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Svagito Liebermeister: Quando a vida para, como superar o trauma?
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Svagito Liebermeister: Quando a vida para, como superar o trauma?

Psicoterapeuta e professor espiritual alemão Svagito Liebermeister lança livro no qual aborda processos de compreensão e cura de traumas após morte da esposa
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FORTALEZA-CE, BRASIL, 01-11-2023: Svagito Liebermeister, Entrevista para paginas Azuis, falando sobre a vida dele e livro lançado. (Foto: Aurelio Alves/O Povo) (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES FORTALEZA-CE, BRASIL, 01-11-2023: Svagito Liebermeister, Entrevista para paginas Azuis, falando sobre a vida dele e livro lançado. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)

 

Em visita ao Ceará, Svagito Liebermeister caminha tranquilamente em direção à equipe do O POVO que lhe espera para entrevista. O andar do psicoterapeuta alemão se assemelha à atmosfera do local. No centro de meditação Osheanic Retreat Center, em Aquiraz, o silêncio impera - a não ser quando é tomado pelos sons de pássaros e do farfalhar das folhas.

Em um espaço mais reservado, compartilha lembranças de Meera Hashimoto, pintora japonesa, arte-terapeuta e sua esposa. “Aprendi muito com ela sobre o que é o amor e o que significa estar totalmente vivo”, afirma. O relato assume tom também de saudade. Meera faleceu em um acidente de mergulho perto da África do Sul em 2017.

Svagito Liebermeister, psicólogo, terapeuta e escritor alemão
Svagito Liebermeister, psicólogo, terapeuta e escritor alemão Crédito: AURÉLIO ALVES

O trauma pessoal de Svagito é apresentado em seu livro mais recente, intitulado “When Life Stops” (“Quando a Vida Para”, em tradução livre). A obra destaca sua jornada de cura pessoal após o falecimento de sua esposa e tem como objetivo proporcionar “uma compreensão profunda do que é o trauma pessoal e coletivo e o que serve para a cura”.

No trabalho, Liebermeister busca levar ao leitor estudos de caso, meditações guiadas e exercícios para dar mais peso às explicações teóricas. Assim, deseja conversar sobre como o processo de cura de um trauma pode ser examinado também pelo lado espiritual, reconhecendo que ele “não precisa ser só uma força destrutiva, mas também pode ser tornar uma força despertadora”.

Formado em psicologia pela Universidade de Munique, Liebermeister promove cursos e grupos de treinamento nos quais combina métodos de terapia ocidentais com métodos orientais de meditação. Ele trabalha terapeuticamente com outras pessoas desde 1981 e inclui em sua trajetória aspectos como aconselhamento e Terapia do Trauma.

Em 1995, estudando com Bert Hellinger, passou a incluir em seu trabalho a Constelação Familiar, que busca reconciliar uma pessoa com o círculo social, de modo a compreender, desde a raiz, os frutos do afastamento ou da exclusão. O psicoterapeuta lançou quatro deles - e um deles, intitulado “As Raízes do Amor”, foi publicado pelas Edições Demócrito Rocha (EDR).

Em entrevista presencial ao O POVO em 31 de outubro, Svagito Liebermeister explicou processos para a cura de traumas, o seu esforço para preservar o legado de Meera, as diferenças em seu trabalho ao longo dos anos e a importância da meditação como forma de se manter no presente.

 

 

O POVO: Um dos principais objetivos do seu livro é proporcionar uma compreensão profunda do que é trauma pessoal e trauma coletivo e o que funciona para a cura. O senhor poderia nos explicar as diferenças entre esses tipos de traumas?

Svagito Liebermeister: Trauma pessoal é um trauma de algo que você vivenciou em sua vida, algo que aconteceu com você pessoalmente. Você pode ter trauma de um acidente ou trauma de algo que aconteceu quando era criança. Essas são experiências pessoais. Trauma coletivo é aquele que não aconteceu diretamente com você, pode ter acontecido com alguém da sua família - seja desta geração ou da anterior. Nós estamos ligados à nossa família e também vivenciamos o trauma de nossos familiares. Ele não é só com a nossa família, pode ser também a nossa cultura ou nossa nação. O que quer que aconteça nesse campo coletivo tem um efeito sobre nós também. Para traumas pessoais, é importante começar a trabalhar com o corpo para ajudar na cura da ativação que está no corpo do trauma. Para o coletivo, é importante o trabalho de constelação familiar. Nela, passamos a entender como estamos vinculados a um campo coletivo e, nesse contexto, aprendemos a curar traumas coletivos também. É por isso que no meu livro eu abordo o trabalho com o corpo e com um sistema familiar. Nele, expliquei como isso pode ser combinado.

OP: O senhor pode nos explicar mais sobre como aborda essa combinação em seu livro?

Svagito: Eu escrevi sobre como o trauma leva a uma ativação fisiológica em nosso corpo. Isto significa que temos esse mecanismo para lidar fisiologicamente com alguma experiência desafiadora. Então, em um nível fisiológico, há uma resposta, e o trauma significa que a ativação é tanta que nosso sistema não consegue lidar com isso, o que nos leva à chamada “resposta de congelamento” ou “desligamento”. A menos que haja essa resposta, não há trauma. Portanto, “congelar” mostra que a experiência foi exagerada. Assim, quando você trabalha com o corpo você ajuda a pessoa a processar a ativação que está nele. Quando você lida com o trauma coletivo, além de trabalhar com o corpo você trabalha com o vínculo que vivenciamos com os familiares, e assim passamos a entender como fazemos parte de um campo coletivo e o que nos ajudaria a nos desvincularmos desse campo. Isso significa entrar um pouco mais em nossa própria vida e estar um pouco menos envolvido com a vida dos outros. Esse trabalho acontece por meio de uma constelação.

Um trauma é um choque e, experimentando um choque, às vezes despertamos para a nossa verdadeira natureza. (...) É uma possibilidade, porque o trauma, por um lado, é algo doloroso, e por outro carrega um potencial para olharmos de outra maneira.

OP: Em que momento o senhor reconheceu que o trauma pode se tornar uma força de “despertar”, ou seja, que ele pode não ser apenas um ponto negativo, mas algo que possa ser usado para a nossa transformação?

Svagito: Um trauma é um choque e, experimentando um choque, às vezes despertamos para a nossa verdadeira natureza. É como por vezes as pessoas dizem que, de certa forma, estamos todos sonhando ou “em coma”, então o trauma seria como um alarme, algo que atinge você. Claro, não é prazeroso, mas te leva ao despertar. O trauma, então, é um dos caminhos pelos quais acordamos para a nossa verdadeira natureza. É uma possibilidade, porque o trauma, por um lado, é algo doloroso, e por outro carrega um potencial para olharmos de outra maneira.

OP: Ao contar sua história pessoal e o trauma que viveu depois de perder sua esposa, o senhor também pode atingir o leitor em uma questão sentimental. Como foi para o senhor conciliar os diferentes lados de falar sobre traumas para chegar ao processo de cura?

Svagito: Eu queria publicar um livro sobre trauma antes de minha esposa morrer. Quando isso aconteceu, decidi que não queria escrever mais sobre nada. Entretanto, depois de um tempo quis escrever esse livro de uma forma diferente, na qual incluísse também a minha experiência pessoal. Assim, a obra não é tão teórica, mas inclui o que eu experimentei, como vivenciei o trauma e sua cura. Achei que seria útil para o leitor não ser algo apenas teórico.

OP: Escrever sobre isso é uma espécie de cura pessoal para o senhor também?

Svagito: Foi, também. Foi mais um processo de refletir novamente sobre o que passei.

Aprendi muito com Meera sobre o que é o amor e o que significa estar totalmente vivo, porque, para mim, ela foi a pessoa mais viva que conheci, tão cheia de vida e espontaneidade. Você nunca poderia prever o que ela faria no momento seguinte. Ela era tão doce e estava tão animada com tudo que fazia, era tão parecida com uma criança

O POVO: Nos agradecimentos do livro, o senhor disse que Meera lhe ensinou que o amor está além do corpo e da mente e além do tempo e do espaço. Quais são os ensinamentos mais importantes que o senhor traz de Meera nesta obra?

Svagito: Aprendi muito com Meera sobre o que é o amor e o que significa estar totalmente vivo, porque, para mim, ela foi a pessoa mais viva que conheci, tão cheia de vida e espontaneidade. Você nunca poderia prever o que ela faria no momento seguinte. Ela era tão doce e estava tão animada com tudo que fazia, era tão parecida com uma criança, ficava entusiasmada com qualquer coisa. Isso me ensinou sobre o que significa estar vivo e o que significa dizer “sim” para a vida. Eu aprendi isso com ela.

OP: O senhor acha que conseguiu apresentar ao público esses ensinamentos no livro?

Svagito: Um livro é apenas um livro, só algo escrito. Ler um livro não é suficiente. Você precisa experimentar. Talvez este livro consiga inspirar as pessoas a procurarem isso. Ao ler um livro você não está vivenciando a situação, mas você pode se motivar a experimentá-la.

OP: É também uma oportunidade de ter compaixão ao ler outra história?

Svagito: É. Para mim, existem três elementos principais na cura: conhecimento, amor e criatividade. Ou seja, se você quer estar vivo, precisa ser criativo. Se quer estar vivo, precisa amar. Se quer estar vivo, precisa ter consciência. Para mim, esses são os três elementos principais.

OP: No livro, o senhor também afirma que agora está fazendo coisas que nunca poderia ter sonhado em fazer em sua vida. Quais são elas?

Svagito: Atualmente eu estou dando seguimento ao trabalho de Meera, o que inclui oficinas de arte e grupos de pintura. Eu estou mantendo a Fundação de Arte da Meera (Meera’s Art Foundation), abri um museu na Itália com suas pinturas e estou fazendo exposições com essas artes. Todas essas são ações que não imaginava que faria algum dia, não estavam nos meus planos. Estou sempre viajando e carrego comigo os trabalhos de Meera. Quero inspirar as pessoas e transmitir a paixão dela.

Eu quis cuidar do trabalho artístico dela para as próximas gerações e isso me ajudou a continuar minha vida, porque quando Meera morreu em alguns momentos eu quis desaparecer e até morrer. Entretanto, o sentimento que tive de querer proteger seu legado me ajudou a seguir em frente.

OP: Lidar com as pinturas de Meera ajudou o senhor durante o processo de cura do trauma de perdê-la?

Svagito: Eu quis cuidar do trabalho artístico dela para as próximas gerações e isso me ajudou a continuar minha vida, porque quando Meera morreu em alguns momentos eu quis desaparecer e até morrer. Entretanto, o sentimento que tive de querer proteger seu legado me ajudou a seguir em frente. Assim, cuidar das suas pinturas e de suas obras me ajudou a permanecer e foi mais importante, na verdade, do que meu próprio trabalho.

OP: O senhor acha que o processo de cura é diferente a depender do país ou dor é dor em qualquer lugar?

Svagito: Trauma é trauma. Não é algo cultural. É como o amor. Você não pode dizer que o amor no Brasil é diferente do amor na Alemanha, porque o amor é simplesmente o amor, não é cultural. Consciência também não é cultural, nem criatividade - talvez existam expressões culturais diferentes, mas a essência é a mesma.

OP: Seu primeiro livro sobre Constelação Familiar foi escrito em 2006. Há alguma diferença no seu trabalho depois de todos esses anos?

Svagito: Bastante, mas é difícil dizer, porque o modo como você trabalha muda ao longo do tempo e você não percebe exatamente como ele muda. Outras pessoas notam mais. Meus alunos chegam até mim e dizem que estou diferente de como era há dez anos, mas é complicado afirmar, porque não é algo que vem da sua cabeça e você decide fazer diferente. Eu diria que estou menos interessado nas histórias passadas das pessoas e mais atraído pelo momento presente. Para mim, terapia é sobre estar mais focado no presente, na meditação, para ver o que o ajuda a deixar o passado para trás. Não estou muito interessado em voltar várias gerações para saber o que aconteceu - a não ser que em alguns momentos seja necessário. No meu trabalho, estou mais preocupado com o presente.

Meera, artista visual japonesa que morreu na África do Sul, em 2017
Meera, artista visual japonesa que morreu na África do Sul, em 2017 Crédito: Divulgação

OP: Sua percepção sobre o assunto mudou após a morte de Meera?

Svagito: Eu não sei se minha percepção mudou, mas com certeza sinto que há mais urgência em fazer as pessoas perceberem que não devem perder tempo. O tempo e o corpo nesta vida são limitados. Em breve você desaparecerá e não sabe quando - talvez amanhã, talvez em um ano. Você não sabe quando chegará a hora de deixar seu corpo, então não desperdice tempo com coisas que não importam. Para mim, isso é muito claro. Eu não quero fazer nada que eu não sinta importância. Estou mais focado naquilo que considero importante, e também quero lembrar as pessoas disso porque frequentemente desperdiçamos nosso tempo com futilidades. Estamos muito envolvidos em atividades inexpressivas e perdemos oportunidade de evoluir na nossa consciência.

OP: O senhor disse que não está interessado na busca de gerações passadas. Há algum limite ético para o constelador nesse acesso ao passado?

Svagito: O passado, de certa forma, está sempre presente. Quando você olha uma pessoa você vê seu passado, tem algo dele atualmente. Se eu olhar para você eu verei que seus pais também estão presentes - eles são seu passado, mas eles também estão aqui, de alguma maneira. Tudo o que aconteceu no passado está no presente de alguma forma. O trabalho de constelação é um mecanismo para perceber o que é essencial no momento e o que a pessoa excluiu ou esqueceu do seu passado para então incluir. No instante em que você põe energia do seu passado você pode estar mais presente no agora. Se você exclui seu pai, sua mãe ou seus avós, você não consegue estar muito aqui, pois parte da sua energia está em falta. Assim, se você os inclui, você está mais presente e sua energia está mais “presa” ao momento atual. Esse é o significado de olhar o passado: não é exatamente sobre ele, mas sobre o que te ajuda a estar no hoje. Os seus familiares não são apenas membros da família, são também energias que você carrega consigo e todos eles estão em você.

OP: O que o senhor quer dizer ao falar sobre “incluir pais e avós”? Seria incluir suas dores e suas experiências?

Svagito: Significa incluir o amor de todas as pessoas que estiveram aqui antes de mim. Se eu sinto o amor, sou mais completo.

OP: Mas sabemos que muitas pessoas não têm boas relações com seus familiares…

Svagito: É por isso que elas não estão no presente por completo e estão parcialmente no passado, porque no momento que você não tem uma boa relação, você rejeita alguém, significa que você não pode estar integralmente aqui. A rejeição mantém você preso a algo do passado e não permite você permanecer. Dá para pensar em quando você tem um conflito com alguém: parte da sua energia está direcionada a essa pessoa. A partir do momento em que você resolve algo e sente amor por ela, isso se encerra, e então você pode estar presente no hoje.

OP: E qual a relação entre Constelação Familiar e religiões, de maneira geral?

Svagito: Não há.

OP: Então qualquer pessoa que não siga uma religião pode participar desse processo?

Svagito: Sim, porque não tem nada a ver com religião. Na verdade, eu faria uma distinção entre religião e religiosidade. A religiosidade não é uma religião. É algo como a “consciência”. Não pertence a ninguém. Não há doutrina - diferentemente da religião, que possui um sistema de crenças. Assim, a constelação trabalha em direção à religiosidade, o que significa ir em direção à consciência. Portanto, temos que viver com um sistema de crenças por trás. É como se você usasse óculos coloridos: não dá para ver a realidade como ela é. Para acessar a consciência, você tem que deixar a religião para trás, e se você quiser ser religioso precisa deixar a religião. Soa contraditório, mas é, na verdade, o que é.

Algumas pessoas fazem constelação de uma maneira diferente. É possível usar qualquer ferramenta no bom ou no mau caminho, mas não tem a ver com a ferramenta, tem a ver com quem está usando. Para mim, o trabalho de constelação é uma ferramenta e isso me ajuda a acessar algo.

OP: Mas é importante mencionar isso, porque ainda há confusão entre constelação e religiões, como se uma pessoa não pudesse fazê-la por ter religião.

Svagito: Isso também depende de como a pessoa realiza esse trabalho. Algumas pessoas tratam a constelação familiar como se fosse uma religião, mas é algo além. É apenas o método que leva você em direção à consciência. Se você tratar como um sistema de crenças, em que “você tem que fazer assim”, se tornará uma doutrina. Algumas pessoas fazem constelação de uma maneira diferente. É possível usar qualquer ferramenta no bom ou no mau caminho, mas não tem a ver com a ferramenta, tem a ver com quem está usando. Para mim, o trabalho de constelação é uma ferramenta e isso me ajuda a acessar algo.

OP: O senhor acha que as pessoas estão mais conscientes sobre a constelação familiar após a Covid-19, por exemplo?

Svagito: Não acho que esteja relacionado à Covid-19, mas sem dúvidas a constelação é conhecida ao redor do mundo. Não sei exatamente o motivo de ter se popularizado, mas há uma necessidade de se conectar com um campo coletivo. No mundo Ocidental, somos desconectados da história do nosso passado, achamos que ele é algo isolado. Isso é uma ilusão. O trabalho de constelação familiar lembra como você está conectado ao seu passado de uma maneira que te dá raízes. No mundo Ocidental, para encontrar suas raízes, as sociedades aborígenes fazem isso sozinhas. Elas se sentem conectadas aos ancestrais. As pessoas não se sentem isoladas. Logo, há uma necessidade - talvez seja uma das razões que fizeram o trabalho se popularizar, porque parece haver necessidade de conexão.

OP: Vivemos em uma sociedade que está muito conectada ao mundo virtual. Com seus anos de experiência, o senhor pensa que atualmente é mais difícil lidar com traumas? Ou não há diferença?

Svagito: Acho que hoje em dia estamos mais conscientes sobre o que é o trauma e como ele nos afeta. Há 30 ou 40 anos, as pessoas não eram tão conscientes. Não fazia parte da compreensão delas. Hoje, elas estão mais informadas sobre o trauma e sobre como tratar uma pessoa. Por outro lado, o mundo está cheio de guerras e traumas. Esse é o outro lado da questão: criamos constantemente novos traumas para as pessoas. Não acho que isso vai acabar. É o jeito que o mundo funciona.

OP: Há um modo geral de se tratar traumas ou cada pessoa tem uma maneira específica de lidar com eles?

Svagito: Existem muitas terapias e abordagens, cada uma com suas diferenças. Eu gosto de trabalhar, por exemplo, com experiências somáticas na constelação familiar. Sinto que há uma compreensão mais profunda e mais entendimento de que para curar um trauma é necessário um tempo e não há “conserto” rápido. Há algumas terapias que são como “terapias poderosas”, nas quais você tem uma sessão e seus sintomas desaparecem. Não acho que isso seja bom para a cura do trauma, porque não é apenas fazer o sintoma ir embora. É sobre curar a causa do sintoma. Muitas terapias tratam apenas os sintomas. É como quando você não consegue dormir. Você toma um remédio e passa a conseguir dormir, mas não significa que você curou a causa da sua insônia. É perigoso tratar as coisas apenas de forma sintomática. Na terapia que eu faço, vamos às causas, não apenas aos sintomas.

OP: Como você consegue perceber esse trauma se não tem uma compreensão específica dele?

Svagito: Cada trauma cria um sintoma. Por exemplo, se você vê um cachorro passando na rua e seu coração começa a acelerar, isso é um sintoma talvez fabricado na sua infância e que ainda não foi curado. Ele mostra que o cachorro é um gatilho, uma ferida que não foi fechada, e seu corpo está respondendo. Por meio do sintoma, você sabe que algo não foi curado. Existem diferentes tipos. Um deles é a hiperativação (seu coração acelera). Outro é o desligamento (quando você congela). Na terapia, você consegue compreender. Não quero entrar em muitos detalhes, mas o sistema nervoso possui duas partes: o simpático e o parassimpático. Eles têm diferentes funções e há sintomas ligados ao sistema simpático e ao sistema parassimpático. Você tem uma breve compreensão sobre isso.

OP: De forma geral, qual é a grande lição do seu livro? O que o público brasileiro pode esperar da obra?

Svagito: Você poderá entender um pouco o que é útil fazer e o que não é tão útil (em relação a traumas), porque muitas vezes as pessoas não entendem. Quando alguém sofre um acidente, as pessoas perguntam frequentemente a ela o que aconteceu, e isso faz seu trauma sempre ser ativado. Isso não é útil. O que é útil é fazer a pessoa ter consciência de que está bem, segura e que sobreviveu. Você tem que ajudá-la a se consolidar no momento presente e não fazer perguntas curiosas sobre o que ocorreu. Neste livro, portanto, você aprende um pouco o que pode ser útil para lidar com um trauma - e, se você trabalha com pessoas, o que pode ser útil se lidar com um cliente que tem um trauma. Há também alguns exercícios e meditações. É claro que não substitui a terapia, mas possibilita uma maior compreensão.

OP: Então é um livro para aqueles que precisam se curar?

Svagito: É para pessoas que estudam o assunto e para pessoas que lidam com traumas, se você quiser saber mais sobre eles. É também direcionado a profissionais que desejam entender qual é o melhor tratamento. No livro, explico sobre o que é um trauma, como ele ocorre e qual a melhor abordagem para curá-lo. Claro, é algo mais geral, há muitas coisas específicas para aprender sobre terapia de trauma, mas te dá uma linha geral sobre o campo.

OP: Há algo mais que o senhor gostaria de falar a respeito?

Svagito: Eu posso mencionar o Brasil, porque há muito trauma. É um país que lida com muita violência, agressividade e fúria. Isso costuma ser o resultado de traumas não curados. Pessoas que são violentas frequentemente enfrentam feridas não processadas e continuam com elas. Em países nos quais você vê muitos casos de violência é comum haver traumas não resolvidos em níveis coletivos.

OP: O senhor acha que é um problema mais comum aqui?

Svagito: Bem, certamente há mais violência no Brasil que na Alemanha, por exemplo. Alguém pode observar em um nível pessoal ou em um nível coletivo. Coletivamente, há também situações não tão bem processadas em um país algumas vezes, e isso leva a uma reativação contínua do mesmo trauma. Nós encenamos isso novamente e é chamado de reconstituição. Significa que você repete um trauma que aconteceu na sua vida. Por exemplo, mulheres abusadas sexualmente podem acabar em um relacionamento abusivo, então elas reencenam suas próprias experiências em suas vidas. Isso acontece em nível pessoal e também em nível coletivo. Se um país, então, não curou alguns traumas do passado, isso será reencenado coletivamente, o que se repete.

OP: E o processo de cura consiste apenas em quebrar o ciclo?

Svagito: Isso mesmo. Se houver uma quantidade suficiente de pessoas que compreendem o que é cura e o que não é, há uma influência coletiva também.

OP: Mas as pessoas estão mais conscientes e preocupadas hoje em dia com a saúde mental, o senhor não acha?

Svagito: Bem, eu não sei. Eu não posso dizer isso de forma geral, mas, claro, quando você olha o mundo agora, há muitos distúrbios, como Covid-19, guerras, muitas perturbações, as pessoas simplesmente veem o noticiário e ficam perturbadas. As notícias reportam desastres e isso tem um efeito nas pessoas. A mídia rotineiramente apresenta situações negativas, não tanto as positivas, então isso também tem repercussão no público.

 

 

Vida e viagens

ATUALMENTE, a residência "fixa" de Svagito Liebermeister é na Alemanha, mas o psicólogo tem viajado bastante. "Estou sempre em movimento", afirma. O profissional visita outros países com a arte de Meera. "Levo as pinturas comigo. Quero inspirar as pessoas a serem criativas e a experimentarem o que é a criatividade", explica.

Cura de Traumas

ENTRE 27 de outubro e 3 de novembro, Svagito Liebermeister ministrou no Osheanic Retreat Center o treinamento "Zen Counseling and Trauma Healing" ("Aconselhamento Zen e Cura de Traumas", em tradução livre). Ao longo de oito dias, o terapeuta alemão apresentou o que considera como princípios da cura: consciência, meditação e amor - e como eles podem ser demonstrados e aplicados em uma sessão e na vida.

Svagito na EDR

EM 2024, a Edições Demócrito Rocha (EDR) lançará duas obras de Svagito Liebermeister. No primeiro semestre, o público terá acesso à tradução do livro "The Zen Way of Counseling: A Meditative Approach to Working with People" ("O Jeito Zen de aconselhamento: uma abordagem meditativa para trabalhar com pessoas", em tradução livre). No segundo semestre, será a vez do lançamento de "When Life Stops" ("Quando a Vida Para"), trabalho mais recente do terapeuta.

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