Sisleide do Amor Lima carrega desde o nome completo o maior dos sentimentos. Principal camisa 10 do futebol feminino brasileiro antes de Marta, a ex-jogadora baiana — hoje treinadora e diretora técnica de times dos Estados Unidos — precisou florescer e ressignificar a paixão que carrega no próprio sobrenome para se tornar a esportista que foi e é.
Desde a infância, Sissi, como é conhecida, teve que ser “rebelde” — como ela mesma se define — para poder jogar bola e, posteriormente, buscar o espaço das mulheres no esporte bretão. Aos 14 anos, ao sair de casa, em Campo Formoso (BA), a caminho do Flamengo de Feira de Santana, deu os primeiros passos rumo a uma carreira de luta, construção e também felicidade. Sua trajetória hoje reflete no presente em que o futebol feminino não é mais marginalizado no país.
Ao O POVO, a ex-atleta de 56 anos falou sobre a infância, em que transformava cabeças de boneca em bolas de futebol, e relembrou toda a trajetória até a seleção feminina, que também teve influência do futsal. Hoje torcedora, Sissi também expôs expectativas e desejos para o futebol feminino brasileiro e para o Brasil na Copa do Mundo da Austrália.
O POVO - Como foi a infância da Sissi?
Sissi - Em resumo, eu nasci na cidade de Esplanada, interior da Bahia. Realmente naquela época tinha aquela lei, o futebol feminino era proibido. Minha infância foi bem corrida, pois sempre fui muito rebelde, no bom sentido. Nasci numa família com quatro mulheres e um homem. Foi assim, uma infância com resistência, mas sempre fui persistente. É uma coisa que me define muito bem. Eu nunca aceitei um "não" como resposta. Se falassem que menina tem que brincar de boneca, eu perguntava por qual motivo eu não podia brincar de bola, de carrinho. Foi assim. Uma infância sofrida, mas eu tive liberdade de fazer o que eu queria.
OP - Você teve contato com futebol desde cedo, mesmo sendo de uma época em que o esporte ainda era proibido para mulheres? E como seus familiares lidavam com isso? Você era bem aceita para brincar com outras crianças de futebol?
Sissi - Comecei a me interessar por futebol com 7 anos de idade, vendo meu pai e meu irmão jogando. Eles tinham uma resistência por eu ser menina, então toda vez que eu tentava participar, eles falavam que não, pois era coisa de homem. Até que um dia eu acabei me revoltando e minha história começou com as cabeças das minhas bonecas. Eu comecei a arrancar as cabeças das minhas bonecas. Minha mãe estranhou ver minhas bonecas sem cabeça, mas eu comecei assim. Por insistência, eu falava que queria brincar, que queria jogar, mas eles me deixavam jogar como a “bobinha”. Até que meu pai viu que eu tinha nascido com o dom.
O sonho dele era que meu irmão se tornasse jogador profissional. Ele chegou até a participar de peneiras do Bahia, mas desistiu, pois não era o que ele queria. Então ele me viu e falou: “Como é que pode, uma menina”, mas começou assim. Mesmo falando "não" no início, meu pai foi meu primeiro incentivador. Depois que viu que eu nasci com o dom, mesmo sendo menina, ele foi a primeira pessoa a me dar uma bola. Em Esplanada, porém, não tinha garotas jogando futebol e eu comecei a brincar com os meninos. Jogava com eles e tomava bronca todo dia. Minha mãe me chamava no campo por eu estar no meio dos meninos, mas eles aceitavam e nunca tive nenhum problema com eles por isso. Sempre tinha briga para saber em qual time eu ia jogar.
OP - Como e quando a brincadeira se tornou algo mais sério e, posteriormente, a sua carreira?
Sissi - Meu pai conseguiu um emprego em Campo Formoso, sertão da Bahia. A gente se mudou de Esplanada, eu tinha 11 anos, e foi lá que eu vi outras meninas brincando de bola também. Minha participação em um grupo organizado, em um time, foi com 14 anos, quando fui jogar no time Grêmio de Senhor do Bonfim. A Míriam era dona, capitã do time. Ela ouviu falar que tinha uma menina em Campo Formoso e me convidou.
Nesse período, a gente começou a jogar naquela região por brincadeira, até que o Flamengo de Feira veio jogar em Senhor do Bonfim, a gente fez a preliminar da partida e o dono falou: “Temos que convidar as duas”. Ele foi na minha casa e minha mãe falou: “De jeito nenhum ela vai sair daqui para ir para Feira de Santana”. E eu falei: “Eu vou”. Lembro que arrumei minhas coisas em uma mochila, minha irmã perguntou o que eu estava fazendo e eu falando: “Eu vou, sim”. Minha mãe falou que de jeito nenhum eu ia sair dali, pois eu era de menor, e eu falei que ia. Eu prometi a ela que eu ia terminar os estudos e eu fui.
Saí de casa aos 14 anos para ir para Feira de Santana jogar na primeira equipe. A gente morou em uma casa com dez meninas, eu era a mais nova, e tinha aquela rotina de ir para escola pela manhã e treinar pela tarde. Mas a gente não ganhava nada. O dono do clube pagava e providenciava tudo, mas não tinha um salário. Não vou dizer que era profissional, mas foi ali que a minha carreira começou.
Eu fiquei três anos no Flamengo (de Feira), a equipe acabou e eu voltei pra Campo Formoso, até que eu fui chamada pra jogar no Bahia e fui para Salvador jogar futebol de campo. Ali também começou meu interesse por futebol de salão. O futebol de salão, eu até falo, que se tivesse se profissionalizado naquela época, eu acho que eu teria seguido minha carreira como jogadora de futebol de salão. Eu até achava que era muito mais jogadora de futebol de salão do que de campo. Fiquei no Bahia e foi lá também que eu fui convocada pela primeira vez para a seleção, em 1988.
OP - Sua ida para Feira de Santana, onde defendeu o Flamengo de Feira, ocorreu em 1981. Como o futebol feminino só foi regulamentado dois anos depois, houve algum problema ou dificuldade nesta época por conta disso?
Sissi - Mesmo sabendo que tinha a lei (que proibia mulheres de praticarem futebol), eu nunca me importei. Sempre me perguntava quem viria até aqui (barrar). Claro, tinha uma certa resistência, a gente brigou. Não foi nada fácil. A nível de estrutura, competições, principalmente, não dá pra se comparar naquela época com agora, mas tinha uma resistência. Acho que o Flamengo de Feira foi fundamental na minha carreira por conta disso também. Eu nunca imaginava. Deve ser por isso que a minha mãe sempre falava: “Vamos procurar fazer alguma coisa, pois o futebol feminino não vai vingar aqui no Brasil”.
Não só pela falta de regulamentação, mas por causa do preconceito. Ela achava que o futebol feminino não ia ter futuro, mas eu falava que ia provar, que nós íamos provar. Eu falava: “Um dia a senhora vai me ver na televisão, eu ainda vou vestir a camisa da seleção”, e ela falava assim: “É coisa sua, sonho seu”. Graças a Deus, com muita persistência, mesmo naquela época sendo um futebol amador, se não fosse pelo Flamengo de Feira e do Bahia, eu não sei o que poderia acontecer.
A nossa história começou ali e então veio a primeira seleção, que disputou o Mundial Experimental, e ninguém imaginava, mas foi através também do EC Radar, que o futebol era um pouco mais desenvolvido lá no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na Bahia, a gente tinha campeonatos, mas não eram profissionais. Era um futebol amador.
OP - Depois do Flamengo, você passou pelo Bahia e, de lá, participou da sua primeira competição com a seleção brasileira. Como foi a experiência de viajar pra fora do país pela primeira vez e representando o país em uma época em que a modalidade era tão pouco vista?
Sissi - Quando eu recebi a notícia, foi um choque. Eu não imaginava. E as coisas foram acontecendo de maneira muito rápida para mim e para aquela geração, aquele grupo. Aquela primeira seleção, a base toda foi do Radar, mas eu já ouvia falar de algumas meninas. A gente foi, não teve algo muito como um esquema. A gente foi e se reuniu. As roupas que a gente usou eram do masculino e fomos sem nenhuma expectativa, mas foi o primeiro sonho. A gente plantou a semente lá naquele período. Eu não imaginava que isso fosse acontecer muito rápido. A gente foi para a China sem nenhuma expectativa representando o Brasil.
Naquele grupo, a base do Radar era fundamental, pois todo mundo se conhecia. Saí do país e foi minha primeira viagem. Tem uma história curiosa, pois era minha primeira viagem e, como eu era de menor, precisava da permissão dos meus pais. Meu pai estava viajando e a gente precisava da assinatura dele para que eu pudesse e eu falei: “Mainha, você vai ter que falsificar”. E ela: “O quê?”. Eu afirmei e falei: “Não vou perder essa, não”. Foi assim.
Imagina sair do país, ir para um país de cultura diferente. Nossa, foi uma experiência que eu nunca mais vou esquecer. Vestir a camisa da seleção e ninguém imaginava o que ia acontecer. Ninguém sabia se ia dar certo e depois ficava a pergunta do que ia acontecer em seguida, mas a gente foi, queria provar. Aquele grupo foi fundamental para mim. Aquela geração, realmente, viveu muitas experiências juntas, boas e ruins. Ficamos em terceiro lugar. Eu fiz meu primeiro gol contra a Noruega. Quando voltamos pro Brasil, ficou aquela pergunta: “E agora?”. A gente não sabia o que ia acontecer depois. Logo em seguida, fui para São Paulo jogar pelo Corinthians, futebol de salão e de campo.
OP - A Copa do Mundo que ocorreu em seguida foi oficial, não mais experimental, em 1991. Você acabou ficando de fora daquela seleção por lesão, no entanto. Como foi para você?
Sissi - Eu me preparei justamente para aquilo, mas infelizmente acontece. Você fica se perguntando por qual motivo. Mas eu não quis questionar. Eu acho que não tinha que acontecer. Naquele momento, foi muito difícil para mim. Muito doloroso. Era meu sonho de criança. Mesmo tendo participado da primeira (Copa), aquele Mundial sendo oficial… Foi difícil. Mas procurei focar na minha recuperação, deixei tudo nas mãos de Deus. Eu achei que ia acontecer, mas torci muito para a seleção. Os resultados não foram o que se esperava. Mas foi o primeiro momento mais difícil pra mim ter ficado de fora daquele Mundial.
OP - Como numa virada de chave, quatro anos depois, ocorreu o Campeonato Sul-Americano, realizado no Brasil. Como foi disputar esse torneio em casa? E a Copa do Mundo daquele mesmo ano?
Sissi - Eu não fiz nenhuma previsão do que ia ocorrer depois, mas eu me preparei. Veio o Sul-Americano e foi uma experiência única. Eu pensei que se não consegui participar da primeira, então agora tinha uma explicação. Eu procurei vivenciar cada momento naquele Sul-Americano e depois o Mundial. O sonho de qualquer atleta é participar de um Mundial e foi um momento mágico pra mim. Poder estar junto novamente daquele grupo, representar o Brasil, são memórias que você cria, guarda e vai aproveitando ao máximo o que você pode. Foi realmente uma experiência única pra mim também.
OP - Em 1999, perto da Copa do Mundo seguinte, você fraturou o rosto, mas isso não a impediu de ir para a competição e marcar sete gols, ganhar a Chuteira de Ouro e ajudar o Brasil a ficar na 3ª colocação. O que mais te motivou a vencer uma lesão para estar ali?
Sissi - A minha carreira teve dois períodos. Eu também me dediquei ao futebol de salão e ele foi fundamental na minha carreira. Tive a felicidade de jogar em várias equipes, que até me ajudaram a ter uma formação diferente. Eu era apaixonada pelo futebol de salão e me ajudou muito em coisas que fiz dentro de campo. Até para poder sobreviver no Brasil, eu tive que fazer as duas coisas, mas nunca optei. Se eu tivesse a oportunidade de optar, seria diferente, mas infelizmente o futebol de salão só teve a primeira seleção bem depois, quando eu já havia encerrado minha carreira.
Foi com o futebol de salão que aconteceu essa situação em que eu acabei me machucando antes do Mundial de 99. Eu pensei: “Meu Deus, novamente eu vou ficar de fora de uma competição dessas”. Eu passei a noite no hospital, assumi um termo de responsabilidade onde eu falei que não faria cirurgia. Eu fraturei meu rosto em várias partes e o médico falou que eu teria que fazer (a cirurgia), mas eu não ia fazer. Tive que assinar esse termo de responsabilidade, mas eu sabia que algo especial ia acontecer. Não sei te dizer como, mas eu tinha dentro de mim que algo ia acontecer e eu não podia ficar de fora.
Me apresentei, não falei pros médicos da seleção sobre a lesã, e joguei aquele Mundial com o rosto fraturado. Aquele Mundial marcou não só a minha carreira individualmente, mas também aquele grupo. A gente sofreu e não foi pouco. A gente sofreu muito. Nunca fui uma jogadora de marcar muitos gols, sempre fui uma jogadora de armação, mas os gols foram acontecendo e até os de falta, pois eu treinava muito.
Ficar em terceiro, terminar o Mundial como artilheira, foi uma resposta para tanta gente que duvidou, questionou, fez de tudo para que o futebol feminino não vingasse no Brasil. Acho que aquele Mundial foi realmente especial para o futebol feminino mundialmente. Foi depois do Mundial que deu pra ver que o futebol feminino cresceu bastante logo depois. Sou muito grata e foi através do Mundial o motivo também pelo qual eu fiquei nos Estados Unidos. Aquele Mundial não tem como esquecer. Foi realmente algo especial pra mim e pro grupo.
OP - Entre a Copa do Mundo Experimental de 1988 e este Mundial de 1999, você sentiu alguma avanço em termos de estrutura disponível para vocês, jogadoras, e a seleção feminina num todo?
Sissi - Um pouco. Para a gente ir pra Granja Comary (CT da seleção em Teresópolis) era uma dificuldade. Se tinha alguma competição do masculino naquele mesmo período, a gente tinha que sair da Granja Comary para ir para outro lugar. A gente não pôde usufruir muito de estrutura. Tivemos, mas não como você vê agora. Claro, teve evolução, deu pra ver que as coisas melhoraram, mas não da maneira que a gente esperava, da maneira que a gente achava que merecia.
Foram anos de dificuldades, até a nível financeiro. Passamos poucas e boas, mas não tinha como expor aquilo. Se você falasse muito, tinha a possibilidade de não ser convocada novamente. Tivemos que abrir mão de muitas coisas por causa não só da seleção. E a gente queria jogar. A gente não jogava por dinheiro, mas a gente brigava, queria brigar pelos nossos direitos. Eu sempre fui uma pessoa que briguei por isso. Talvez eu paguei um preço alto, pois sempre fui, desde pequena, rebelde. Se falava do meu cabelo, da maneira que eu vestia. Eu sofri também uma represália muito grande por causa disso, pois as pessoas não aceitavam a maneira de eu ser, de brigar e bater de frente.
A evolução, claro que evoluiu, mas não o que a gente vê hoje. A visibilidade era muito pequena naquela época, mas aquele grupo foi muito unido. Essa geração de hoje não pode esquecer o que a gente fez no passado. O que elas estão tendo hoje, claro que por mérito delas, também foi o que a gente fez antes. Fico feliz como brasileira, torcedora apaixonada por futebol, pois a gente quer melhorias. Claro que a gente sabe que ainda faltam muitas coisas, mas fico feliz que hoje dá para ver que as meninas podem ter o futebol como profissão, pois para a gente foi muito difícil.
Tudo no Brasil é resultado. O povo quer ver isso. Eu acho que hoje, aqui, nos Estados Unidos, conseguimos ver (evolução), mas as americanas tiveram que brigar. Os resultados ajudaram para elas chegarem onde estão hoje. Sempre falo que o Brasil, na questão de talento, não tem como comparar. Mas ainda ficamos na sombra do futebol masculino. O que é uma pena. Acho que o meu sonho, espero que aconteça agora, que o Brasil consiga... Mas mesmo se o Brasil conseguir ganhar (a Copa do Mundo), não sei se será o suficiente para que as coisas mudem.
Ainda tem um pouco dessa resistência, o que é uma pena. Teve a minha geração, a da Marta, e aí? Infelizmente ainda fica isso no ar. Aqui, nos Estados Unidos, as pessoas não entendem quando falo e pontuam: “Caramba, mas vocês têm tanto talento. Por que ainda tem essa resistência?”. Eu acho que é cultura. Melhorou e não só no esporte, no geral, mas ainda falta algo. O futebol feminino aqui (nos EUA) é disputado nas escolas, há academias, programas sociais e o esporte começa muito cedo. O futebol feminino tem o próprio espaço e são vários esportes aqui. Talvez seja por isso que elas estão sempre renovando.
OP - Você também esteve nas primeiras participações da seleção feminina nos Jogos Olímpicos, em 1996 e 2000. O que mais te marcou?
Sissi - Depois do Mundial, qualquer atleta quer disputar uma Olimpíada. Não é somente o futebol. Eu sempre admirei outros atletas e sempre acompanhei outros esportes, então a minha primeira Olimpíada foi deslumbrante. Você fica viajando, deslumbrada com o que está acontecendo. É um sonho de qualquer atleta. O Mundial é diferente. É claro que, para a gente, também foi um momento muito especial, mas acho que a segunda deu para entender como foi, pois você já tem uma certa experiência.
Mas a primeira, claro, você fica deslumbrada. Você se questiona: “Será que isso está mesmo acontecendo?”. Eu aproveitei bastante as duas oportunidades que eu tive. A segunda foi um pouco mais difícil, a minha última. Eu acho que ali eu sabia que eu não teria uma outra oportunidade de vestir a camisa da seleção, então foram momentos distintos. Na primeira eu estava feliz, emocionada por ver outros atletas. A segunda já teve mais um tom de despedida, infelizmente. Tivemos vários problemas que acabaram afetando a nossa jornada. Foi um misto de emoções que é difícil de explicar, mas momentos únicos. Independentemente de ganhar medalha ou não.
OP - Dentro de toda sua trajetória, há um episódio que é bem marcante. Em 1997, em solidariedade a uma criança com câncer, você raspou a cabeça. O gesto foi mal interpretado por ser considerado “pouco feminino”. Como você se sentiu na época em relação a toda a repercussão que houve?
Sissi - Eu acho que, naquele período, eu não tinha uma obrigação de falar o porquê. Claro que eu sofri muito, até mesmo de diretores e pessoas responsáveis pelo futebol feminino. Eu sofri muito. Às vezes tinha entrevista, eu era chamada e não podia ir. A gente teve a oportunidade de ter o patrocínio de uma marca de shampoo, mas (falavam): “Não, pois ela é careca”. Era um momento meu e eu não precisava explicar para as pessoas.
Como eu falei, eu nunca fui de me encaixar no que as pessoas queriam. “Ah, ela tem que ser assim, se não for assim então ela não pode participar”, comentavam, e eu nunca liguei pra isso. Eu queria ser verdadeira. Sempre fui verdadeira e isso vem da educação que eu ganhei dos meus pais. Já vim com isso desde pequena. Minha vó queria que eu usasse vestidos, e eu não me sentia bem. Eu não queria provar nada para ninguém, não fiz isso pra gerar controvérsia.
Até mesmo depois desse meu ato, teve um Campeonato Paulista que as meninas que tinham cabelo curto não puderam participar. Eu achei um absurdo. Você ser julgada pela maneira que você é, não pelo que você faz, eu nunca me importei com isso. Eu fiz isso em solidariedade a uma criança que estava sofrendo bullying e aconteceu aqui também, nos Estados Unidos. Me convidaram para ir na escola porque ele estava com câncer. Eu não falava inglês, mas a nossa conversa foi muito de não precisar de palavras. Acho que para ele também foi único.
Naquele momento, eu consegui ver que minha jornada no mundo não era para ser a melhor atleta, mas a melhor pessoa, poder ser uma pessoa que pudesse incentivar outras pessoas. Minha jornada não era só no campo, era fora do campo. Aquilo me tocou bastante e eu me tornei outra pessoa. Fiz em homenagem a esse menino. Infelizmente, ele faleceu quando eu estava de férias no Brasil, e isso virou um ritual e todo ano faço isso em homenagem. Se criou uma coisa tão absurda que eu tive que justificar algo que, para mim, não era necessário. Eu paguei um preço alto por isso, mas mais quem me conhecia. Eu não me importei com o que os outros pensaram naquela época, mas esse foi um dos motivos.
OP - Dentro de toda a sua trajetória, qual você considera seu momento mais especial como jogadora?
Sissi - Difícil dizer. O início, a primeira vez que tive a oportunidade… Posso até falar de seleção, aquele meu primeiro Mundial, não tem como esquecer isso. Mas acho que também o Mundial de 1999. Não tem como não falar disso, pois foi um momento de consagração para mim. Mas não tem como deixar o início de lado, não, pois foi ali que vi e pensei: “Graças a Deus, agora acho que vai pra frente mesmo”. São dois momentos e não tem como escolher só um.
OP - E qual foi o mais difícil?
Sissi - O mais difícil foi ter ficado de fora do Mundial de 1991. Um momento difícil para mim, pois me preparei para isso. Realmente foi o momento mais difícil.
OP - O que Sissi faz hoje no meio do futebol nos Estados Unidos?
Sissi - Atualmente eu treino o Walnut Creek Surf Soccer Club e também sou diretora técnica das categorias de base, com meninas que nasceram em 2008 e 2009. Sou também diretora técnica do Califórnia Storm, semiprofissional, e sou auxiliar técnica do Solano Júnior College. Estou mais naquela carreira de treinadora. Parei de jogar faz uns três anos, mais ou menos, infelizmente, mas sempre que posso ainda jogo por brincadeira mesmo. Neste momento, trabalho como treinadora e diretora técnica desse clube que eu trabalho faz 12 anos.
OP - Depois de passar por tudo que sua geração passou, como você se sente vendo que, aos poucos, a evolução do futebol feminino está ocorrendo no Brasil?
Sissi - Claro que as coisas realmente evoluíram, mas a gente sabe que ainda precisa de outras coisas que são necessárias. Ter um calendário fixo de competições. Acho que o futebol feminino começa com as categorias de base e é necessário, até pela questão da renovação. Acho que o futebol feminino tem que ser praticado nas escolas. Outra coisa que eu sempre falo, a nível de visibilidade, hoje, já se dá para falar que as meninas têm o futebol feminino como profissão. Talvez, quando se fale do lado financeiro, ainda não esteja do jeito que a gente quer, mas a gente já enxerga que está em um nível que não estava antigamente.
A nível de seleção, eu acho, particularmente, que o Brasil precisa ter um calendário de competições, é importante. Patrocínio dá pra ver que já tem. Hoje, nos Estados Unidos, na liga profissional, as meninas estão ganhando mais com patrocínios do que pelo clube, mas evoluiu no mundo todo. Não dá nem para se comparar como era antigamente e a gente fica feliz. Ver o futebol feminino na televisão, os campeonatos na televisão. Mesmo que ainda seja com resistência, mas está melhor do que antes.
Fã de Gaga
Na música, Sissi é super fã e já foi a shows nos Estados Unidos da cantora Lady Gaga. O sonho da ex-jogadora de futebol é conhecê-la pessoalmente
Esporte na veia
NAS RARAS horas vagas, quando não está em campo dando treino, Sissi gosta de praticar esportes de aventura com amigos
Hobby de Sissi
Quando para em frente à TV, a ex-atleta gosta de assistir a jogos de futebol e séries investigativas, como Criminal Minds