria treinar, eu falei que sim, ter a oportunidade de treinar com o melhor do mundo. Ele foi simpático, foi bem tranquilo, fez algumas piadas. Nós brincamos um pouco juntos. Mas fora isso, eles não costumam se abrir muito.

OP - Qual foi o momento mais marcante da sua carreira até agora?

Hugo - Jogar nas Olimpíadas do Rio, em casa, com uma torcida incrível gritando meu nome. Na época eu era 50 do mundo ainda, não era tão conhecido, não tinha tanta possibilidade de ganhar uma medalha. Mas mesmo assim a torcida brasileira me apoiou muito e eu consegui jogar bem acima do meu nível, ganhei de jogadores que estavam muito acima de mim no ranking, consegui chegar nas oitavas de final, que não era esperado. A sensação foi incrível, uma experiência que eu nunca vou esquecer.

OP - No mundial do ano passado você quase venceu o chinês Liang Jingkun e acabou sofrendo a virada. Você considera que esta foi a derrota mais dolorida da sua carreira?

Hugo - Considerando o que estava em jogo, foi bem dolorido. Dei o meu melhor, fiz uma grande partida. É claro que eu fiquei muito triste, bem abalado depois desse jogo, mas isso é bom. Você precisa aproveitar a derrota, é importante sofrer nesse momentos difíceis para poder aproveitar no futuro. Tenho bastante convicção de que um dia eu vou conseguir essa medalha, os títulos em campeonatos mundiais, Jogos Olímpicos, enfim. Sei que não foi a minha última chance, longe disso. Está tudo só começando. Aceitei essa derrota, acho que faz parte, só vai me fazer crescer ainda mais. Foi bem dolorido, mas eu sempre tenho a cabeça tranquila, sei que vou ter muitas outras chances e vou continuar trabalhando muito para conseguir ganhar medalhas para o Brasil. Acho que é mais dolorido quando você sabe que não conseguiu fazer seu melhor ou quando aconteceu alguma coisa que não te permitiu jogar no seu melhor. É claro que sofrer uma virada ganhando por 3 a 0 sempre vai ser muito difícil, independentemente de qual campeonato seja, mas quando você sabe que deixou tudo na mesa, consegue aceitar com mais facilidade.

O brasileiro Hugo Calderano comemora a derrota do sul-coreano Jang Woo-jin durante as oitavas de final de tênis de mesa no Tokyo Metropolitan Gymnasium durante os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 em Tóquio em 27 de julho de 2021. (Foto: Anne-Christine POUJOULAT / AFP)(Foto: ANNE-CHRISTINE POUJOULAT / AFP)
Foto: ANNE-CHRISTINE POUJOULAT / AFP O brasileiro Hugo Calderano comemora a derrota do sul-coreano Jang Woo-jin durante as oitavas de final de tênis de mesa no Tokyo Metropolitan Gymnasium durante os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 em Tóquio em 27 de julho de 2021. (Foto: Anne-Christine POUJOULAT / AFP)

OP - Melhorar suas marcas nas Olimpíadas é seu maior objetivo na carreira ou você pensa em outras conquistas?

Hugo - Meu principal objetivo na carreira é conseguir uma ou mais medalhas olímpicas. Eu acho que é o sonho de qualquer atleta de alto nível. Estou em uma evolução bem constante, acredito que é possível ganhar dos chineses, conseguir essas medalhas, conquistar títulos em Jogos Olímpicos e campeonatos mundiais. Se eu fosse um jogador mais regular, que não jogasse tão forte ou tão rápido, mas tivesse uma constância mais alta, seria mais difícil conseguir esse tipo de medalha, porque você não consegue subir seu nível nas horas dessas competições. Mas com o meu estilo de jogo, pelo menos para mim, é o caminho que eu preciso seguir para brigar por essas medalhas.

OP - Na sua visão, o que seu jogo precisa melhorar tecnicamente para ganhar dos chineses?

Hugo - Eu acho que na parte mental eu já estou pronto há muito tempo. Esse sempre foi um dos meus pontos fortes. Eu vindo do Brasil, do Rio, e tendo começado a treinar muito mais tarde do que os chineses, tendo menos horas de mesa do que os melhores do mundo, como os chineses, os japoneses e os alemães. O que me permitiu chegar tão cedo nesse topo foi sempre a parte mental. Tecnicamente os jogadores asiáticos sempre foram superiores, justamente por terem mais horas na mesa, por terem começado mais cedo do que eu. Agora que estou sentindo que a minha técnica está chegando no meu nível mental e na técnica dos asiáticos. Quando você consegue juntar todas as partes do quebra-cabeça, é quando vou ter essa chance de competir contra os chineses. Nessa parte da minha carreira, estou focando muito na parte física. Falando novamente da derrota de virada contra o Liang Jingkun, acho que ali foi muito difícil manter a mesma intensidade fisicamente. Como meu jogo exige muito de mim nessa parte física, é bem difícil conseguir me manter no alto durante todos os sets. Muitas vezes eu consigo, mas algumas vezes não. Estou focando bastante na parte física para conseguir aguentar jogos mais longos, melhorar a qualidade dos meus golpes e a qualidade do meu trabalho de pernas.

OP - Qual a importância do material da raquete dentro do jogo?

Hugo - É importante cada jogador achar o melhor material para si, ter uma raquete na qual você tenha confiança. A melhor raquete para mim pode não ser a melhor raquete ou a melhor borracha para outro. Têm alguns materiais que são feitos de fibra de carbono, que faz a raquete ficar mais rápida, a madeira ficar mais rápida. Acho que no top 20, apenas eu e um francês, também aqui da Ochsenhausen, não usamos a madeira com fibra de carbono. Não tem certo ou errado, você tem que ver o que é melhor e testar. O principal é você não se concentrar tanto nisso e treinar. Têm muitos jogadores que acabam colocando toda a culpa no material quando perdem o jogo. Eles acham que o material é quem vai decidir tudo. Claro que o material é muito importante, mas você precisa treinar e fazer o que tem que fazer no dia a dia para continuar evoluindo.

OP - De alguma maneira seu hobby em solucionar o cubo mágico serve para ajudar sua velocidade de raciocínio no jogo?

Hugo - Faz bastante tempo que eu não brinco com o cubo, mas sempre foi um hobby meu. Eu aprendi a montar o cubo com dez anos, meu pai me ensinou. Eu gostei bastante, fui sempre aprendendo novos métodos para montar cada vez mais rápido. Meu recorde é 5,6 segundos e a minha média é de 9 segundos. Eu nunca usei como um treinamento específico para o tênis de mesa. Já fiz alguns treinamentos físicos usando o cubo mágico. Eu fazia uma atividade física, depois tinha que montar um cubo, em seguida fazia outra atividade física e depois tinha que montar um cubo novamente. Isso me obrigava, mesmo quando estava muito cansado, a manter a coordenação motora fina nos dedos, o que não é tão fácil para você montar o cubo mágico. Foi quase sempre um hobby, mas acho que de alguma forma pode ter me ajudado no tênis de mesa, como todas as outras atividades e outros esportes que eu faço. Isso abre a sua mente e pode te ajudar de alguma forma, talvez na velocidade de raciocínio, pensar de uma maneira diferente ou, quem sabe, na coordenação motora.

OP - Depois dos resultados que você conquistou nos mundiais e Olímpiadas, como ficou o assédio do público? Você é reconhecido quando vem ao Brasil?

Hugo - Como eu moro na Alemanha, em Ochsenhausen, que é uma cidade que tem 10 mil habitantes, é bem tranquilo, não tem nada disso. No Rio de Janeiro, às vezes eu sou reconhecido, mas não tanto para que isso seja algo que me atrapalhe. Eu gosto bastante de sentir esse carinho da torcida. Isso me dá bastante energia. Sempre que eu volto para o Brasil, consigo renovar as energias. Claro que pela minha família, pelos meu pais, mas também por ser acolhido pelo povo brasileiro. Nas redes sociais não é diferente, eu sinto o apoio de todo mundo, o carinho que eles têm por mim, e isso só me dá mais energia e mais vontade de continuar treinando e conseguindo resultados ainda melhores.

OP - Qual a média de idade em que mesatenistas costumam encerrar a carreira?

Hugo - Por volta dos 40 anos. Hoje em dia, com todo o conhecimento que temos sobre preparação física, fisioterapia, essa média tende a subir. E o tênis de mesa não é um esporte de contato, tem muita técnica, é muita parte mental envolvida. Você pode ir até mais do que os 40 anos. Inclusive o Timo Boll, que atualmente é o número 10 do mundo, se eu não me engano, já foi o número um do mundo, ganhou medalhas olímpicas e mundiais, vai fazer 41 anos nessa temporada e ainda está jogando no topo do mundo. Eu não sei até quantos anos eu vou jogar, mas enquanto gostar de competir, me divertir jogando, vou continuar disputando os campeonatos.

OP - Qual o conselho você dá para os jovens que lhe viram jogando e ficaram interessados em seguir o mesmo caminho profissional?

Hugo - Esse sempre foi um dos meus objetivos, inspirar jovens atletas a praticar o tênis de mesa ou outros esportes. E muito legal ver isso acontecendo. Para mim, o mais importante sempre foi me divertir fazendo o que eu faço. É claro que trabalho muito duro e sério, mas ao mesmo tempo consigo me divertir e aproveitar cada momento. Todos os dias procuro trazer bastante energia para o ginásio de treino, fazer o clima e o ambiente ficarem mais leves. Você está ali sofrendo fisicamente, mas está adorando isso. Quando você está começando no esporte, isso é o mais importante. Quando você se diverte e gosta do que faz, acaba até melhorando mais rápido, porque se dedica mais, aproveita todos os momentos e acaba evoluindo ainda mais rápido.

 

 

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