Um governo menos petista e com maior participação de políticos de centro, parte dos quais considerada adversária até há poucos anos. É assim que o sociólogo Celso Rocha de Barros prevê o desenho inicial da gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a partir de janeiro do ano que vem.
Autor de “PT, uma história”, que sai agora pela Cia da Letras, Barros projeta que, diferentemente do cenário de duas décadas atrás, quando o partido vencia a sua primeira eleição presidencial, o de hoje é bastante diverso.
“Em 2002 a esquerda nunca tinha chegado ao poder. Então, na primeira vez que ganhou, era óbvio que todo mundo queria ver como seria uma política educacional de esquerda, uma política de saúde de esquerda”, explica.
Para derrotar Jair Bolsonaro (PL) nas urnas no segundo turno disputado em 30 de outubro, porém, a legenda precisou ampliar seu alcance, buscando adesão de forças sem as quais vencer o presidente teria sido mais difícil.
Em conversa com O POVO por chamada de vídeo, Barros avalia que, no novo arranjo que deu vitória a Lula, levando-o a um terceiro mandato no Planalto, “os setores centristas vão ter um papel importante no governo”.
O POVO – O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva disse, antes mesmo da eleição, que, em caso de vitória, faria um governo para além do PT. Na prática, pro senhor, que está lançando um livro muito rico sobre a história do partido, o que isso deve significar?
Celso Rocha de Barros – Se a gente comparar com a vitória do Lula em 2002, por exemplo, a presença do PT no governo vai ser menor do que foi há 20 anos. E isso é natural. Em 2002 a esquerda nunca tinha chegado ao poder, então, na primeira vez que ganhou, era óbvio que todo mundo queria ver como seria uma política educacional de esquerda, uma política de saúde de esquerda, enfim. Era inteiramente compreensível que o PT quisesse botar o máximo possível de gente em ministérios importantes. Isso acabou sendo diluído ao longo dos governos petistas, principalmente quando teve aliança com o PMDB e o partido precisou ceder vários ministérios. Mas, durante todos os governos do Lula e da Dilma, o PT foi claramente hegemônico na formação do governo. Neste não é a mesma coisa. Para começar, neste ano o Lula só conseguiu cruzar a fronteira dos 50% mais um graças às alianças que ele fez no segundo turno. Os petistas podem até dizer: “Mas a gente entrou com 45% e os caras entraram só com 6%”. Pois é, mas sem esses 6% eles teriam perdido com 45%. Foram esses 6% que fizeram o Lula ser o vencedor e não um cara com 45%. Com esse pessoal que aderiu no segundo turno, e setores do centro que já tinham apoiado no primeiro turno também, a aliança do Lula já era mais ampla do que a que tinha eleito ele em 2002. Esses setores obviamente vão ter uma participação no governo proporcional a sua importância durante a eleição. Vai ter mais ministérios para essa turma que apoiou o PT mesmo vindo de tradições políticas e de grupos que normalmente se opunham ao Partido dos Trabalhadores.
OP – Vai ser um governo menos petista, nesse sentido.
Rocha de Barros – Exatamente, exatamente.
OP – O partido está preparado para isso? O PT é uma legenda habituada a ter controle, a ter centralidade e uma certa hegemonia política. A legenda está preparada para esse novo cenário em relação a 2002?
Rocha de Barros – Eu acho que a direção sabe que esse é o caminho. Acho que o Lula sabe disso, a Gleisi Hoffmann sabe disso, os dirigentes sabem disso. Pra militância, pode ser um pouco diferente, pode ser uma experiência que exige uma certa adaptação. Porque uma coisa que a gente tem que ver é que os últimos anos, para o militante do PT, foram muito turbulentos. Em 2016 o pessoal do PT era apedrejado na rua, teve uma eleição pra prefeito que foi um massacre. Em 2018 parecia que ia voltar, que ia ganhar de novo, mas aí prenderam o Lula. E então entra Bolsonaro, fica ameaçando golpe até agora, inclusive. Ninguém sabe se tem que fazer uma frente ampla ou se preparar para a resistência contra um golpe. Foi um período confuso mesmo, tem que dar um crédito para o pessoal do PT que está meio perdido. Acho que a militância, que teve um discurso até bem de esquerda nos últimos anos porque estava fazendo oposição e resistindo à prisão do Lula, vai ter que fazer uma transição para uma conversa mais moderada. Isso pode ser traumático para algumas pessoas. Ver antigos adversários como aliados pode causar um ruído, mas, para a direção do PT, está bastante claro qual é o caminho.
OP – A própria indicação do Geraldo Alckmin como coordenador da equipe de transição já é sinal disso.
Rocha de Barros – Exatamente, havia uma dúvida se seria ele ou a Gleisi. A gente não sabe se isso teria feito tanta diferença substantiva, mas, como sinalização, é bastante claro que a indicação do Alckmin é uma afirmação de que esses setores centristas vão ter um papel importante no governo.
OP – Há sinais de uma certa acomodação, com falas do Arthur Lira, emissários de parte a parte que vão travando diálogo. Como projeta esse início de governo com relação ao Congresso? Vai ter uma composição, Lula não deve se meter muito ali na sucessão das duas casas?
Rocha de Barros – Eu acho que vai ser relativamente tranquilo. Esses setores do Congresso que apoiavam Bolsonaro, grande parte apoiava porque Bolsonaro estava no poder e apoiavam por disputa de cargos, não teriam nenhum problema em apoiar o Lula. Acho que o Lula não vai se meter muito na sucessão do Arthur Lira. Não vai participar ativamente disso, não vai apoiar uma oposição ao Lira. Não sei se vai apoiar o Lira, mas não vai comprar essa briga, o PT é bastante escaldado com isso por causa do Eduardo Cunha (presidente da Câmara em 2015-2016). Se aquele processo tivesse sido mais tranquilo (a disputa pela mesa-diretora da Casa), a Dilma não teria sofrido impeachment, provavelmente. Vai ser um cenário de conciliação dentro das instituições.
OP – A gente também tem visto pipocar dentro da esquerda uma reivindicação de “anistia, não”. O pessoal parece estar se referindo especificamente às investigações em torno do presidente Jair Bolsonaro. Vê um aprofundamento dessas apurações que têm o presidente como alvo?
Rocha de Barros – Devo dizer, primeiro pro leitor ter uma ideia, que eu escrevi uma coluna dizendo que o Bolsonaro merecia ser preso no começo de 2020. Como podem imaginar, não sou simpatizante da tese da anistia ao Bolsonaro. Isso não vai depender naturalmente das minhas opiniões, vai depender do equilíbrio de poder na cúpula e do que eles avaliam que seria um risco institucional. Eu acho que seria muito ruim uma anistia porque a impressão que dá é que a extrema-direita pode dar golpe, pode matar as pessoas sem vacina e fazer o que quiser e nunca vai sofrer consequência nenhuma com relação a isso. Agora isso vai passar por aquelas negociações que a gente conhece na política brasileira. Mas tem uma coisa: os casos do Bolsonaro vão para a primeira instância. De agora em diante, é com o Judiciário, não é que o Lula vai atrás do Bolsonaro. Pela primeira vez em 30 anos Bolsonaro não vai ter foro privilegiado, ele tem um acumulo razoável de processos nesse tempo todo, por isso ele está preocupado. Esse pessoal que estava bloqueando estrada está crente em que está salvando o ocidente, salvando a liberdade, combatendo o comunismo, mas estão ajudando o Bolsonaro a fugir da cadeia, é só isso. A cultura política brasileira é de acordões, de transações pelo alto, mas não acho impossível que ele sofra alguma punição. Algum fortalecimento das instituições aconteceu desde a transição democrática.
OP – Qual é a tarefa mais desafiadora para o presidente eleito no início do mandato? O rombo fiscal, que fica de herança do governo Bolsonaro?
Rocha de Barros – Acho que isso vai ser um problemão. Bolsonaro tentou melar essa eleição mudando a Constituição três meses antes para ele poder gastar mais dinheiro. A Caixa Econômica, só agora a gente vai saber o tamanho do buraco lá. Ele saiu inventando programa de qualquer jeito, sem qualquer critério. Um monte de gente que pegou consignado durante o auxílio provavelmente acha que não tem que pagar. Acho que muita gente não vai pagar. Como vai ser isso, o que vão fazer? Vai ser um problema. O que acho importante é Lula já começar dando uma sinalização de que vai conseguir passar coisas no Congresso que vão não só ajudar a estabilizar as contas públicas no médio prazo, mesmo que tenha uma deterioração no ano que vem, porque todo mundo sabe que vai ter. Se aumenta a relação dívida/PIB no ano que vem, mas tem um plano, tem uma regra fiscal, tem um projeto pra que ela comece a cair depois, o mercado aguenta isso. Não é um pesadelo, não vai desabar o Real, não vai cair o Brasil, não vai acontecer nada. Precisa ter uma regra fiscal bem bolada para começar a implementar já no começo do governo. E a outra coisa é ter medidas que favoreçam o crescimento, principalmente a reforma fiscal, eu acho. Hoje surgiu o boato de que o Bernard Appy (economista) vai participar do governo. Ele foi da equipe do Palocci e, ao contrário de outros membros da equipe do Palocci, ele foi do PT nos anos de 1990 e recentemente estava mais próximo dos economistas liberais. Mas ele bolou uma proposta de reforma tributária que é a base daquela emenda do Baleia Rossi que está circulando pelo Congresso. Eu acho que o governo Lula vai tentar aprovar uma coisa daquelas, uma variante. Eles não estão anunciando isso porque primeiro vão chamar os governadores pra dizer quem topa, quem não topa e o que tem que fazer pra todo mundo topar. Com esse tipo de coisa – passar uma reforma tributária, o que vai ser a política do BNDES, sinalizar que as contas não vão se descontrolar completamente e que vamos ter medidas concretas para o crescimento que não seja só ativismo estatal –, eu acho que consegue botar nos eixos. E se isso entrar nos eixos, essa turma pode querer golpe dia sim, dia não, pode fazer o que quiser que não tem problema, não vai acontecer nada.
OP – Com relação ao Congresso, a gente vê uma bancada conservadora, com quadros que saem do governo e se elegem. Isso representa algum tipo de dificuldade para o governo?
Rocha de Barros – Acho que isso vai variar. Primeiro, são todos conservadores, vão defender políticas conservadoras e, até aí, estão no seu direito. Os eleitores votaram em candidatos conservadores para isso. O PT tem que se conformar com isso, teve gente que quis eleger conservadores e elegeu, isso faz parte do jogo. Agora, quais desses caras vão querer realmente partir pra sabotagem aberta? Tem uns que certamente vão. É difícil imaginar que a Damares Alves, Eduardo Bolsonaro ou a Carla Zambelli, caso não perca o mandato já agora, façam uma oposição civilizada ao Lula. Mesmo o Mourão, por exemplo, eu acho inteiramente possível imaginar que ele se integre como um senador de direita normal e participe das discussões nesses termos. O Moro e o Dallagnol a gente não sabe bem o que vai acontecer, eles saíram um pouco desmoralizados por terem apoiado o Bolsonaro depois de tudo que eles tinham dito sobre o Bolsonaro não 20 anos antes, mas seis meses antes. Se eles quiserem fazer uma oposição radical, eu não acho que vão ter muito sucesso. Os termos em que eles querem fazer essa oposição não são populares, vai depender muito do que vai acontecer. Eu suspeito que no PL, por exemplo, que elegeu a maior bancada graças ao apoio do Bolsonaro, tem muita gente que não é maluco e que vai participar da discussão normal. Inclusive suspeito que vamos ter vários casos de cura psiquiátrica milagrosa nos próximos meses, de sujeito que parecia maluco até um mês atrás e que agora em janeiro vai estar discutindo normalmente.
OP – Os novos-cristãos.
Rocha de Barros – Isso, uns casos assim de cura sensacional.
OP – O PL elegeu quase 100 deputados, o União Brasil também tem uma bancada expressiva. Bolsonaro fez menção a isso ao dizer que o país elegeu um Congresso conservador. Imagina que uma parte dessas bancadas pode rachar? O PL, por exemplo.
Rocha de Barros – Eu acho que o PL pode rachar e os outros vão aderir inteiros. No União Brasil tem negociação com quase todo mundo, tirando um ou outro. Tem amplas possibilidades de discussão com esse pessoal. E o PL vai se dividir, vão ficar uns caras fazendo umas bagunças lá. Além do fisiologismo, tem uma questão: vários desses deputados representam interesses empresariais. Nos partidos de direita os interesses empresariais estão fortemente representados. Os empresários têm todo o interesse do mundo em aprovar uma reforma tributária, aprovar medidas que possam favorecer o crescimento. Se tiver crescimento eles vão ganhar mais dinheiro, não tem por que serem contra isso. Não acho que isso vai ser uma enorme dificuldade.
OP – Ainda sobre o primeiro discurso do Bolsonaro depois da derrota, havia uma expectativa de que ele fosse reconhecer o resultado, mas ficou meio cifrado, não?
Rocha de Barros – Aquilo foi uma enrolação, uma enganação. Ele fez aquilo ali para ter um álibi caso tivesse morrido alguém nesses bloqueios de estradas. Ele vai dizer: eu não tenho nada a ver com isso. Mas ele não desencorajou os golpistas, muito pelo contrário. Quando disse que o processo da eleição foi injusto, ele encorajou os golpistas. Ele convocou a entrevista e demorou uma hora pra entrar pra fazer um depoimento de cinco minutos. Acho que o tempo pra entrar foi uma negociação entre ele e os aliados dele pra ver como ia ser a apresentação. Acho que ele queria fazer um negócio abertamente golpista, e a turma do centrão falou pra ele: cara, aí a gente não vai bancar você. Boa sorte, vai com Deus, faz aí, mas você se vira. Foi um vexame, uma vergonha para o Brasil. A imprensa internacional inteira entendeu que ele não reconheceu a eleição, todos os órgãos de imprensa internacional entenderam isso. E, por outro lado, todos os órgãos de imprensa já tratam o Lula como presidente. A imagem do Brasil atual é esta: o país elegeu um cara, quando quiser resolver algum problema, você liga pro Lula, mas tem um sujeito que fica fazendo umas anarquias lá, que é o Bolsonaro. Foi triste para o Brasil. Se a gente pegar todas as passagens de poder, nem todas foram super amigáveis, mas sempre teve algum rito, algum respeito.
OP – O presidente também citou os milhões de votos que recebeu. Você vê o Bolsonaro liderando a oposição nos próximos quatro anos?
Rocha de Barros – Eu acho que isso vai ser complexo. Primeiro, se ele queria fazer isso, ele não devia ter mandado ninguém bloquear estrada. Se ele sai no primeiro dia e reconhece a vitória do Lula, ele é o líder da oposição inconteste. É o cara que chegou perto de ganhar a eleição. Mas se o cara fica dois dias sem falar nada sobre o resultado da eleição, encorajando gente a tentar golpe de Estado fechando estrada, é mais complicado ser um líder de oposição. E que oposição ele vai fazer? Vai ser o líder da oposição no Congresso? Eu acho que não. O PL, por exemplo, vai fazer o que ele mandar no Congresso? Eu acho que não. Se ele queria esse papel de liderança da oposição, acho que fez tudo errado nesses últimos dias. E tem uma coisa sobre o Bolsonaro que torna ele completamente diferente do Trump, por exemplo. Não foi uma surpresa o Trump ganhar a eleição presidencial. Porque o Obama estava chegando ao final do seu segundo mandato, e o normal nos Estados Unidos é o presidente se reeleger e depois trocar o partido na eleição seguinte. O que foi impressionante no Trump foi ele ganhar a indicação do partido e assumir o controle. Quando ele perdeu a reeleição, já tinha botado gente dele no comando do Partido Republicano, que deve ser o partido mais poderoso do mundo democrático. Quando Trump estava na oposição, ele tinha a maior máquina do mundo a favor dele. O Bolsonaro não tem nada disso. Ele não tem um partido. Ele formou um partido forte em 2018 e rachou ele ao meio em seis meses, porque nunca quis disputar o jogo democraticamente, ele queria dar um golpe de Estado. Para ele sobreviver como líder de uma oposição democrática, não é fácil, porque para os aliados se aproximarem dele vai ficar uma suspeita: esse cara está se aproximando do Bolsonaro para concorrer numa eleição ou para dar um golpe? A direita vai ter um problema sério nas suas mãos nos próximos anos.
OP – E em relação a esse capital político, a esses milhões de votos do Bolsonaro, o que vai acontecer? Isso volta para a direita?
Rocha de Barros – Eu acho que volta. Acho que boa parte desses votos são votos de direita, de pessoas que querem votar no candidato da direita. Quando o candidato da direita era um cara civilizado do PSDB, eles votaram nele; quando o candidato era um fascista que nem o Bolsonaro, eles votaram nele. Mas eles votam na direita, seja lá quem for o cara. Uma boa parte desses votos não vai acompanhar Bolsonaro pelo resto da vida, não interessa o que ele faça. Obviamente que ele tem um recall, ele de fato entusiasma muita gente, mas se ele achar que ele tem 48% do eleitorado ligado a ele pessoalmente, ele está errado. Não é verdade. Até agora, ele tinha um grande argumento a favor de si: ele tinha ganho a eleição de 2018. Nada atrai mais aliados do que isso. E agora ele perdeu, ele foi o primeiro presidente brasileiro a perder a reeleição. Ele perdeu uma eleição em que ele gastou dezenas de bilhões de reais para ganhar. Ele fez um papel ruim na eleição, no fundo. Acho que se ele der de barato que essa turma toda vai continuar votando nele, está errado. Mas, claro, pode ser que a direita brasileira enfie os pés pelas mãos e não consiga lançar mais ninguém nem se organizar e acabe ficando com ele. Mas isso não vai ser tranquilo.
OP – Essa eleição parece que achatou o centro. Há vida para esse centro democrático no pós-eleição ou vamos continuar com dois polos muito claramente definidos?
Rocha de Barros – Primeiro, pode acontecer de ter dois polos definidos e nenhum ser radical. Isso é possível. Durante o auge da democracia brasileira, que foi naquele período de disputa entre PT e PSDB no meio da década de 1990, era isso. O PT já não era muito radical, o PSDB nunca foi, eram dois polos, mas eram dois polos democráticos, como aliás existem nos Estados Unidos, na Inglaterra. Agora, o que pode acontecer também é que lideranças que se destaquem no governo Lula, como a Simone Tebet, que provavelmente vai participar, podem reorganizar o centro. Pode ser que dentro da direita surja um pessoal xingando o Bolsonaro e defendendo uma virada para o centro. Pode ser que esses setores sejam bem-sucedidos. A gente não sabe como vai ser a dinâmica nos próximos anos, mas eu acho que o centro vai sobreviver de algum jeito, seja com um pessoal de centro no comando da esquerda ou um pessoal de centro no comando da direita, seja como uma facção separada, como foi o PSDB durante algum tempo. Eu acho que eles tiveram uma eleição muito ruim no primeiro turno, mas esses 6% que eles emprestaram pro Lula pode ser a salvação deles no longo prazo.
OP – Avalia que o PT pode capitanear esse centro?
Rocha de Barros – Eu acho isso possível, mas isso vai demandar bastante habilidade do PT e uma certa resignação com o fato de ser mais parecido com os outros partidos brasileiros do que os petistas gostariam de ser. E talvez dê errado. Mas eu acho que é uma das coisas que podem acontecer, até porque tem algo importante: com a reforma política de 2017, vai diminuir o número de partidos. De agora em diante, o PT tem que se encarar como o sócio majoritário de uma federação. O PT fez uma federação com PCdoB e PV, eu imagino que essa federação vai englobar o PSB e talvez mais alguns partidos depois. Aconteça o que acontecer, o PT tem que entender que agora vai ter menos partidos e é difícil imaginar que ele sozinho seja páreo, por exemplo, para as grandes agremiações que devem se formar à direita. Então eu acho que algum grau de convivência com setores mais centristas os petistas vão ter que aceitar e pronto, não vai ter jeito, pelo próprio desenho institucional e pela regra da reforma de 2017.
Livro
"PT, uma história" (Cia das Letras), livro recém-publicado por Celso Rocha de Barros, percorre os anos de formação da legenda do presidente eleito até a atualidade, abrangendo ao menos quatro décadas de história
Trajetória
Dos movimentos de base nos anos de 1980 até a crise que se seguiu ao impeachment de Dilma Rousseff, a obra combina análise histórica com dados econômicos para refletir sobre a trajetória do partido
Formação
Doutor em Sociologia pela Universidade de Oxford, Rocha também é colunista do jornal Folha de S.Paulo e servidor público federal