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"Um ministro da Economia deu as costas para o Nordeste"
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"Um ministro da Economia deu as costas para o Nordeste"

| NOVA VIDA | Ex-vice-governador do Ceará, Maia Júnior reclama do tratamento dado pelo ex-ministro da Economia, Paulo Guedes. Na vida pessoal, escolheu desacelerar após a experiência com a Covid-19
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FORTALEZA-CE, BRASIL, 25-04-2023: Maia Junior, Ex-Vice-Governador, Entrevista para Paginas Azuis Jornal O POVO. (Foto: Aurélio Alves/O Povo) (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES FORTALEZA-CE, BRASIL, 25-04-2023: Maia Junior, Ex-Vice-Governador, Entrevista para Paginas Azuis Jornal O POVO. (Foto: Aurélio Alves/O Povo)

 

 

Em sua trajetória, Francisco de Queiroz Maia Júnior, mais conhecido como Maia Júnior, contabiliza as obras no Estado das quais fez parte. Dentre as que estão no topo de sua lembrança, os que ele fala com mais orgulho são Porto do Pecém, novo Aeroporto de Fortaleza e aeroportos regionais, além das duplicações dos acessos à Região Metropolitana de Fortaleza.

Desde 1981 exercendo cargos na administração pública, o primeiro foi como engenheiro da Prefeitura de Fortaleza, lotado na Secretaria de Transportes, em que fez parte do projeto que implantou os abrigos para passageiros de ônibus.

Mas, em 2022, encerrou sua passagem nessa área pública como secretário do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Ceará com fim do governo Camilo Santana (PT) e Izolda Cela.

Segundo ele, o legado que deixou neste último cargo é o início para a formação do hub de hidrogênio verde no Pecém. Assim, ele espera que o Estado enriqueça ao ponto de liderar uma futura " Opep "Organização dos Países Exportadores de Petróleo" do hidrogênio."

Primeira molécula de hidrogênio verde do Ceará foi produzida no Pecém
Foto: Divulgação/EDP Brasil
Primeira molécula de hidrogênio verde do Ceará foi produzida no Pecém

Gestor relacionado com lideranças tanto da direita quanto da esquerda, chegou a ser vice-governador de Lúcio Alcântara. Após o fim do mandato, ficou afastado de cargos públicos entre 2006 e 2017. Voltou no governo Camilo Santana para montar o plano Ceará 2050, de desenvolvimento de longo prazo para o Estado.

Neste processo, se fortaleceu o apelo pelo desenvolvimento da economia em volta do setor de energias renováveis e o potencial de desenvolvimento do hidrogênio verde no Ceará.

Apesar do respeito suprapartidário no Estado, se ressente da postura do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, que diz ter virado "as costas” para o Nordeste e espera que o novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se atente ao potencial da Região. “Paulo Guedes não se relacionou, apesar de todos os esforços republicanos”.

Em entrevista ao O POVO, Maia Júnior detalha a carreira pública(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Em entrevista ao O POVO, Maia Júnior detalha a carreira pública

 

 

O POVO - O senhor teve em seu período acadêmico duas formações ocorrendo quase em sincronia, nos cursos de Administração e Engenharia. Como foi conciliar esse período de aprendizagem nestas áreas?

Maia Júnior - Realmente, essas duas carreiras são complementares e na Engenharia há uma base de gestão muito grande. Um dos fundamentos que a gente aprende na escola de Engenharia é o hábito de planejar, que é um ato da Administração - para desenvolver uma boa gestão é preciso planejamento e a gestão em si.

Então, eu, quando fiz Engenharia, aproveitei o embalo e no ano seguinte fiz um vestibular para Administração. E terminei concomitantemente, porque muitas disciplinas da escola de Engenharia eu pude aproveitar no currículo de Administração, sobretudo as do curso básico.

E isso facilitou eu ter as duas formações, de engenheiro e administrador. E procurei aproveitar desses dois predicados por toda minha vida. Nunca quis deixar de ser engenheiro, me considero um engenheiro, sobretudo por opção minha, e o curso de Administração me ajudou a ser um engenheiro melhor, um gestor melhor.

Maia Júnior diz que foi um profissional híbrido por necessidade, não por opção(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Maia Júnior diz que foi um profissional híbrido por necessidade, não por opção

OP - O senhor tem uma longa trajetória no serviço público, mas também tem sua história, seus negócios… Quem é esse Maia Júnior fora dos holofotes das grandes decisões da vida pública?

Maia - Para mim, tiveram alguns períodos muito importantes. Hoje está muito em evidência falar do profissional híbrido. Considero que fui um profissional híbrido por necessidade, não por opção. Porque quando você se forma com a origem econômica que minha família tinha na minha criação, exige de nossa parte que uma formatura ajude não só a você, mas também a família, no caso minha mãe.

Eu tinha uma expectativa de que quando me formasse eu poderia ajudar melhor minha mãe (Maria José cordeiro Maia), retribuir aquilo que tinha recebido de dedicação dela.

Minha mãe teve um predicado muito importante, de priorizar a educação por uma escola boa para todos os filhos através de programas de bolsas de estudo e, na formação acadêmica, por meio de faculdades públicas, porque ela já não tinha condições de pagar o particular. E a outra prioridade foi de nos dar pelo menos três alimentações.

Como pobre, não posso dizer que passamos fome, pois sempre minha mãe oferecia pão e manteiga com copo de leite pingado de café pela manhã, o almoço tradicional com feijão, arroz e alguma proteína, o que se repetia no jantar. Eu tinha a expectativa de ajudar ela a viver melhor, pois ela tinha ficado viúva muito cedo e se dedicou a criar seis filhos.

Ele lembra quando foi trabalhar na primeira Secretaria de Transportes criada no Ceará, na Prefeitura de Fortaleza(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Ele lembra quando foi trabalhar na primeira Secretaria de Transportes criada no Ceará, na Prefeitura de Fortaleza

OP - E a partir dessa expectativa, como foi a entrada no serviço público?

Maia - Naquela época, eu tive uma oportunidade no serviço público, também pelo histórico da minha formação profissional, dos estágios que fiz, eu fui trabalhar na primeira Secretaria de Transportes criada no Ceará, que foi no município de Fortaleza.

Implantamos o primeiro Plano Diretor de Transportes, plano que eu havia participado do planejamento como estagiário juntamente com outros colegas, que também terminaram indo para a equipe técnica da Prefeitura nesta primeira secretaria.

O nosso regime era uma carga horária de seis horas e eu aproveitei o restante do dia porque precisava de mais salário e sabia que não era na Prefeitura que iria obter isso. E arranjei também um emprego no setor de construção civil.

Eu trabalhava das 7h às 13 horas, com uma hora para o almoço, e das 14h às 22 horas. Eu trabalhava diariamente e nessa ocupação temporal ela praticamente seguiu toda minha carreira. Sempre trabalhei nesse ritmo, mesmo no Governo, em que eu chegava no máximo às 8h30min e saía depois das 22 horas, 23 horas. E isso foi sendo construído.

Em alguns momentos priorizei o serviço público sem me afastar totalmente da vida privada. Mas em momentos em que tive oportunidades em cargos de chefias, me afastava totalmente do privado, até que em outros momentos ocorreu o inverso, de oportunidades no regime privado, aí eu me retirava, pedia licença, e ia para o privado.

Quando me tornei secretário de Estado, a partir desse momento, passei a desempenhar uma função que é indivisível: ou você se dedica e trabalha muito ou você não vai obter os resultados esperados e a confiança de quem o convidou.

Maia Júnior relembra as equipes que montou
Foto: AURÉLIO ALVES
Maia Júnior relembra as equipes que montou

OP - Há um fenômeno recente na vida política brasileira que é a introdução de “quadros técnicos” no serviço público, em que se gera uma expectativa de entrega superior ao tentar gerir a máquina pública parecido com o que se vê no regime privado. Como avalia isso?

Maia - Tem determinados paradigmas na vida pública que os estereótipos criados pela sociedade são muito diferentes na prática. Ouvimos muito que o “bom é privado e ruim é o público”.

Nessa minha experiência de mais de 40 anos, eu tive momentos maravilhosos com equipes de altíssimo nível, de responsabilidade e qualidade na gestão pública que não ficam em nada a dever às experiências que vivi no privado.

Formar equipes exige da liderança que tome essa responsabilidade, exige alguns compromissos com quem lhe convida, porque se eu sou convidado para ir para uma função no público ou no privado em que não possa estruturar uma equipe de boa qualidade, não vou atender às expectativas.

Então, sempre por onde passei negociei bem as condições de trabalho. Eu não me deixava me influenciar somente pela remuneração, mas pelo projeto. Eu nunca lutei por cargo ou poder, sempre fui muito desprendido.

Eu sempre lutei na política ou na vida privada por projetos que atraíssem a minha motivação e a base de conhecimento que eu tinha reunido, que atraísse a capacidade que eu tinha de trabalho, mas sempre com o espírito de trabalhar com equipes, reunindo boas equipes nas gestões pelas quais passei com o governador Tasso (Jereissati), o governador Lúcio (Alcântara), o próprio Ciro Gomes - que foi por onde cheguei nesse projeto de mudanças, ou nas empresas privadas e, agora, nesses conselhos de empresas, sempre questiono quais as expectativas e quais as condições vou receber para entregar.

Então, durante toda minha carreira profissional sempre deixei o dinheiro não estar à frente, mas sempre o projeto, e a consciência do valor das pessoas e a capacidade de transformação.

E eu preciso de uma capacidade estratégica, tática e operacional de fazer essas pessoas produzirem o melhor, indo à exaustão da entrega, exercendo uma forte governança quando a gente define qual é o projeto, com conceitos e objetivos. É preciso alinhar os objetivos e metas com a equipe, como num jogo de futebol.

O Fortaleza Esporte Clube, por exemplo - já que é o time que torço e acompanho mais de perto, ele tem definidas metas para esse ano, de ser o campeão cearense, o que conquistou, tinha a meta de ser campeão do Nordeste, o que não alcançou, chegando até as semifinais.

Mantém agora a meta de ir até as oitavas de final da Copa do Brasil e a de se manter na Série A do Campeonato Brasil e, se possível, conquistar uma competição internacional. Se você não alinhar isso com a equipe e a equipe se compromete com aquilo, o resultado não vem. No futebol não é diferente da gestão, por isso sempre alinhei tudo isso com as equipes.

Maia Júnior foi secretário da Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará (Sedet-CE) até o fim de 2022
Foto: Deisa Garcêz/Especial para O Povo
Maia Júnior foi secretário da Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará (Sedet-CE) até o fim de 2022

OP - Como é essa vivência de transitar em cargos de gestão entre o setor público e o privado? Foi um desafio?

Maia - Tem um predicado que considero importante: naquilo que eu me especializei no público eu nunca prestei serviço no privado, como também naquilo que me especializei no privado eu nunca prestei serviço para o público. No privado, eu montei três empresas. Uma incorporadora de construção civil, mas nunca tirei uma nota fiscal de serviço no setor público.

Empresa de telecomunicações e energia que a gente montou também nunca tirou uma nota fiscal pública. Esse é um alinhamento que eu tenho desde a formação, porque não se pode deixar de entender que existe uma fronteira, que pode até ser tênue, mas tem que ser separatista.

Se eu profissionalmente for prestar serviço no público com minha empresa e ocupar cargos públicos, eticamente isso não está correto. Então, eu trilhei minha vida de forma muito separatista. Agora, em gestão, são ferramentas que precisam ser utilizadas tanto na vida pública quanto na privada.

O aprendizado que você tem de gestão, comportamento, as duas áreas (privada e pública) certamente têm muitas lições a compartilhar um com o outro. Eu aprendi com a vida pública, conheci muitos bons profissionais e vice-versa, transitando comigo na formação dessas equipes.

"Acho o Ciro uma das pessoas mais inteligentes que conheço na vida, às vezes, polêmico porque as pessoas não compreendem a indignação que ele tem, da vida que ele gostaria que o povo do Ceará alcançasse e muitas vezes algumas reações são mal entendidas. Acho que o Ciro também é uma vítima do preconceito do Sudeste."

 

OP - Em quase 40 anos de vida pública, o senhor serviu a algumas aos grandes líderes de gestões estaduais, como Tasso Jereissati, Ciro Gomes, Lúcio Alcântara, além de ser da mesma geração de grandes técnicos, como Adão Linhares e Jurandir Picanço. Como foi o período de construção daquilo que é colhido hoje como perspectiva de mudança de paradigma econômico para o Ceará?

Maia - A gente tem de se espelhar em pessoas que você confia. Quem me comprou sempre foi o projeto e, nesses projetos, houve lideranças que me ensinaram muito, que me prestigiaram e contaram comigo nessas iniciativas e que para mim são referências.

Acho que uma história profissional na vida pública que teve a felicidade de passar por um aprendizado múltiplo como passei, por exemplo, na Prefeitura de Fortaleza com uma pessoa que admirei a vida inteira e continuo admirando, que é o ex-governador Lúcio Alcântara, um homem muito culto e preparado para a vida pública.

Trabalhei com a Maria Luiza, com César Neto. Aí vieram depois do Lúcio pessoas que são referências importantes neste meu caminho público, como o Ciro (Gomes), pessoa que eu admiro demais.

Acho o Ciro uma das pessoas mais inteligentes que conheço na vida, às vezes, polêmico porque as pessoas não compreendem a indignação que ele tem, da vida que ele gostaria que o povo do Ceará alcançasse e muitas vezes algumas reações são mal entendidas. Acho que o Ciro também é uma vítima do preconceito do Sudeste.

Hoje me questiono muito o seguinte: O que é que o Ciro tem abaixo do (ex-presidente Jair) Bolsonaro como homem público e como líder? Mas o Brasil elegeu um Bolsonaro, mas não quis eleger o Ciro. E mais, o que o Lula tem a mais do que o Ciro, além de sua habilidade política (o Ciro sendo mais sincero e transparente no dia a dia dele, menos dissimulado, eu diria)?

Mas, preconceituosamente, a imprensa do Sul e Sudeste sempre reagiram ao comportamento do Ciro. Uma das minhas admirações pelo Ciro é muito forte pela indignação que ele sente pela situação do Nordeste. Esse povo precisa de respeito igual a todo Brasil. Guardo grandes aprendizados do Ciro.

Maia Júnior foi vice-governador no governo de Lúcio Alcântara(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Maia Júnior foi vice-governador no governo de Lúcio Alcântara

O Tasso foi a referência maior, sobretudo porque ele tem o que poucos têm, porque Tasso é um visionário com um compromisso público com o Ceará, que conseguiu transformar esse Estado humilhado, sem respeito na Federação, para um estado protagonista no País com essas mudanças que aconteceram nos últimos 36 anos.

Tenho uma grande admiração e gratidão ao Tasso, pois ele fez uma aposta em mim que poucos políticos fariam. As funções de maior delegação e visibilidade foram realizadas pelo Tasso.

Eu, com 38 anos de idade, fui secretário de Transportes, Energia, Comunicações e Obras, uma secretaria gigantesca, um cargo em que 90% das pessoas se perguntavam porque o Tasso iria me escolher e que não acreditavam que essa escolha realmente aconteceria.

E eu fui convidado, enquanto estava nos Estados Unidos em viagem de férias com a família, num dia 9 de dezembro. E esse foi o único ano que eu passei o Natal longe da minha família.

Dessa secretaria ele me deu outra grande oportunidade, que foi de responder por nove meses pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente e, depois, me dá uma tarefa nova, juntando essas duas secretarias numa nova, que era a Secretaria de Infraestrutura, que se tornou uma das mais relevantes na estrutura do Estado naquela época.

"E o Tasso, percebendo essas respostas e capacidade de trabalho, foi me preparando para uma coisa que eu não imaginava, que foi me tornar vice-governador do Estado, numa chapa com Lúcio Alcântara, na última eleição que o PSDB conquistou no Ceará."

 

Tive uma possibilidade muito ampla de conviver com projetos de infraestrutura, de urbanização de cidades, habitação e foi um aprendizado muito grande, ao montar e construir essa secretaria que requereu uma equipe de bom nível e foi o que conseguimos.

E coincidiu com as maiores obras da história do Ceará, como a construção do Porto do Pecém, as duplicações de estradas no acesso à Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), a construção da rede de Liceus melhorando a estrutura de educação ao copiar o projeto da grande escola do Liceu do Ceará, a construção da cidade de Nova Jaguaribara, a construção do Centro Dragão do Mar na área da cultura, além do novo Aeroporto Internacional Pinto Martins e os primeiros aeroportos regionais do Interior totalizando oito.

E você não passaria por isso tendo um grande mestre e um líder guiando, orientando e corrigindo, daí essa força da minha relação com o Tasso.

A infraestrutura do Ceará foi repensada totalmente e, entre várias tarefas, me coube a de organizar a infraestrutura para o desenvolvimento do Estado. Isso me ensinou ao mesmo tempo a entender o Estado como um todo.

E o Tasso, percebendo essas respostas e capacidade de trabalho, foi me preparando para uma coisa que eu não imaginava, que foi me tornar vice-governador do Estado, numa chapa com Lúcio Alcântara, na última eleição que o PSDB conquistou no Ceará.

Mas essa preparação era para ter junto de um político - que era o Lúcio Alcântara - um gestor. O Lúcio me deu todos os poderes para administrar o Estado, como secretário de Planejamento, o que foi muito importante para montar uma base de 20 anos de trabalho, fortalecendo algumas políticas públicas.

"Hoje, o maior desafio da política do Ceará, do governo, é a pobreza, pois dentro dessa pobreza existem estratificações, como a fome e a desigualdade."

 

OP - E sobre as realizações, muitas grandes obras executadas pelo Estado foram daquele período, há um reconhecimento neste sentido…

Maia - Hoje vejo que algumas discussões na imprensa e mídias sociais, de pessoas que eu acho que não têm a compreensão do que pode ser discutido porque, assim como no futebol, a política passou a ter muitos treinadores - ou doutrinadores, diria assim - nas discussões das políticas públicas, pessoas com base de conhecimento insuficiente.

Porque uma discussão como essa exige primeiro ter informações, se a informação é correta ajuda na análise e na defesa daquilo que você quer fazer de alguma situação. Mas eu vejo muitos equívocos.

Hoje, o maior desafio da política do Ceará, do governo, é a pobreza, pois dentro dessa pobreza existem estratificações, como a fome e a desigualdade. Mas como vamos vencer uma desigualdade, sendo que a gente proporcionou de forma desigual a vida inteira escolas para alunos pobres diferente de escolas para alunos de classe média e alta.

Assim como na desigualdade, na oportunidade de estudar uma segunda língua ou um aperfeiçoamento no Exterior. Isso terminou gerando uma alta concentração de riqueza na mão de poucos. Vencer isso significa políticas públicas que possam equilibrar as disponibilidades de coisas básicas a todas as famílias cearenses de forma igualitária.

Para você ter ideia, na época em que eu era secretário de Infraestrutura do Ceará, só 25% da população rural tinha acesso à energia elétrica. Nós deixamos com quase 100% e hoje o Ceará tem toda população rural com energia.

São condições diferentes e foi equilibrada aquilo que as populações tinham de diferentes de ricos para pobres. O Ceará tem um desafio enorme, e, logicamente, essa experiência que vivi me trouxe um aprendizado enorme.

Maia Júnior, ex-vice-governador, aponta a pobreza como o maior desafio para o Ceará
Foto: AURÉLIO ALVES
Maia Júnior, ex-vice-governador, aponta a pobreza como o maior desafio para o Ceará

OP - Após o fim da gestão como vice-governador, o senhor ficou afastado do serviço público e retornou no governo Camilo Santana e um novo diagnóstico sobre o planejamento econômico para o Estado foi desenvolvido…

Maia - Eu acho que tem alguns posicionamentos importantes a serem colocados. Primeiro, no sentido econômico: Eu vejo alguns questionamentos sobre a economia do Ceará. As pessoas precisam entender a evolução da economia do Estado e fazer um diagnóstico melhor.

Quando fui para o governo do Camilo, depois de 11 anos fora, eu recebi esse convite de Eudoro Santana (pai de Camilo) e Geraldo Luciano. Trouxe-me algumas consequências tanto na vida das minhas empresas das quais me afastei e tive alguns prejuízos quanto também politicamente, apesar de que minha amizade com o Tasso continua a mesma.

Sofri muito por ter ido para o governo do Camilo, que é do partido que era o maior adversário político do PSDB, apesar do Camilo ter me recebido muito bem e ter me dado o mesmo apoio que recebi do Tasso para desempenhar o trabalho que ele me pediu.

Aí vem o trabalho inicial que fiz quando iniciei, que foi ouvir todas as secretarias de Estado para sentir o que havia acontecido nos anos em que estive ausente. E daí, traçar uma proposta para colocar o Estado em outro patamar.

No governo Camilo, eu não queria ser visto numa posição de soberba, mas eu vim para um governo que fez mudanças para melhorar. Eu não entrei no governo para manter a situação como cheguei. Governo exige mudanças e dentre essas mudanças teve a minha escolha para organizar o planejamento e a gestão do Estado e deixamos muita coisa e terminei indo para a Secretaria do Desenvolvimento Econômico.

A minha ida traz um diagnóstico que eu tinha feito dentro (da Secretaria) do Planejamento e onde eu teria que fazer as principais mudanças para que o Estado e o governo pudesse crescer novamente perante a opinião pública com sua oferta de serviços.

E um dos problemas que ainda hoje existe é a economia. O Ceará é um estado que se você quiser pegar um ciclo de 30 anos, a economia tem um Produto Interno Bruto (PIB) que vive uma inércia, crescendo 2% - um pouco para mais, um pouco para menos - parecido com o Brasil.

Com essa taxa de crescimento, nós jamais vamos superar a principal meta do Ceará 2050, que foi o plano de longo prazo que a gente montou como secretário de Planejamento. O Ceará 2050 preconiza equilibrar nossa participação no PIB nacional equivalente à nossa participação demográfica, saltando de um pouco mais do que 2% para um pouco mais que 4%.

Bom, se em 36 anos, que foi o ciclo dessa geração a que pertenço, nós não alcançamos isso - mesmo saindo de 1,8% para 2,3% -, será difícil alcançar nos próximos 30 anos. Aí teve um diagnóstico, após trazer alguns consultores para pensar conosco a economia do Estado, e aí resolvemos buscar escolhas disruptivas.

Essas escolhas devem ocorrer dentro de uma lógica que trouxesse a possibilidade de concretizar. A economia do Ceará começa totalmente primária, aí veio o governo Virgílio Távora iniciando a industrialização, preconizando três projetos ícones: uma siderúrgica (que foi alcançada após ser perseguida obstinadamente no governo Tasso e que foi inaugurada com Camilo, mas transitou nos governos Lúcio e Cid Gomes), uma refinaria (aqui com projeto diferente do idealizado por Virgílio Távora, que pensou num modelo estatal mas essa veio com características privadas) e o outro aspecto é o projeto de mineração de Itataia, que abre uma frente em meio à desinformação e o debate equivocado, porque a usina não é predominantemente de urânio, que corresponde por 10% da mina.

A preponderância é de fosfato e bicálcio, minerais muito necessários para fortalecer a indústria de fertilizantes, para atender a um dos setores econômicos mais importantes do País, que é o agronegócio. O Brasil atualmente é importador de fertilizantes e agora pode reduzir substancialmente essa falta de estrutura nacional. Então o Virgílio Távora estava certo.

Maia Júnior aposta no hidrogênio verde como uma das alavancas do Estado
Foto: AURÉLIO ALVES
Maia Júnior aposta no hidrogênio verde como uma das alavancas do Estado

OP - Neste plano de longo prazo desenvolvido no governo Camilo, outros projetos desenvolvidos dizem respeito às energias renováveis e aos negócios tecnológicos…

Maia - Dentro da estratégia estamos trabalhando a disrupção, que começou com o governo Tasso. As energias renováveis, que tornaram o Ceará protagonista, começaram quando eu era secretário de Infraestrutura por uma adversidade econômica do Estado, que importava 100% de sua energia elétrica consumida.

E aí vem, dentro da simplicidade que tem que ser as políticas, a origem de tudo está na natureza. O Ceará tem ventos e sol abundantes, entramos com um projeto de energia e o Ceará virou exportador de energia. Essa energia é a base dessa transformação com o hidrogênio.

A certificação do hidrogênio verde vem exatamente dessa base de produção de energia limpa e o Brasil é riquíssimo. E eu particularmente disse: “Precisamos aproveitar nossos melhores potenciais, vamos montar um programa de hidrogênio”.

Precisamos fazer apostas novas. Um engenheiro cearense foi quem abriu meus olhos sobre o hidrogênio, assim como outro engenheiro cearense abriu meus olhos para as energias renováveis.

Isso pode ter um aproveitamento muito vasto, pois a produção de hidrogênio em si já existe no mundo inteiro, o desafio é aumentar o volume de produção desses gases para suprir o mundo de energia, não só para indústria, mobilidade e combustíveis, mas para derivados de biocombustíveis que podem vir a partir da quebra da molécula de hidrogênio.

Você pode montar uma grande base de refino no Brasil, por exemplo, de diesel limpo. Agora mesmo fiz uma visita ao laboratório desse engenheiro cearense, em Sumaré-SP, e ele tinha montado um projeto para uma empresa que, a partir da quebra da molécula de hidrogênio, produzir óleo diesel, um projeto pioneiro dessa tecnologia que foi desenvolvida por esse cearense.

Também foquei o trabalho numa outra economia, que tem muito a ver com minha origem no campo privado, das telecomunicações. Quando voltei ao governo vi toda estrutura desenvolvida pela Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice) no Cinturão Digital e nós montamos um projeto para tornar o Ceará o estado mais conectado do Brasil.

Um trabalho de desenvolvimento de nuvens (cloud) e trouxemos as grandes empresas do Vale do Silício. Então, já temos em desenvolvimento no Ceará duas apostas diferentes do tradicional, o que pode mudar a economia do Estado nos próximos 10 anos.

Se somarmos isso ao projeto de Itataia, que vai fortalecer outro projeto além do hidrogênio - e que é consequência do hidrogênio, que é essa indústria de fertilizantes. E eu vou buscar um sonho, que é meu também, porque trabalhamos muito para trazer uma refinaria para cá, a refinaria - que é o terceiro sonho do Virgílio Távora. Está vindo aí uma refinaria de 100 mil barris, um projeto de Israel.

Então, imagine aí a economia do Ceará daqui a 10 anos com essa quebra de protocolo de uma economia frágil, de baixo valor agregado - como calçados, têxteis sobretudo - indo para uma indústria de produção de combustíveis, a partir do hidrogênio, energias renováveis (que são indústrias fortíssimas e base da nova economia do mundo), conectividade e inovação, mineração (com pesquisas avançando com a perspectiva de o Ceará ser um dos grandes produtores de lítio e o grafeno), fertilizantes, uma agricultura moderna (através da fruticultura e o Ceará tem condições extraordinárias para ser um grande exportador) e o turismo, com um grande trabalho que foi desenvolvido pelo Arialdo Pinho, o Ceará tem trabalhado o turismo de forma muito profissional nos últimos anos, evoluindo bastante.

Temos que saber escolher essas zonas prioritárias e prestigiar com escala, conhecimento e logística, que o que o Ceará tem muito hoje, uma bela infraestrutura e posicionamento em relação aos outros continentes.

OP - Como essas perspectivas de mudanças na economia cearense devem ser traduzidas aos trabalhadores?

Maia - Essa nova economia do Ceará, com um turismo altamente qualificado, aproveitando essa beleza e sol o ano inteiro, uma agricultura com alta produtividade, podendo colher mais de uma safra por causa do sol o ano inteiro, numa agricultura de amparo de tecnologia e inovação mais rigoroso.

A questão das energias, conectividade e essas indústrias de base - siderúrgica, refinaria, mineração e fertilizantes, pode dar uma grande mudança na economia do Ceará gerando muitos empregos e pode aumentar o valor agregado da nossa economia, que é muito baixo.

Hoje, o salário médio não ultrapassa R$ 1.900 entre os trabalhadores formais. E essa tecnologia vai exigir, na minha opinião, um reposicionamento da política de incentivos fiscais.

OP - De que forma essa mudança nos incentivos fiscais poderia ocorrer?

Maia - O ministro (Fernando) Haddad deu uma forte declaração sobre incentivos fiscais. Eu não sou contra incentivos fiscais, mas acho que estão sendo utilizados no Brasil de forma protecionista, muito colonizadora, numa lógica patrimonialista e em benefício de poucas empresas.

Acho que isso precisa ser repensado no País inteiro. Mauro Benevides Filho (deputado federal pelo Ceará - PDT) me trouxe uma boa notícia sobre a reforma tributária, de que a única trava para fechar era o setor de agricultura, que ainda não chegou a um acordo sobre o Imposto de Valor Agregado (IVA), que é a maneira que o Congresso está encontrando para fazer uma reforma significativa e simplificadora.

Quanto aos incentivos fiscais, se o Estado não utilizar um volume de incentivo para poucas empresas e que, às vezes, são pouco competitivas e que não têm possibilidade de sobrevivência para enriquecer no Ceará, que a gente passe a, dentro de um sistema globalizado como temos hoje, ter expertises econômicas suficientes para criar riqueza e distribuir riquezas.

Temos uma base de transformação. O Ceará não é o mesmo de 36 anos atrás na Capital ou no Interior, mas ainda há uma concentração de riquezas e oportunidades na Região Metropolitana de Fortaleza e para os mais ricos.

Eu espero que essas transformações que estão ocorrendo pelas mãos de diversos governadores, de forma continuada - e espero que aconteça o mesmo com o atual governador (Elmano de Freitas), que possa trazer essa resposta que os antecessores trouxeram, que é de aprimorar as políticas públicas em prol da população e da igualdade no Ceará.

OP - Qual o Ceará que o senhor imagina para o futuro?

Maia - O Ceará que eu imagino para o futuro é, primeiro, que enriqueça. Ao enriquecer com esses projetos potenciais que eu espero que avancem nos próximos anos e com os próximos governos, torço para que essa base que estruturamos com o governador Camilo (Santana) possa resultar em um Ceará muito melhor do que o da minha geração.

Primeiro economicamente, segundo que essa riqueza que vai se construir em cima desses projetos - o maior deles sendo o de hidrogênio verde, possamos ter políticas públicas evoluindo em educação, saúde, segurança (que a gente ainda não acertou ainda), infraestrutura, assistência social (que seja adequada, que possa abrir portas para as pessoas crescerem e se libertarem dessa dependência).

Espero que o Ceará possa se tornar mais igualitário. Precisamos entender que não podemos repetir os erros do passado, concentrar essa riqueza que o Ceará vai aferir para poucos, precisa ser muito bem distribuída para todos.

Porque se formos continuar protegendo funcionários públicos com altos privilégios como foi no passado, o que não tem mais, apesar dos privilégios que permanecem nas remunerações e benefícios.

OP - Foi durante sua gestão que houve uma reforma do regime previdenciário do Estado…

Maia - Eu tenho um projeto que liderei no governo Camilo que me deixa muito feliz: As gerações seguintes não vão mais aposentar funcionários públicos no Ceará com altos salários. Vai ser o mesmo tipo de aposentadoria para todos os que entraram no serviço público a partir de 2018.

E tem uma alternativa para os que ganham mais, que é uma previdência complementar pelo instituto do Estado ou por qualquer instituto privado, fazendo uma poupança para que lá na frente ele possa manter as condições adequadas de remuneração.

Garantir, nesse projeto, aos servidores que pagando uma contribuição teriam um plano de saúde foram transformações importantes que o Camilo fez na gestão pública. E que o Ceará no futuro não pegue essas riquezas - geradas a partir da transformação da economia - para fazer essas compensações.

"Se a Enel não presta um bom serviço, pode ir atrás que alguém deixou de cumprir o seu papel, no caso as agências reguladoras."

 

OP - Na sua longa trajetória como secretário de Estado, o senhor participou de alguns momentos importantes envolvendo empresas estatais como é o caso da privatização da Coelce (Atual Enel). Observando o resultado, o senhor esperava o atual nível de serviço oferecido?

Maia - Eu acredito numa coisa na minha vida: que a gestão tem que exercer pressão continuada sobre a qualidade dos serviços. Eu criei vários instrumentos de gestão do Estado, como o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica (Ipece), da Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce), enxuguei muitos órgãos, privatizei outros.

E essa questão de transferir atividades inerentes à história pública ao setor privado tem que ser avaliada de forma correta, no momento correto, mas não pode se afastar de uma regulação forte.

Eu me lembro que um consultor inglês que auxiliou na criação da Arce me disse o seguinte: “A Arce tem que ser como um cachorro pitbull, mordendo os calcanhares da empresa que ela regula o tempo todo”.

Não tem vida fácil, porque ciclos longos sempre ocorrem altos e baixos. Nós começamos os 30 anos de contrato com a empresa espanhola Endesa, num ciclo inicial muito ruim e estão aí nos jornais as providências da época e é um momento até para reverenciar o primeiro presidente da Arce, o enérgico e idôneo profissional dr. José Hugo Machado, que morreu há alguns dias.

A partir da ação da Arce, a Endesa apresentou rapidamente um remédio adequado para responder ao tamanho da mordida do pitbull. Aí eles mudaram toda gestão, trouxeram um grupo da Espanha que colocou a Coelce num processo de avaliação dos melhores do País, deixando a companhia como referência durante muitos anos.

Aí a Endesa também fez muitos investimentos e depois venderam a empresa para a Enel. Eu acho que a regulação afrouxou, tanto para a Arce quanto a regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Se a Enel não presta um bom serviço, pode ir atrás que alguém deixou de cumprir o seu papel, no caso as agências reguladoras. Não era para estar acontecendo isso porque esse ciclo requer uma pressão constante dos reguladores, dos fiscalizadores.

Então, eu acho que esse assunto requer maior energia do Governo do Ceará e da reguladora nacional. Os reguladores devem dar uma lição aos italianos da Enel assim como o dr. Hugo deu aos espanhóis da Endesa.

Não é só na área de energia, mas nas estradas a mesma coisa. Estamos saindo de um inverno e as estradas precisam de uma recuperação imediata e, se não houver pressão, os buracos vão ficar. O lençol é curto e o governo vai buscando resolver as coisas mais imediatas com os recursos que tem.

Mas tem um ponto muito importante: esse processo de privatização da Coelce tira uma atividade pública, que empregava pouco e que não tinha dinheiro para investimentos e substitui por uma atividade privada, que é hoje uma das cadeias econômicas mais importantes do Ceará, o setor de energia.

Temos na área de energia no Ceará mais de 10 mil empregos gerados, seja em geração, construção de linhas de transmissão, prestando serviços à Enel ou na produção de bens. O maior empregador do Ceará hoje é do setor de energia, a Aeris com (Energy) 6 mil funcionários numa fábrica de construção de aerogeradores (localizada no Pecém).

OP - Em 2022, a economia do Ceará enfrentou dificuldades apresentando baixo crescimento muito por conta do setor de energia…

Maia - Para você ter ideia, a economia do Ceará cresceu no ano passado 0,96%. Não foi boa. Mas o que motivou essa queda foi o setor de energia. A falta de despacho das térmicas do Ceará causou a redução das importações de carvão e gás e da produção de energia para abastecer o sistema nacional, gerou uma queda na economia ao longo de 2022 de 19%, puxando, junto da indústria de transformação, uma queda de mais de 6% na indústria do Ceará, em 2022.

Ainda tivemos uma economia positiva por conta da agricultura, que cresceu 13% e pelo setor de serviços. Aí você vê que há 20 anos o Ceará não tinha economia de energia e hoje tem PIB de energia.

"Do ponto de vista do desenvolvimento econômico do País, um ministro da Economia deu as costas para o Nordeste… Eu espero que o Haddad aprenda e que chegue a ele o que estou dizendo. Que ele não repita outros paulistas, que ficaram só a viajar para o eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais"

 

OP - Voltando às definições políticas de “nomes técnicos” em cargos políticos importantes, no governo Jair Bolsonaro tivemos a indicação do “superministro” da Economia, Paulo Guedes, durante o mesmo período em que o senhor geriu a economia do Ceará. Os senhores tiveram algum contato para desenvolver ações em conjunto, como no projeto das energias renováveis e hidrogênio verde?

Maia - Olha, é duro ser secretário de Desenvolvimento Econômico e ter visto o Paulo Guedes no Ceará apenas para dar uma palestra ou depois em um jantar de empresários. O Paulo Guedes não se relacionou, apesar de todos os esforços republicanos do governador Camilo.

Eu não tenho conhecimento de uma visita do ministro Paulo Guedes para discutir com o governador do Ceará as políticas econômicas para o Ceará ou para o Nordeste. O Paulo Guedes traz de volta um ciclo dominante que o (Leonel) Brizola uma vez me respondendo um questionamento me ensinou.

Eu perguntei ao Brizola o por quê do apoio pedetista ao Collor. Ele me respondeu: “Meu filho, nunca esse colonialismo paulista permitiu um ministro da Fazenda, um ministro de Planejamento, um presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou um presidente do Banco Central que não fosse desse eixo do Sudeste. E o Collor foi o primeiro a romper esse ciclo dominante do “café com leite. E esse pessoal não enxerga o País. Eles acham que o Brasil é o Sudeste e o Sudeste é São Paulo”.

Do ponto de vista do desenvolvimento econômico do País, um ministro da Economia deu as costas para o Nordeste… Eu espero que o Haddad aprenda e que chegue a ele o que estou dizendo. Que ele não repita outros paulistas, que ficaram só a viajar para o eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais.

Existe outro Brasil que está no Norte, outro que está no Nordeste e outro no Centro-Oeste. O Nordeste tem hoje uma oportunidade de se tornar o grande produtor de hidrogênio do mundo, porque temos virtudes em todos os estados - lógico que saem na frente aqueles estados que fizeram seu dever de casa primeiro, do ponto de vista fiscal, tributário, infraestrutura, capacitação de pessoas.

Acho que é preciso uma governança melhor em Brasília para não perdermos essa oportunidade que se avizinha nos próximos 10 anos, 20 anos. O Ministério da Economia deveria ter estruturado isso, sentar com os interlocutores dessa questão que hoje está na pauta do dia do mundo e o Brasil tem grandes predicados além da energia limpa que produz e de ser supridor do mundo.

Há 50 anos, não existiam economias no mundo como a dos Emirados Árabes, que é fruto do enriquecimento proporcionado pelo setor de óleo e gás e nós esperamos que outras sejam beneficiadas a partir dessa nova economia do hidrogênio e combustíveis limpos.

Espero que os paulistas da Fazenda venham conhecer o Nordeste, temos passagens diretas de Brasília para Fortaleza, para Recife e Salvador. Não venham apenas para Porto Seguro-BA, alugar casas caríssimas, de R$ 400 mil por um fim de semana para desfrutar de um ambiente de lazer que só os ricos têm acesso.

Venham ver como vivemos, no interior do Rio Grande do Norte, do Piauí. Deem uma oportunidade a esse bravo povo que habita nossa Região. Minha crítica é essa.

Não conversei com o Paulo Guedes, apenas fui assistir à sua palestra. O considero um grande narrador da história da economia brasileira. Ele fez um razoável trabalho, não foi ruim, mas em desenvolvimento, o que temos? Só trabalhou com a macroeconomia.

Mas que avanços deixou para o Norte, Nordeste? Que rompimentos ele fez para que tenhamos uma economia mais igualitária e de oportunidades melhores no Brasil inteiro? Acho que é hora de entender que o Nordeste pode andar, isso pode se transformar.

OP - O senhor tem uma previsão ousada de que o Ceará pode se tornar uma Arábia a partir do desenvolvimento da indústria do hidrogênio verde…

Maia - Me ridicularizam com isso… Mas como tudo na vida, precisamos ter uma utopia, um sonho. Mas os críticos estão começando a se calar.

Já estão se rendendo, pois todos os sinais do mundo estão dizendo que o Ceará será o grande produtor de hidrogênio verde e será membro dessa “Opep do hidrogênio verde”.

Não acreditavam também que a gente poderia produzir energia no Ceará e agora somos exportadores de energia limpa.

"Com Covid, cercado por aquele ambiente terrível, onde em cima de uma cama olhava para quatro paredes todo dia. Ao amanhecer, eu me questionava: “Será que eu vou sair daqui com vida?”"

 

OP - O senhor passou por um período muito difícil ao ficar na UTI com Covid-19. O quanto esse período foi determinante para deixar a vida pública para dar prioridade à família e aos negócios?

Maia - Com Covid, cercado por aquele ambiente terrível, onde em cima de uma cama olhava para quatro paredes todo dia. Ao amanhecer, eu me questionava: “Será que eu vou sair daqui com vida?”

Eu poderia não ter saído, assim como foi com mais de 700 mil brasileiros. Mas a doença me deixou grandes mensagens. Primeiro pelo grande valor da minha saúde, que já tinha, mas passou a ter um valor ainda maior.

Também da vida daqueles profissionais de saúde, aprendi muito com o dia a dia daqueles profissionais, alguns passando uma semana sem ir em casa.

A outra coisa é que existem valores na vida que são simples para vivermos bem. E aí eu saí com três decisões daquele hospital. De estreitar o mais rápido possível o meu tempo de trabalho. Eu trabalhei muito e preciso acabar com essa história de que tenho que trabalhar de 5 horas da manhã até meia-noite.

Eu tenho outras vidas fora disso, o prazer que eu tenho de trabalhar não é único. Já estava na hora de eu renunciar parte do tempo de trabalho em benefício da minha família, dar mais tempo ao acompanhamento, convivência, fazendo coisas que eu não fazia.

Por exemplo, ir ao futebol com meu filho, agora estou indo ver quase todos os jogos. Eu não estava tendo tempo de ver o Fortaleza que eu gosto demais, uma das paixões da minha vida. De conviver e passar fins de semana mais próximos dele.

De liderar uma mesa de almoço em casa com a família toda e são coisas que estavam muito fora do meu contexto, porque não tinha tempo. Tomei essa decisão na UTI.

Outra decisão foi aumentar o tempo para os amigos, jogar conversa fora, frequentar bares que eu gosto que tem na Cidade. Amizade é um valor que não tem preço. Eu dou graças à Deus de que quando entrei no governo já tinha atingido minhas expectativas patrimoniais, que nem eram tantas.

Meu sonho era possuir uma casa digna para morar e criar meus filhos, ter uma casa para o fim de semana de lazer e dar condições de estudo e formação para meus filhos. O resto é poder priorizar o que a vida oferece.

Então, quando eu saí da Covid, eu não tinha ambição material nenhuma, tenho ambição em ter saúde até onde Deus quiser. Quero tempo para trabalhar, sim, não posso parar de trabalhar, mas menor.

Mas quero tempo para conviver com minha família e meus amigos. E é o que vou fazer. Tem dias que passo o dia em casa e eu acho ótimo, passo o tempo refletindo, vejo programas de televisão, no fim de semana assisto a jogos de futebol, que eu adoro.

Isso também é vida, a gente ter uma condição de tempo para usufruir disso. E assim tenho levado a vida, muito feliz.

 

 

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