Depois de 30 anos à frente de uma das empresas familiares mais bem sucedidas do Brasil, Clovis Tramontina se aposentou em 2021 e constata: faltam lideranças no Brasil. E, na sua avaliação, isso contribui para o cenário de crise nacional e também internacional.
Em meio à crise desencadeada pela pandemia, o empresário destaca que é preciso "serenidade para atuar em momentos de crise". Fala sobre a polarização política em torno da Presidência da República, diz que faltam opções que se mostrem viáveis e promovam as mudanças que o País precisa, como o combate à pobreza.
Lançando a segunda edição de sua biografia "Clovis Tramontina: Paixão, Força e Coragem", que reúne memórias de sua trajetória pessoal e profissional, Clovis aprofunda sua visão de mundo ao O POVO, em entrevista que concedeu após sua palestra no Ecomac, evento do setor de materiais de construção promovido pela Associação dos Comerciantes de Materiais de Construção do Ceará (Acomac) e realizado no Ceará no fim de junho.
O POVO - Em sua palestra, o senhor abordou o tópico liderança. O senhor acredita que faltam lideranças no Brasil?
Clovis Tramontina - O que vejo é que o problema da falta de lideranças começa nas famílias. Percebo muitas famílias desestruturadas. Vejo que hoje os pais não têm o cuidado de dar o "não" às crianças. Por eles não terem tido oportunidades nas suas infâncias, permitem tudo aos filhos. Não é assim que se educa. Na educação é preciso dar limites e as crianças querem limites. Vou deixar as lideranças políticas por último... Na área empresarial não é diferente. Nós já tivemos grandes ícones empresariais, mas não se pode confundir líder empresarial com envolvimento na política. Ele precisa ser líder empresarial. Às vezes confundimos e vemos grandes empresários que depois vão para política, ou presidem uma entidade e depois vão para área política... Mas acho que não é por aí.
Eu digo que se nós incutirmos num grupo de pessoas esse aspecto de liderança em que o líder não precisa estar presente. O melhor líder é aquele que nem precisa estar presente, que nem Jesus. Não está presente, mas seguem o exemplo dele. Quantas vezes o empresário de sucesso se retira do negócio, mas ele continua andando ainda melhor do que antes.
OP - E como o senhor está observando o Brasil neste momento com relação às lideranças constituídas?
Clovis - Vejo uma falta de lideranças na área política. Estamos percebendo isso neste ano, temos uma polarização no Brasil entre Lula e Bolsonaro. Isso demonstra que faltam líderes para termos uma terceira ou qualquer coisa do tipo. O Lula tem suas ideias, o Bolsonaro também, os dois possuem ideias boas e ruins. Mas se tivéssemos mais pessoas... Aqui no Brasil passamos muito tempo discutindo coisas bobas, a democracia. Gente, a democracia não se discute, todos nós queremos um país livre, liberdade de imprensa com responsabilidade, ainda mais neste mundo de redes sociais, todo mundo tem verdades, coloca qualquer coisa ali e se torna verdade.
Uma vez eu quis ser candidato a prefeito da nossa cidade, Carlos Barbosa-RS, e precisa se filiar a um partido político. Aí fui conhecer a Marina Silva (Rede), ex-ministra do Meio Ambiente e que concorreu à Presidência da República, recebendo 10 milhões de votos. Eu fui bater um papo com ela para saber o que era um partido político. E o que ela me disse foi a melhor definição: Partido político congrega partes da sociedade. Então temos tudo ali, intelectuais, heterodoxos, ateus, homossexuais, empresários, estudantes, ladrões... Tem tudo! Depois disso disse: "Muito obrigado, ministra. Tomei a decisão de não concorrer mais”. Porque eu entendia que a gente deveria juntar um número de pessoas e discutir as coisas da nossa cidade, abrindo mão do interesse particular para cuidar daquela comunidade. É por isso que quando eu vejo o atual prefeito de Carlos Barbosa, que está com o caixa da prefeitura cheio. Mas o dinheiro não é para estar parado no caixa, ele precisa ser trabalhado, ajudar a sociedade a crescer como um todo, então é esse tipo de liderança que acho que está em falta.
OP - Ainda falando de liderança, é possível formar tecnicamente um líder ou essa é uma característica nata?
Clovis - Eu tenho uma visão e estou trabalhando agora com diversas universidades no Rio Grande do Sul para desenvolver um curso de Liderança. Não sei se dá para formar lideranças, mas acho que dá para incutir nas pessoas o que é ser líder. O maior líder de todos é Jesus Cristo. Estamos há dois mil anos depois dele, nem precisamos discutir se ele é deus ou não - isso depende da crença de cada um, mas que esse homem mudou o mundo, mudou. E o que ele pregou foi o bem, pregou que era preciso perdoar, aquelas coisas bem pontuais, mas é uma filosofia que nem todo mundo concorda. Mas Jesus é um líder que mudou o mundo pra valer. Eu digo que se nós incutirmos num grupo de pessoas esse aspecto de liderança em que o líder não precisa estar presente. O melhor líder é aquele que nem precisa estar presente, que nem Jesus. Não está presente, mas seguem o exemplo dele. Quantas vezes o empresário de sucesso se retira do negócio, mas ele continua andando ainda melhor do que antes. Porque desenvolveu uma liderança nesse tempo. No curso de Liderança não discuto matemática ou nada de coisas exatas, é tudo diferente. Lança-se um tema no ar e vamos debater e aí vemos como as pessoas pensam e agem. O líder tem de ter serenidade para atuar em momentos de crise.
OP - Estamos passando por um momento de uma forte crise internacional. Como os líderes, empresários e as pessoas devem passar por esse momento?
Clovis - Tu achas que se tivesse a Angela Merkel, o papa João Paulo II e o Donald Trump - não que o Trump seja líder, teria guerra? Claro que não. A Angela iria pegar o telefone e ligaria para o Putin, iria conversar - ela falava russo. A Europa é pequenina, os países dependem um do outro e todos dependem da Rússia no fornecimento de combustível. Aí sentimos a falta de liderança no mundo. Quando olhamos para as Américas nos perguntamos quem é o líder. Seria o Lula? Mas que liderança é o Lula. Eu votei nele, mas não voto nele nunca mais porque acho que o seu tempo passou. Ele teve um princípio fantástico - e que eu disse para ele um dia, que era do combate à fome, de que ninguém no Brasil poderia passar fome. E o Bolsonaro? Ele é um troglodita que diz as coisas. E um presidente da República não pode dizer tudo que ele quer. Ele tem de medir as palavras na hora de falar porque ele é um exemplo para os outros. Mas está polarizado, então vamos ver o que sai daí.
OP - O senhor falou da fome, que era o grande desafio do Brasil há 20, 30 anos, mas que voltou. Vendo esse contexto como grande liderança empresarial, o que se pode propor como sociedade que quer solução?
Clovis - Temos que primeiro admitir que a pandemia bagunçou tudo, desarrumou o mundo. Estamos tendo inflação nos Estados Unidos e na Europa depois da II Guerra Mundial. Desarrumou no aspecto logístico, - aí temos o efeito da guerra, desarrumou no aspecto de preços, as relações. Por exemplo, hoje se questiona muito a globalização, porque os países estão se voltando para cuidar internamento, voltando os olhos para dentro de cada país. Mas nós como sociedade devemos voltar a incentivar o crescimento, temos que voltar a gerar emprego. E vou contar o exemplo pontual da Tramontina, em que nós geramos agora 350 empregos na nova fábrica em Moreno, região metropolitana de Recife-PE. Temos 40 jovens formados ou estudando engenharia de Moreno-PE. Não é São Paulo, não é Rio Grande do Sul, nem Recife capital. Então, imagina como vai mudar a região em dez anos. Por isso falei ao prefeito que batesse uma foto de Moreno-PE hoje e daqui a 10 anos olhasse a evolução que essa cidade vai ter porque entrou a educação de diferente com geração de empregos. Esses são os 350 empregos diretos gerados pela Tramontina, mas ainda teremos alimentação, transportes, limpeza, viagens... É investimento gerando mais investimentos.
OP - O Nordeste tem atraído muitos investimentos de empresas de outras regiões e a Tramontina é um exemplo. Como o senhor avalia os incentivos oferecidos e como a Região pode se tornar mais atrativa?
Clovis - O Ceará tem a localização estratégica do porto mais próximo da Europa e da África. A África é um continente com 1 bilhão de habitantes e é um mercado muito parecido com o nosso, cultura parecida. Não podemos esquecer dos muitos africanos que vieram ao Brasil desde a época da escravidão, num primeiro momento sendo mão de obra nos cafezais, depois no setor industrial, conquistando seus espaços. É o tipo de coisa que não podemos perder essa oportunidade. E outra coisa, o Nordeste tem 45 milhões de habitantes com pouca infraestrutura. Ainda precisa no Nordeste muita moradia, mas tivemos agora a transposição do Rio São Francisco que vai ser um ganho muito grande pro Nordeste. O setor de energia é outro com grande potencial, com eólica, que está sendo desenvolvida na Região de uma forma fantástica, então o Ceará e o Nordeste tem um potencial fantástico de crescimento.
OP - A Tramontina produz 500 milhões de talheres por ano e é uma empresa de 111 anos. Como é para uma empresa familiar chegar a esse porte?
Clovis - Uma moça me abordou e disse que assumiria o lugar da mãe na gestão da empresa metalúrgica da família, me pediu dica. Primeira coisa é o seguinte: respeitar os valores da empresa é fundamental. Não brigar com os antecessores. Eu sei que meu pai (Ivo Tramontina, um dos fundadores da empresa fabricante de artigos de cutelaria e equipamentos para o lar) e o senhor Ruy (Ruy Scomazzon, sócio da Tramontina desde 1949 e participante do processo de crescimento internacional da empresa) não concordaram com tudo que fiz, claro que não. Eles tinham pensamentos diferentes em muitas coisas. Mas eu tive a ideia de nunca me impor, mas sempre de buscar convencer. Eu era um bom político, negociador.
É aquela coisa de ter muita transparência, muito diálogo, não bater de frente. E tem uma máxima que é a seguinte: Sempre faça uma evolução, nunca uma revolução. Revolucionar custa muito caro.
OP - Nessa mudança de gestão a Tramontina se notabilizou também por avançar muito no investimento em mídia...
Clovis - Eu lembro que quando quis entrar com televisão, meu pai e o sócio não aceitaram bem. Mas eu disse: "Papai, senhor Ruy, com isso aqui nós vamos falar com 70 milhões de pessoas em 30 segundos". E para eles não é tão simples. Mas eu fui conquistando. É aquela coisa de ter muita transparência, muito diálogo, não bater de frente. E tem uma máxima que é a seguinte: Sempre faça uma evolução, nunca uma revolução. Revolucionar custa muito caro.
OP - A Tramontina dobrou de tamanho durante a pandemia, evoluiu o faturamento. Vimos o caso de muitas empresas brasileiras gozando do mesmo cenário, já outras sofreram. Como o empresário deve lidar com essas situações?
Clovis - No aspecto de empresa em crescimento, na Tramontina sempre tivemos crescimento orgânico. A Tramontina nunca adquiriu ninguém, nunca colocou ações em Bolsa, nem nunca se associou com ninguém. Lembra que falei sobre a admissão de 350 pessoas para a fábrica de Moreno-PE... Mas nós nunca admitimos 350, mas fomos admitindo dez, depois 20, depois mais 30. Íamos preparando as pessoas e aí elas vão ficando. É preciso dar segurança para as pessoas, não podemos admitir e depois demitir. E é analisar o seguinte: Você cresce com base em que financiamento? É preciso ter recursos próprios, ter crédito junto a bancos e fornecedores, e tudo precisa ser bem calculado. Eu prefiro lidar mais com crescimento do que com a parada, pois elas nunca são fáceis. E eu lembro que a Tramontina, na década de 1960, colocamos nossa primeira fábrica no Nordeste, mas ainda sem cultura de trabalhar fora do Rio Grande do Sul. E aí estávamos com uma forjaria na Bahia com temperatura ambiente de 30°C, só que estávamos acostumados com 15°C e era uma coisa completamente diferente. E eu lembro que essa empresa ia mau, mas meu pai e o Ruy nunca fecharam essa empresa. Quando foi em 1982, quando eu estava em São Paulo conversando com um amigo se a gente poderia transformar aquela unidade fabril em um centro de distribuição.
OP - A Tramontina é a segunda marca mais valiosa do Brasil, segundo a Istoé. Pode ser considerado o auge?
Clovis - É o auge. Desde que minha esposa me conheceu uma das coisas que eu sempre disse que queria trabalhar era a marca porque eu sempre acreditei nisso. E quando surge a internet, as vendas pelo e-commerce, a marca não deixa de ser um atalho, pois quando as pessoas olham a marca, elas também enxergam os valores, como qualidade, responsabilidade e sabe que não terá problema com os produtos dessa marca. Me perguntaram qual o meu maior sonho e eu disse que queria ver a Tramontina entre as 10 maiores marcas brasileiras. E há dez dias se realizou, sendo a segunda marca mais valiosa do Brasil, na frente de iFood, Magazine Luiza. Isso é sensacional.
OP - Agora o senhor está se dedicando ao lançamento da segunda edição de sua biografia. De onde surgiu a ideia do livro?
Clovis - Na volta de uma viagem, minha filha me deu de presente um livro chamado "My White Book" (Meu livro em branco, em tradução literal) e quando olhei, as folhas estavam em branco. E ela me sugeriu de escrever nessas páginas a minha história. Aí eu tava na praia com minha esposa, na época da pandemia, e comecei a anotar algumas coisas. Depois conversando com nossa diretora de Marketing e assessora de imprensa disse: "Gurias, eu quero fazer meu livro". Começamos assim, foram dois anos de trabalho e pesquisa, entrevistamos muita gente porque eu queria que tudo fosse comprovado. Isso eu aprendi com senhor Ruy e meu pai, nada poderia ser inventado. E depois, quando escrevemos o livro, ele foi pra crítica de um diretor nosso que sempre viajou muito comigo para ver a parte comercial, o meu cunhado para ver a parte de família, além do meu sócio para ver tudo. E depois eu disse que não queria ganhar dinheiro com esse livro, então toda receita vamos doar para entidades da nossa cidade. Eu paguei todo o livro e não dei custo nenhum para a Tramontina. E está sendo um sucesso. A primeira edição vendeu 10 mil unidades e agora a segunda edição estamos vendendo mais 5 mil. E é uma bonita história para quem quer empreender e jovens empresários e dá uma lição bacana de como lidar com pessoas.
E eu quis trazer também uma novidade, eu coloquei a família Scomazzon na presidência da empresa. Sempre foi a família Tramontina e agora será um revezamento. A partir de agora a cada quatro anos muda o presidente e quem assume é o vice-presidente, daí daqui a quatro anos a família Scomazzon escolhe o vice-presidente. Tudo foi bem aceito e bem acordado.
OP - Sobre o processo de sucessão na Tramontina, com sua saída em 2021, como foi o processo numa empresa familiar? Esse é um momento delicado?
Clovis - Foi muito costurado. Ninguém falava em sucessão até há dois anos, quando surgiu a pandemia e eu falei com minha esposa que queria parar. Só que para eu parar teria de preparar a sucessão e aí entendi que o sucessor precisaria ter o mesmo perfil para dar uma continuidade, seguindo os mesmos valores. Aí eu vi o Eduardo Scomazzon, filho do senhor Ruy, somos amigos e trabalhamos desde crianças juntos e viajamos muito juntos, como a pessoa ideal. Num primeiro momento ele não quis e levei quase um ano para convencer ele para assumir a presidência e o meu filho Marcos a assumir a vice-presidência. E eu quis trazer também uma novidade, eu coloquei a família Scomazzon na presidência da empresa. Sempre foi a família Tramontina e agora será um revezamento. A partir de agora a cada quatro anos muda o presidente e quem assume é o vice-presidente, daí daqui a quatro anos a família Scomazzon escolhe o vice-presidente. Tudo foi bem aceito e bem acordado. Foi uma coisa que procuramos mudar e tudo foi feito por consenso, não teve votação, pois se tiver votação, alguém perde.
OP - O slogan de uma marca pode ficar marcado no mercado e entre os clientes. Como foi o processo de desenvolvimento do slogan da Tramontina? É uma coisa natural, vinda do tato do empresário, ou técnica, a partir do trabalho de publicitários?
Clovis - Hoje o slogan Tramontina é "o prazer de fazer bonito". Mas a forma de produzir um slogan dependeu da época. Houve um tempo em que era muito mais intuitivo. Já na minha época, nos últimos 30 anos, as coisas passaram a ser muito mais elaboradas. Nós tínhamos um slogan "a qualidade de aço", mas pensamos que era uma coisa muito dura e também começamos a lançar produtos que não eram de aço, eram de plástico, agora temos de porcelana. Tínhamos que mudar. Aí levamos para a agência de publicidade, eles discutiam, levavam pra gente e aí a gente decidia por consenso.
Eu lido muito com a gurizada e digo o seguinte: Vocês tem que ser ágeis, podem ter velocidade, mas não podem ter pressa. Vou dar o exemplo da Fórmula 1. Para ser um piloto, é preciso correr antes no kart, depois vai para a Fórmula 3000, depois vai ser piloto de testes. E aí, se ele tiver habilidade, pode ser que consiga virar piloto de Fórmula 1.
OP - "Experiência ainda é um grande valor", disse o senhor em sua palestra. Como podemos analisar essa afirmação na realidade do mundo empresarial hoje?
Clovis - A Geração Z é muito dinâmica e veloz. Tudo bem. Eu lido muito com a gurizada e digo o seguinte: Vocês tem que ser ágeis, podem ter velocidade, mas não podem ter pressa. Vou dar o exemplo da Fórmula 1. Para ser um piloto, é preciso correr antes no kart, depois vai para a Fórmula 3000, depois vai ser piloto de testes. E aí, se ele tiver habilidade, pode ser que consiga virar piloto de Fórmula 1. Porque para andar a 300 km/h de lado de um muro sem bater, precisa ser bom. Mas se for o Clovis pegar um carro de Fórmula 1, eu vou bater de primeira. Então é preciso ter experiência e ela só se adquire com o tempo.
OP - Em 2014, o senhor foi escolhido um dos 100 líderes empresariais com melhor reputação no Brasil. Em meio ao cenário que vivemos, existe uma cobrança de que quem possui melhor reputação ou condição financeira dê algum retorno para a sociedade. O senhor sente isso como pressão ou é uma coisa natural?
Clovis - No meu caso com a Tramontina é muito natural. Atuamos de forma muito intensa com a sociedade. Na enchente que teve recentemente em Pernambuco, por exemplo, nós somos uma pequena empresa lá. Mas a Tramontina esteve presente. Na nossa região, em Carlos Barbosa-RS, na época da pandemia, nós assumimos hospitais, colégios, igreja, junto com a prefeitura. E também Garibaldi, Farroupilha e Encruzilhada do Sul. Em Encruzilhada do Sul, temos um centro educacional que atende as crianças pobres no contraturno escolar. Um dia visitei o centro e encontrei uma menina comendo um sanduíche e brinquei pedindo um pedaço. E a menina me disse assim: "Tio, é só isso o que tenho pra comer". A professora depois me disse que, provavelmente, essa seria a única refeição dela no dia. E estou falando de Rio Grande do Sul, lugar em que temos o frio e as pessoas precisam estar bem alimentadas pra se esquentar.
OP - Sobre a experiência da Tramontina no mercado internacional. Hoje, com o mundo globalizado, o sonho de muitos empresários é empreender no Exterior...
Clovis - Seu Ruy, sócio do meu pai, era um homem de visão, que lá na década de 1960 fez a primeira exportação para o Chile. Ele sempre foi o homem que incentivou muito que a Tramontina exportasse. O Eduardo, filho dele, que é o atual presidente, e eu viajamos muito. A nossa primeira viagem internacional a negócios foi para África, visitando Gana, Costa do Marfim, Nigéria e Senegal, em 1977. Nós vimos uma grande miséria e ficamos apavorados. Mas valeu, foi muito bom. E a Tramontina ainda vendia pouco no Exterior. O Eduardo se entusiasmou pelo mercado internacional, aí fizemos ações aqui e ali, mas quando a Tramontina dá o grande lance na área internacional foi em 1986 quando o Eduardo insiste em abrirmos nossa empresa nos Estados Unidos. Abrimos a TUSA - Tramontina of United States of America, e ali começamos a vender para o Walmart, Costco e, mais recentemente, The Home Depot. Quando se vende para essas empresas, vende-se para o mundo, pois essas redes possuem lojas no mundo inteiro, inclusive na China. Então, ao vender um produto "made in Brazil" para o Walmart, está botando esse produto na China. Então, facilmente se vê produto Tramontina na China, Austrália, Japão e assim por diante. Além de tudo isso, temos 18 unidades no Exterior. Não vendemos muito em todos os países, mas estamos presentes. Então, temos essa visão de que o produto Tramontina vendido no Brasil também é ofertado lá fora.
OP - A dificuldade de empreender no Brasil é expressa nos dados de sobrevivência de novos negócios. Na visão do senhor, o que é preciso ter para sobreviver no mercado brasileiro?
Clovis - Acho que tem duas coisas. Às vezes se confunde entre inovar e empreender. Startup é na área financeira, de tecnologia e eles falam muito de unicórnios... Acho que empreender é o seguinte: É começar o negócio, querer fazer aquilo para depois acreditar e correr riscos. A minha irmã uma vez veio me dizer que queria montar uma loja. Aí avisei ela que precisaria trabalhar até no fim de semana e ela se desmotivou... Empreender dá muito trabalho, é preciso ter muita persistência e estar disposto a correr riscos.
CURRÍCULO
Nascido em 1956, em Carlos Barbosa-RS, Clovis se formou em Administração na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, além de pós-graduação em Administração pela Fundação Getulio Vargas.
EMPRESA
Fundada pelo filho de imigrantes italianos, Valentin Tramontina, há 111 anos, em Carlos Barbosa-RS, a Tramontina era uma ferraria que depois passou a produzir canivetes artesanais. Foi a partir de 1949, sob administração de Ivo Tramontina e seu sócio, Ruy Scomazzon, que os negócios cresceram. A partir de 1992, sob a tutela de Clovis a empresa rompeu as fronteiras do Rio Grande do Sul e do Brasil, tento hoje unidades em 18 países e faturamento de R$ 10 bilhões.
PROJETOS
Mesmo convivendo com os efeitos da esclerose múltipla, diagnosticada ainda na juventude, Clovis se empolga com o futuro. Diz estar conversando com universidades gaúchas para lançar um curso de Liderança.