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Renato Meirelles: o viver fora da bolha e dentro da conscientização
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Renato Meirelles: o viver fora da bolha e dentro da conscientização

Em entrevista exclusiva ao O POVO, Renato Meirelles fala sobre temas pertinentes ao País como consumo, eleições, democracia, favela, racismo, pesquisas e, também, sobre as pessoas que permeiam todos esses universos
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Renato Meirelles é pai da Helena, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva e fundador do Data Favela (Foto: Divulgação Data Favela)
Foto: Divulgação Data Favela Renato Meirelles é pai da Helena, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva e fundador do Data Favela

 

Com mais de 20 anos de experiência em pesquisa, consumo e analisar pessoas, o entrevistado Renato Meirelles nasceu num mundo diferente do que escolheu conhecer e trabalhar.

E foi ainda na adolescência que ele, pertencente à classe média de São Paulo e estudante de colégio particular Equipe, optou por se matricular numa escola estadual e viver uma realidade diferente da sua, mas que ele considerava essencial e bem mais real para a maioria.

Logo se identificou com os grêmios estudantis e passou a viajar por outros estados para criar as agremiações, tanto em locais mais elitizados como nas periferias das cidades.

Aos 22 anos tornou-se o primeiro coordenador-geral do Sou da Paz, movimento em prol do desarmamento, que se transformou em uma ONG que hoje combate a violência social.

Toda essa vivência permitiu que acumulasse conhecimentos ao longo dos anos e conhecesse representantes nacionais de pautas como favela, pobreza, empreendedorismo e racismo, como o advogado e filósofo e Silvio Almeida; o fundador da Central Única das Favelas, Celso Athayde, com quem criou o Data Favela; e o atual presidente da Cufa, Preto Zezé, a quem ele tem o privilégio de chamar de amigos.

Juntos, os quatro possuem, com outras pessoas, o iO Diversidade, um ecossistema de soluções em diversidade, equidade e inclusão nas empresas.

O comunicólogo Renato ainda é escritor e especialista em consumo e opinião pública do País.

Sua agenda extremamente agitada é dividida entre palestras, entrevistas, participações fixas em mídias nacionais, novos pensamentos e projetos, a filha Helena e a esposa, e a presidência do Instituto de Pesquisa Locomotiva.

Seu diferencial? Falar de assuntos profundos e complexos de forma simples e de fácil compreensão. 

Renato Meirelles nasceu em São Paulo e ainda na adolescência trocou, por opção, a escola particular pela pública para conhecer novas realidades(Foto: Divulgação Data Favela)
Foto: Divulgação Data Favela Renato Meirelles nasceu em São Paulo e ainda na adolescência trocou, por opção, a escola particular pela pública para conhecer novas realidades

Com senso de humor perspicaz e pensamento rápido, há 21 anos conduz estudos sobre comportamento, consumo, cultura e opinião, liderando diagnósticos e estratégias de negócio para empresas brasileiras.

Assim conseguiu compreender o que tem por trás das aparências e ir muito além dos pré-conceitos.

Em 2012, fez parte da comissão que estudou a nova Classe Média Brasileira, na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE).

Recentemente participou do documentário "Utopia Brasil", disponível nas plataformas Vivo e Now, em que discute com outros pensadores, como Leandro Karnal e Mangabeira Unger, sobre a criação do Movimento Utopia Brasil e mostra como a cultura brasileira pode contribuir no surgimento de uma nova utopia.

Em conversa telefônica com O POVO, Renato Meirelles falou abertamente, sem titubear, sobre sua história pessoal, carreira, mercado de pesquisa, eleições, pesquisas eleitorais, racismo, consumo, empresas e amigos de luta para tornar o Brasil uma lugar mais justo e equilibrado.

 

 

O POVO: As pesquisas foram notícia nessa eleição pela imprecisão do primeiro turno. A que credita o que aconteceu?
Renato Meirelles: A gente teve uma eleição com uma migração de votos gigantesca. Nós temos 14% de brasileiros que declararam ter escolhido em quem iam votar no dia da eleição ou no anterior. E as pesquisas pegaram o resultado de sexta-feira, que foram divulgados no sábado ou no máximo no sábado de manhã.

Então o modelo de uma pesquisa não tem como prever uma eleição sem ter 14% de pessoas que decidem o voto literalmente na última hora. Como a gente não faz pesquisa eleitoral eu falo com tranquilidade, sem interesse próprio.

Mas, sem dúvida nenhuma, os institutos de pesquisa têm que avançar nos métodos, não de pesquisa, mas de apresentar os dados. Uma dessas possibilidades é o que foi utilizado no segundo turno, que você faz outras perguntas relacionadas à intenção real da pessoa ir votar. Quem fez isso foi a Quaest.

OP: Como que funciona?
Renato: Você pergunta direto, você faz a intenção de voto normal. Mas depois você faz outras perguntas, como por exemplo quanto você está decidido a dar o seu voto para o candidato que ele declarou. E uma outra pergunta é: qual é a sua certeza de comparecer à urna?

Aí você recalcula isso de acordo com a certeza do voto. Em geral, aproxima os números da realidade colocada na urna. Não é à toa que os institutos de pesquisa tiveram muito mais próximos resultados no segundo turno do que no primeiro.

É um processo que vai evoluindo e tem a ver com eleições com alto grau de derreter a terceira via também. Ou seja, candidatos que não estavam vinculados a nenhum dos dois líderes. Isso aconteceu aí no Ceará também.

Não só porque o voto do Ciro (Gomes) migrou muito mais para o Lula do que a gente esperava. Mas ao voto de governador que saiu do Roberto Cláudio e foi para o Elmano. E ele ganhou no primeiro sem a expectativa que ele iria ganhar. Mas, por que isso? Porque o a polarização dos dois candidatos nacionais interferiu na urna estadual.

OP: As pesquisas perdem forças para futuras eleições?
Renato: Os desafios são as empresas aperfeiçoarem não só os seus métodos, mas principalmente, a forma de apresentá-los para o grande público. Sou uma pessoa que continua acreditando na ciência.

Qual é a alternativa em relação à pesquisa? É o vento? Você vai lamber o dedo e ver para onde vai o vento? A pesquisa como qualquer outro método científico precisa evoluir sempre, no entanto a alternativa à pesquisa é muito pior.

Renato Meirelles é Pai da Helena, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva e fundador do Data Favela(Foto: divulgação Data Favela)
Foto: divulgação Data Favela Renato Meirelles é Pai da Helena, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva e fundador do Data Favela

OP: No que Lula e Bolsonaro acertaram e erraram na campanha? O que foi decisivo para vitória do Lula?
Renato: O Bolsonaro errou muito mais do que o Lula acertou. O Lula acertou ao buscar uma frente ampla, tentando fugir da polarização. Acerta isso, inclusive, colocando o Alckmin para liderar o processo de transição.

Lula acertou em não abandonar a pauta, que é muito cara ao eleitor dele, que é a pauta da promoção da igualdade e oportunidades, a pauta social. Mas o Lula errou ao cair no debate da pauta de costumes como caiu.

O Bolsonaro subestimou a capacidade que os beneficiários do Bolsa Família (Auxílio Brasil) têm de distinguir o que é uma medida estrutural, como foi a criação do Bolsa Família, do que foi uma medida eleitoreira, como a forma que foi feito o aumento dos R$ 600.

Ele pagou o preço dos erros da gestão, na questão de ter ido a Aparecida (do Norte, no dia 12 de outubro) e no desfile de Nazaré.


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"O Bolsonaro teve uma dificuldade na campanha de distinguir qual é a fronteira da melhor versão da verdade e da mentira. Ao invés dele buscar a melhor versão da verdade sobre a pandemia ele negava, ele negou ser contra as vacinas. Isso aí isso é mentira. E o eleitor percebe isso.

" Renato Meirelles

Então, esse modelo de narrativa somado a uma gestão polêmica na prática fez com que ele fosse o primeiro presidente candidato a reeleição que não fosse reeleito.

OP: Como analisa os movimentos pós-resultado? Aonde eles devem chegar?
Renato: O Bolsonaro não ouviu o ditado popular de que rei posto é rei morto. Ele subestimou isso, que uma coisa é o apelo do cargo, outra coisa é a capacidade que isso tem de se transformar numa contestação maior no resultado das urnas. Esse é um lado.

O outro lado é o oposto disso. Ele deixou claro que a radicalização leva a que uma parcela do eleitorado que mais minoritária que seja, seja capaz de fazer qualquer coisa em cima daquilo que ele acredita. Ele criou um movimento fundamentalista, que junta religião com política que é capaz de cometer qualquer atrocidade.

OP: O que podemos esperar nos próximos meses sobre essa polarização que ganhou força nos últimos anos?
Renato: O grande desafio da gestão do Lula é conseguir formar um campo mais amplo de aliados políticos, não só no parlamento, mas na sociedade. Entendendo que os 58 milhões de eleitores que votaram no Bolsonaro não pensam necessariamente como o Bolsonaro.

Os radicais, o cara do caminhão, esse povo que fica cantando o Hino Nacional para um pneu eles são relevantes, mas não são mais do que 10% do eleitorado. A conquista das outras pessoas que votaram no Bolsonaro pelo antipetismo depende da capacidade que o Lula vai ter de construir de consensos.

OP: A Copa do Mundo servirá como uma ressaca das eleições para os brasileiros?
Renato: Eu sou capaz de apostar e o presidente Lula irá assistir o primeiro jogo da seleção vestindo a camisa verde e amarela (No último dia 10, o futuro presidente confirmou essa previsão).

Pelo histórico de conciliação do Lula, acredito que ele será capaz de dialogar não com os radicais, mas com o eleitorado médio que votou no Bolsonaro.

OP: Os modelos políticos de democracia no Brasil e em outros países estão ameaçados de alguma forma?
Renato: Ameaçados não, mas eles sofrem uma necessidade de se abrir para uma democracia mais participativa, onde o cidadão não acha que é chamado para políticas só de quatro em quatro anos.

OP: Você trabalha com pesquisa, não de eleições, há mais de 20 anos. Como e quando surgiu a paixão por pesquisas?
Renato: Eu sempre gostei muito de gente. Sempre fui muito curioso, desde que me conheço por gente. Fui do movimento estudantil, ia viajar pelo Brasil, conhecendo as pessoas e construindo grêmios. E a curiosidade talvez seja a matéria-prima da pesquisa.

A hora que eu descobri que isso poderia ser uma profissão foi na faculdade, aos vinte e poucos anos, e tive um professor, o Fábio Mariano, que estava lançando um instituto de pesquisa, o Data Popular, e ele me convidou para ser estagiário.

"Esse professor, que era muito bom, me fez entender que atrás dos números têm as histórias das pessoas. Foi ele quem me ensinou que existe amor no excel." Renato Meirelles

No Data Popular me apaixonei por pesquisa profissionalmente. São duas fases, a da matéria-prima que eu nasci com ela de ser curioso, e aí quando eu descobri que a pesquisa nada mais é do que as histórias dessas pessoas, das relações delas com as marcas e os produtos eu me apaixonei pelo tema.

OP: De que forma avalia que elas ajudam a mudar a realidade do País?
Renato: Da mesma forma que um bom diagnóstico te ajuda a ter sucesso numa operação. A gente não pode operar um coração sem fazer antes todos os exames. Você não pode desenhar um prognóstico da cura do câncer sem fazer um diagnóstico claro de como ele está.

Isso não serve só nos casos das doenças não. Você não constrói uma casa sem ter construído uma boa planta. A pesquisa antes de tudo é a ferramenta de diagnóstico necessária para você construir ou mudar qualquer coisa.

"Eu sempre começo falando nas palestras que sou um cara que acredita que um mais um é igual a dois, que a terra é redonda e que vacina salva. As pessoas que não entendem isso não vão entender de pesquisas." Renato Meirelles

A gente tem que tomar cuidado para que essa ditatura da opinião versus o fato não tome conta do futuro do País que a gente está construindo, nem do futuro dos negócios sob o risco de alguém querer operar a perna esquerda quando a perna que está doente é a direita. Porque ele simplesmente acredita, porque ele acha.

OP: O que de mais curioso descobriu em pesquisas gerais que participou e não imaginava?
Renato: No começo da minha carreira eu tinha uma dificuldade de entender o porquê que algumas decisões eram tomadas com algo que tinha uma lógica diferente da minha. Talvez me faltasse um pouco de humildade para enxergar pelo ângulo do outro.

Eu lembro muito da dificuldade de entender porquê que a favela compra a prazo. É uma realidade diferente da minha. Eu sou branco, da terceira geração de universitários na minha família. Tem uma preocupação e um desafio aí de entender o carnê é a única forma que uma parcela da população tem de ter as coisas.

Isso tem um outro significado o de não ter que passar dois anos lavando a roupa no tanque para conseguir realizar um sonho que vai melhorar diretamente a qualidade de vida de ter uma máquina de lavar. Não se trata só de ter ou não o dinheiro, se trata que custa muito esperar, custa ela lavar a roupa no tanque, custa tempo.

Ela sabe que vai pagar mais caro, mas ela precisa ter o carnê que é única maneira que ela pode comprar. E isso tem um valor que muitas vezes quem é da elite não consegue dimensionar. Imagina para o entregador do iFood ou do Uber ter condições de trabalhar graças ao veículo que ele tem.

De uma boleira que precisa de um fogão ou uma geladeira melhor para poder ganhar o dinheiro que sustenta a sua família. De uma chefe de família que é obrigada a optar entre ter que lavar a roupa no tanque ou conversar com a sua filha sobre como foi o dia na escola.

Existem valores simbólicos que a gente não consegue imaginar porque a gente nunca passou por aquilo. Foi a primeira grande lição.

OP: Tem outras ainda?
Renato: Sim. Outra questão é que as pessoas mudam. Não necessariamente o que eu sabia ontem serve para hoje. E isso nos obrigada a manter a curiosidade necessária para continuar pesquisando. E talvez a última é que as pessoas mentem. Eu talvez seja o único dono de instituto de pesquisa que fale isso, que assumi isso.

Todos sabem as pessoas mentem querendo mentir e tendo a certeza de que estão falando a verdade. Para você entender realmente o que está acontecendo você precisa montar uma série de tecnologias.

A boa pesquisa é aquela que consegue saber a diferença entre o que o consumidor diz que faz, pensa que faz e o que realmente faz. A tem que ir checar para entender o que está por trás da resposta. Mentir também é um instrumento de análise.

Quando ele não fala exatamente o que é a verdade e você entende isso, você consegue perguntar e pesquisar o que está por trás disso e o porquê ele não falou. Ele não falou porque tem vergonha? Ele não falou porque não sabe? Por que queria parecer ser alguém diferente do que ele é?

Ou seja, que ele simplesmente não sabia o que ele estava respondendo? Isso implica num jeito de ler as coisas. A elite tenta muitas vezes dizer que o que ele quer é o aspiracional só que a elite acha que o aspiracional é ele, é a elite. Que o mais pobre sonha em ser igual ao rico, mas ele não sonha ser igual ao rico. Ele acha que o rico é perdulário, que o rico não gosta de trabalhar.

Ele só quer viver e ser feliz. Eles são menos aprisionados aos estereótipos que a elite tenta impor a própria elite.

OP: O que estar por vir de mudança social e de consumo?
Renato: A pandemia fez com que o consumidor aumentasse a preferência dele por algumas características. Do ponto de vista de entrega de produto a característica é a comodidade e de chegar rapidamente aonde estiver. Chamamos de disputa pela última milha. As novas tecnologias fizeram com que o consumidor comparasse preços muito mais rápido.

E que se nada institucional for feito esse consumidor passa a ter uma relação mais funcional com as marcas de varejo. Por outro lado, teve um outro movimento, essa mesma tecnologia fez com que o consumidor começasse a enxergar a postura que as marca têm em relação a alguns temas que são cada vez mais caros ao consumidor.

O primeiro e mais óbvio foi como as marcas se comportaram na pandemia, mas não é só isso é como que as marcas muitas vezes respeitam ou tratam a temática da diversidade, a temática da inclusão, o ESG (Ambiental, Social e Governança).

OP: O Brasil aderiu as boas práticas ESG. Como vê esse movimento local? Ainda existe boas intenções, mas sem um propósito real ou planejamento?
Renato: Estamos melhor do que ontem, mas muito pior do que deveríamos estar. Estamos piores do que o consumidor exigiria. Existem motivadores diferentes. Existem as empresas que realmente acreditam nisso, mas existem as empresas que estão sendo obrigada a ir por esse caminho.

Assim as velocidades são diferentes e a sustentabilidade é diferente. As que são obrigadas se preocupam mais com a imagem do que com o resultado. Já que acreditam são as empresas que vão fazer ações mais sustentáveis.

OP: Como vê a inclusão corporativa? Muitas empresas a exemplo do Magalu, Carrefour e outras aderiram a programas de trainee para negros. Qual a sua visão sobre isso? É uma forma de melhor o desequilíbrio desde a base?
Renato: Não existem os caminhos das pedras, existem melhores práticas que partam, infelizmente, de desgraças. Talvez o Carrefour, do mundo corporativo, foi o melhor exemplo disso. Ele tinha como várias grandes empresas programas de promoção da diversidade, semana da diversidade e tudo mais, porém isso não foi o suficiente para impedir que casos como o assassinato da loja de Porto Alegre acontecesse.

Isso aconteceu porque obviamente que o que o Carrefour fazia não estava sendo suficiente, mas principalmente pela questão racial ser algo estrutural no Brasil. O mais importante é o que o Carrefour passou a fazer a partir daquilo.

Aquela tragédia é exemplo do racismo estrutural do Brasil e fez com que o maior varejista do País lançasse o maior investimento privado no racismo da história.

Contempla mudança na política de segurança, fim da terceirização, criação de uma cláusula antirracista com os mais de 17 mil fornecedores, abertura de edital para organizações negras fazerem suas atividade, inclusão de fornecedores negros e mais de R$ 60 milhões para qualificação profissional.

Isso significou uma mudança de postura da empresa em deixar de ser uma empresa que entendia a temática da diversidade para passar a ser uma empresa antirracista.

OP: O mercado financeiro dos grandes centros brasileiros é outro exemplo de baixo percentual de mulheres, LGBTQIA+ e negros. Como mudar e furar essa bolha?
Renato: Se você quer ter uma diversidade completa você precisa ter a diversidade na cultura de poder. Defendo de forma intransigente política de cotas por conta disso que é extremamente polêmica no País. Tem um desafio que é como garantir que os grupos minorizados estejam no poder. A cota é um dos caminhos e eu, particularmente, acho que acelera o processo. Não é o único.

Tem um processo que é a mudança da regra. As empresas erram em dizer que tenho que abrir mão dos critérios de qualidade e performance? Claro que não o problema está na régua e o seu critério que está errado. Você prefere ter quem na sua equipe alguém que sabe lidar com o diferente ou alguém que só saiba lidar com iguais?

Alguém que num processo de crise espana ou que está acostumado a lidar com situações de crise desde quando nasceu? Uma pessoa metódica ou uma criativa? Essas características saem da periferia, saem dos grupo minorizados a toda hora, então é uma questão de regra como os seus processos de seleção e promoção privilegiam isso.

OP: Mas já presenciou quando está com seus amigos negros, por exemplo?
Renato: Acontece toda hora. Cansei de estar andando com amigos próximos que estavam dirigindo um Volvo e chegava nos lugares perguntavam se era meu motorista e o carro era da pessoa. De perguntarem se meu segurança ia subir ou não quando eu vou para uma reunião de negócios, no caso ele era o meu cliente, inclusive. Era quem estava pagando a conta.

Quando era mais jovem em batida policial estava andando com um amigo negro na Avenida Paulista e o guarda dá um tapa na cara do meu amigo e para mim pergunta qual o telefone dos meus pais. Fora ironias no meio das reuniões, como por exemplo, estar trabalhando é dia de branco. Já presenciei o primeiro gerente negro a ser promovido para ser sênior e o chefe recebeu como bem-vindo à Casa Grande! Isso no século 21!

OP: A parceria com a Cufa vai muito além de negócios. O que Celso Athayde e o Preto Zezé representam hoje na sua vida?
Renato: Eles estão seguramente entre as pessoas que eu mais amo na vida, simples assim, não sei dizer de outra forma. Aprendo muito com eles e tenho eles como exemplo para minha filha. Eu sou muito grato da minha filha crescer me vendo com amigos tão fantásticos como eles e de ampliar, desde cedo, o universo de referência dela.

O Zezé é o maior intelectual orgânico que eu tive o privilégio de conhecer e ser amigo na minha vida. O Celso é o maior realizador que eu conheço na vida. Ele foi o CEO da pandemia. Enquanto as pessoas ficavam fazendo teses do que poderia ser feito, ele ia lá e fazia. O Celso não é aquele sujeito que pede licença, ele vai lá e faz.

OP: E com o Silvio Almeida?
Renato: Silvio é um gênio. Ele é uma das maiores referências acadêmicas que temos no Brasil. Ele tem um conhecimento, um rigor científico e uma doçura, o Silvio é doce. E com muita doçura e cuidado e com uma inteligência ímpar consegue ganhar os grupos privilegiados para o tema da civilização.

Em resumo um é o gênio da academia e da diplomacia (Silvio), o Zezé é o maior intelectual orgânico, é impressionante a capacidade de elaboração dele, de análise, ele é rápido e assertivo, tem aquele humor cearense dele é muito preciso e certeiro. E o Celso é o cara que faz. Tudo isso é lindo, mas o Celso vai e realiza. É impressionante.

OP: Como estão os novos projetos?
Renato: Tem uma questão muito séria que vem com o lançamento do livro da iO Diversidade, “Como ser uma empresa Antirracista”, a ideia é dar um chacoalhão mesmo sobre a ideia da diversidade fora do ambiente eleitoral.

Vai ter pesquisa nova relacionada a isso. Essa é uma temática e a outra é a reconstrução do Brasil para 2023, para retomada da economia.

OP: Aproveitando o gancho do documentário que participou. Qual o Brasil Utópico do Renato?
Renato: É o Brasil em que não vai ser mais necessário ter um instituto de pesquisa que se dedica a entender a desigualdade.

 

Livros

Autor

Guia para enfrentar situações novas sem medo

Um País Chamado Favela

Colaborador

"Varejo para Baixa Renda"

Fundação Getúlio Vargas

Documentário

Ao lado de pensadores como Leandro Karnal, Luis Felipe Pondé, Mangabeira Unger, Patricia de Luna, Renato Meirelles discute como a Ética Tropical do povo brasileiro pode ajudar a transmutar o fundamentalismo e o fascismo no documentário "Utopia Brasil". A arte é assinada por Newton Cannito com codireção de Leonardo Brante  dialoga com a obra de Oswald de Andrade.

Formação

RENATO Meirelles é comunicologo formado pela Faap com MBA em estratégia de negócios, mas destaca que aprendeu mes com seus amigos da favela. "Foi este o melhor MBA". Ele ainda é membro do conselho de professores do IBMEC, onde é o titular da Cadeira de Ciências do Consumo e opinião Pública.

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