Nascido em Jaguaruana e criado em Russas, no interior cearense. Artista desde criança, influenciado por uma família que sempre teve afinidade com as artes, fosse no desenho ou na música. Odilo Almeida Filho fala sobre Fortaleza, Arquitetura e Urbanismo com os olhos da experiência, os desafios da crítica e o sentimento de otimismo. O atual presidente do Isntituto de Arquitetos do Brasil (IAB) fala da riqueza arquitetônica do interior cearense do século passado ao mesmo passo que negocia a utilização de mão de obra especializada do setor nos programas de construção de moradias sociais.
Odilo reconhece o xadrez como parte importante de sua formação, a arte e a matemática como base de seu "casamento com a Arquitetura". Sertanejo, segue o provérbio que diz "a diversidade ajuda a modelar a personalidade" quando reforça como a sazonalidade da estiagem inspira e dá força. Características que ajudam a lidar com uma realidade arquitetônica em Fortaleza ainda muito longe do que entidades como o IAB ou o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) vislumbram como ideal.
Para Odilo, exclusão, especulação e apartheid justificam muitas das desigualdades sociais que são diretamente refletidas nas diferenças urbanas. Por isso, atuar de forma mais coletiva é essencial para desfazer as distorções que persistem e impedem que Fortaleza cresça de forma sustentável.
O POVO - O senhor já esteve à frente de diversas entidades representativas da Arquitetura e do Urbanismo. Qual a importância de estar nesses locais, no diálogo, no exercício do pensamento coletivo, nas parcerias?
Odilo Almeida - As entidades têm um papel diferente, que extrapola outras instâncias da sociedade. Em 2010, o Governo do Ceará apresentou a proposta de instalar um estaleiro na zona urbana de Fortaleza. A nossa posição era clara e isso gerou uma polêmica. O governador era a favor, a prefeita era contra e criou-se uma uma polêmica sobre quem estaria com a razão, qual seria a solução adequada.
O papel de uma instituição como o IAB não se resume ao curto prazo, ela tem uma linha de médio e longo prazo. É lógico que no curto prazo tudo importa, mas a análise que nós fizemos era que uma instalação industrial, que ia ocupar uma área de 100 hectares, teria de ser instalada fora da zona urbana.
Dissemos isso à prefeita Luizianne Lins, que o compromisso do IAB não está na esfera dos mandatos, o compromisso é com uma Cidade que seja inclusiva, funcional, ambientalmente sustentável. Que seja boa para todos. A própria sociedade já diferencia a nossa opinião daquelas que são meramente vinculadas a interesses de curto prazo, do ponto de vista político e econômico.
O POVO - Atualmente, qual a sua avaliação sobre o nível superior e a formação profissional dos arquitetos no Brasil? Regularização, oferta de cursos, lacunas, conquistas…
Odilo Almeida - Nós tivemos uma ampliação muito grande da rede de universidades com cursos de arquitetura no Brasil. Nós tínhamos, em 2010, quando nós ajudamos a criar o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) - antes os arquitetos eram vinculados ao Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará), eram aproximadamente 90.000 arquitetos.
Em 2024, somos 230 mil arquitetos registrados no Conselho. Temos também cerca de 70 mil estudantes em formação. As escolas, principalmente da rede privada, passaram a oferecer muitos cursos, muitos são financiados pelo Governo Federal, através dos programas de bolsas, e o que surpreende é que a arquitetura, que era uma profissão de pessoas brancas e de classe média alta, hoje é uma profissão, onde você encontra pessoas de todas as classes sociais.
No Ceará, saltamos de cerca de 1.200 arquitetos em 2010 para mais de 6 mil.
O POVO - Qual a importância dessa diversidade no planejamento arquitetônico e urbanístico?
Odilo Almeida - Muito importante, porque nós ainda temos a educação muito eurocêntrica, que vem de padrões de construção arquitetônicos surgidos na Carta de Atenas, na escola modernistas dos anos 1920 e 1930. Essas diretrizes tiveram uma releitura, com grandes arquitetos brasileiros, e nós temos hoje, com a presença dos arquitetos que vêm das camadas populares, muitas frentes de atuação ampliadas.
O nosso maior desafio no campo de atuação é criar uma arquitetura pública no Brasil aos moldes que nós já temos na área da saúde pública, da educação pública e do direito público, através das defensorias.
Hoje, um dos principais desafios da nossa profissão é atender à população, grandes contingentes da população que precisam do nosso trabalho, mas não têm como pagar.
O POVO - Um dos pontos importantes do seu mandato é a busca pelo aproveitamento dos arquitetos na mão de obra de investimentos do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), que se insere nessa perspectiva?
Odilo Almeida - Não é um diálogo muito fácil de fazer. Temos persistido nisso há décadas. Fazendo uma comparação grosso modo nós temos no Brasil um déficit habitacional de 10% (seis milhões de moradias) e temos mais ou menos quatro vezes esse déficit em moradia precária.
Temos aproximadamente 100 milhões de déficit de moradia e mais 23 milhões de moradias precárias no Brasil. Nós vimos, durante o governo do presidente Lula e da presidenta Dilma, o estado brasileiro investir cerca de 700 bilhões de reais para construir 7 milhões de moradias.
Na época, o IAB fez algumas críticas a esse modelo que estava sendo proposto, porque ele repetia algumas falhas do Banco Nacional de Habitação do (BNH), que é de colocar as pessoas em periferias distantes, tirando as pessoas da sua vida, dos seus laços de relações urbanas, das suas fontes de sobrevivência e das relações culturais e espaciais.
O POVO - Um modelo que se repete nos diferentes programas e níveis de Governo, Federal, Estadual e Municipal.
Odilo Almeida - Esse modelo, ao se repetir, - e isso não quer dizer que o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) não trouxe muitas melhorias, porque muitas pessoas passaram a ter para ter direito à moradia digna - mas o déficit, você vai examinar hoje, continua em 10% e as moradias precárias continuam em grande quantidade no Brasil.
Quando a gente fala em inserir arquitetura no PAC, estamos falando que o Governo está diante de um conjunto de investimentos de um trilhão e 700 bilhões de reais. E muitas coisas a gente já nota na nova legislação no MC, MV, precisa ter um investimento de forma mais inteligente. Essa é a nossa visão.
O preço de uma melhoria habitacional varia de 10% a 20% de uma nova moradia, então com o preço de uma casa nova, você faz em média sete reformas de habitações precárias e melhora a condição de habitabilidade dessas pessoas.
No momento em que você investe nas melhorias habitacionais, se dá uma outra dinâmica à economia, não precisa concentrar os custos em grandes construtoras. Você irriga a economia com pequenas construções, com mestre de obras, pedreiros, pintores, eletricistas, nas periferias das cidades, nas pequenas cidades, e democratiza mais o acesso à riqueza.
Fazendo uma conta grosseira, se você pegar uma casa que custa R$ 200 mil reais, que é o valor média do Minha Casa, Minha Vida, e fizer uma aplicação financeira a uma taxa de 0,5%, você tem R$ 1 mil de rendimento e esse dinheiro paga um aluguel.
O POVO - E nessa perspectiva de melhorias habitacionais, a gente constata que muitas intervenções são feitas sem a participação de profissionais da arquitetura. Há um distanciamento entre a população e esse profissional, principalmente nas camadas sociais mais vulneráveis. Como a democratização desse acesso é pensada?
Odilo Almeida - O Conselho da Arquitetura organizou uma pesquisa do Datafolha que chegou à conclusão de que apenas 15% da população utilizam mão de obra de arquitetos e de engenheiros para fazer suas obras. A autoconstrução predomina e é parecida com a automedicação, pode dar certo, mas também pode dar errado.
Uma casa que é feita em regime de autoconstrução, onde a pessoa vai fazendo puxadinho hoje, outro amanhã, outro amanhã e outro amanhã, acaba se tornando muito mais cara, muito menos funcional e esteticamente muito menos adequada do que uma casa projetada.
O POVO - É também por isso que o planejamento da Cidade precisa ser eficaz, para saber como as regiões se desenvolvem, por quais intervenções passou e quais demandam.
Odilo Almeida - O tema da minha dissertação de mestrado responde a uma pergunta: qual é a diferença essencial entre as cidades brasileiras e as cidades europeias ou asiáticas, que tiveram um planejamento urbano determinante na sua construção? É que essas cidades procuraram otimizar as infraestruturas urbanas existentes colocando muita gente em poucos espaços. Isso se chama densidade, elas estimularam uma verticalização com alta densidade, e estou falando de 500 habitantes por quadra.
Aqui, o planejamento urbano não pensou nessa forma de ocupação, pensou muito mais em valorizar os terrenos limítrofes à zona urbana, criando expansões urbanas permanentes e desordenadas. Porque isso gerava lucro para os donos das terras lançarem loteamentos e mais loteamentos, vender os seus terrenos em uma mais valia do solo urbano, uma vez que a urbanização produz a valorização dos terrenos urbanos. Existe uma fazenda, que não vale nada, quando divide em quadras e lotes, o valor do metro quadrado que era R$ 10 passa a ser R$ 100.
O POVO - Isso é a especulação imobiliária.
Odilo Almeida - Isso é quando o estado renuncia a sua capacidade, a sua obrigação de planejar o desenvolvimento territorial e entrega para iniciativa privada esse papel. O que nós temos com a maioria das cidades brasileiras é verticalização com baixíssima densidade. A Aldeota, por exemplo, tem uma densidade de 113 habitantes por hectare. Estou falando da média, a quantidade de pessoas pela área do bairro. Enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU), a partir dos seus estudos, recomenda que essa densidade ideal seja entre 400 e 600 habitantes por hectare. Essa é a densidade em cidades históricas, como a região central de Paris, Lisboa, Madri.
Se você pega aqui também da zona sul do Rio de Janeiro, que densidades maiores geram algumas realidades. Primeiro, mais pessoas passam a usufruir das infraestruturas urbanas; segundo, agride menos o meio ambiente; terceiro, diminui o tempo de deslocamento (aquele pendular, entre periferia e centro); quarto, diminui os custos de investimentos com infraestruturas. O estado tem menos necessidade de investir menos com estradas, rede de esgoto e de água, com coleta de lixo, construção de escolas, hospitais, postos de saúde.
A cidade compacta é mais econômica, mais eficiente e produz a melhor qualidade de vida para as pessoas. Principalmente quando ela é intercalada de áreas de convivência, áreas verdes, praças, espaços de arte, esporte e lazer.
Nós comprovamos, na nossa dissertação de mestrado, que quase todas as cidades brasileiras praticam a verticalização sem densidade enquanto os bairros periféricos, como Pirambu, que tem uma densidade de 330 habitantes por quadra pratica a densidade sem verticalização.
O POVO - Esse é o maior desafio de urbanidade em Fortaleza, atualmente?
Odilo Almeida - O maior desafio de Fortaleza é romper com o apartheid social, o apartheid socioespacial de Fortaleza é uma coisa gigantesca, cresce assim como a sua economia, desigual. E infelizmente não é coisa que se resolva com urbanismo e arquitetura, mas com decisões de natureza econômica, de promoção da justiça social. A arquitetura pode ser utilizada como instrumento indutor disso, a medida que você cria novas centralidades, cria oferta de espaços para que atividades econômicas se desenvolvam de forma dinâmica.
Isso cria possibilidade de melhoria dos deslocamentos e estimula novas áreas do desenvolvimento econômico com novas tecnologias, economia criativa, com setores ligados à tecnologia da informação, à produção artística e artesanal, ligados à produção da pequena indústria e da agricultura urbana.
À medida que essas ações são adotadas pelo Município, a tendência é que a Cidade se torne também mais competitiva do ponto de vista da atração de investimentos. Se você tem uma cidade de terra arrasada, não tem porque investir nela, mas se você tem uma cidade onde a economia é dinâmica, onde a população tem acesso à renda, ao consumo, se a população é saudável, se tem acesso à boa instrução e a elementos básicos, a tendência é que haja uma espiral positiva na curva de desenvolvimento econômico e social.
O POVO - O que Fortaleza já conseguiu superar?
Odilo Almeida - Os arquitetos diziam, na década de 70, sobre como criar uma rede de ciclovias e as pessoas diziam “que loucura é essa, criar ciclovias para as pessoas morreram atropeladas”. Hoje, a própria Lei Nacional de Mobilidade Urbana impõe prioridades para os transportes. Fortaleza evoluiu nesse sentido também, hoje nós temos uma série de corredores exclusivos para ônibus, o que diminui o tempo de deslocamento e faz com que mais pessoas se sintam estimuladas a largar o transporte individual, que é muito caro, para usar o transporte coletivo.
Essa série de intervenções que foram feitas, você nota que já há avanços. Eu acredito na revisão do Plano Diretor, que está em curso, e o IAB está fazendo parte desse debate, junto a vários arquitetos do setor público e do setor privado, que têm essa consciência também.
E assim você tem uma gradual reconstrução da Cidade nas próximas décadas. Até 2050, a expectativa é de que a população mundial pare de crescer e, provavelmente, a população urbana também pare de crescer. O que a gente construir agora, de 2024 até 2050, pode se transformar num legado que vai servir para os séculos seguintes.
É preciso que se tenha visões como a do IAB, como a de maior parte dos arquitetos hoje, que é de médio e longo prazo. O que estamos construindo para hoje vai ecoar ou vai fazer sentido daqui a 100, 200 anos.
O POVO - O atual Plano Diretor está sendo revisto, era para ter sido em 2019, ainda não foi concluído, e anda a passos realmente ainda lentos e com pontos polêmicos, que em certa medida podem explicar essa lentidão, como Zeis, outorga onerosa… como o IAB se posiciona?
Odilo Almeida - Iniciando pelas Zeis, que são as Zonas Especiais de Interesse Social, elas surgem a partir da necessidade de regularizar ocupações que, em princípio, eram irregulares, do ponto de vista da legalidade. Só que a legalidade não basta, ela induz também à exclusão social. No momento que eu coloco como lei que um lote precisa ter três metros de recuo lateral, três metros de fundo, cinco de frente, tem que ter no mínimo uma vaga de garagem, ter um número máximo de apartamentos, que implica ter edifícios com apartamentos grandes e caros, você está excluindo as pessoas pelo preço.
A Zeis surge a partir de um processo de urbanização excludente, onde a própria lei leva à exclusão, então a regularização é um reconhecimento de que o modelo econômico e o desenho da legislação urbana são legislações excludentes. Quando se reconhece isso e aplica uma nova legislação a essas zonas, flexibilizando os usos, você vai permitir que o estado invista em áreas respeitando a legalidade e invista em áreas onde vai promover a reforma urbana, principalmente na área das melhorias habitacionais e da melhoria das infraestruturas lançadas.
O POVO - A Outorga Onerosa é uma questão também polêmica. Na Carta do IAB aos prefeitos eleitos em 2024, isso é destacado: a não modificações de legislações para ganhos específicos.
Odilo Almeida - Um dos instrumentos para tentar corrigir as distorções urbanas é a Outorga Onerosa, na qual o estado permite construir mais desde que se pague. Estabelece um limite máximo, que em um terreno de mil metros quadrados, você pode construir 3 mil metros quadrados. Mas se você quiser construir mais 1000 metros quadrados, verticalizando, você pode pagar por esses mil metros quadrados a mais e construir mais. Esse instrumento tem na sua origem promover o adensamento, verticalizar mais para que você tenha mais habitantes.
Mas esse construir a mais não se reverte em aumento da densidade, mas em mais metros quadrados para que o mercado imobiliário venda e ganhe mais dinheiro naquele mesmo terreno. Se eu poderia construir 30 apartamentos, eu posso pagar mais e construir 40 apartamentos, então eleva o meu faturamento e a minha renda.
Então, a Outorga Onerosa, embora cumpra parte do seu objetivo, que é trazer recursos para o poder público fazer frente às demandas urbanas, por outro lado distorce um pouco o conceito quando não promove o aumento de densidade e sim mais metros quadrados inabitados.
O POVO - Seguindo na temática exclusão/inclusão, destaco a acessibilidade, que hoje é um tema muito contemporâneo, mas que ainda tem várias lacunas, no espaço público e também no espaço privado. Qual o real desafio?
Odilo Almeida - Quem atua nessa área da arquitetura e do urbanismo já tem a cidade ideal na sua cabeça há séculos. Só que essa cidade ideal não corresponde à real e a questão da acessibilidade está entre os grandes desafios. Nós temos normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), temos leis federais, estaduais e municipais.
À medida que essa legislação vai sendo cobrada, os edifícios que já existem vão sendo reformulados e adaptados, à medida que o estado que considerava calçada como uma propriedade do dono do lote, vai compreendendo que a calçada é também o espaço público, que começa a aplicar o mesmo que aplica à via, em relação aos investimentos, com rebaixamentos de meio fio, passagens de nível, arborização, os atributos para permitir que o as pessoas com deficiência visual possam caminhar. À medida que esses investimentos vão sendo feitos na reforma do urbanismo, nas praças, nos prédios públicos os prédios privados, a legislação vai sendo cobrada, cumprida e executada, você vai tendo uma gradual melhoria.
Nós estamos vivendo as décadas talvez mais decisivas da nossa história. O que a gente construir nos próximos 20 e 30 anos será um legado para os séculos que virão adiante.
O POVO - No Brasil há uma cultura de que, quando acontece uma tragédia, diferentes setores se mobilizam para fazer diferença e isso depois é esquecido. A inspeção predial, após a tragédia do Edifício Andrea, demonstra um pouco dessa realidade. Qual é a realidade hoje de Fortaleza?
Odilo Almeida - Hoje você vê um arrefecimento dessa ideia, que foi muito lógica, porque o edifício é um equipamento e precisa de manutenção, e o desgaste dele pode trazer risco à vida e ao patrimônio das pessoas. A ideia é positiva, Fortaleza foi uma das cidades pioneiras neste processo. Vários colegas arquitetos e engenheiros têm se dedicado a essa atividade de inspeção predial.
Nós entendemos que é uma lei que veio para ficar, mas precisa ser melhor difundida, abraçada pela população, pessoas responsáveis pelos edifícios, profissionais e poder público. Para que ela realmente se consolide. Os edifícios estão envelhecendo, grande parte desses edifícios verticais, principalmente. Eles começaram a partir da lei de 1979, que permitiu a verticalização, a maior quantidade deles.
De lá até aqui são 45 anos, que é metade da vida útil de um edifício, que é projetado para ter 100 anos. Com manutenções permanentes, dura uma eternidade. Alguns mais velhos, porque a verticalização começou na década de 1930/1940 e acelerou a partir de 1979. É importante essa consciência, que essa lei comece a ser aplicada também em outras cidades.
O POVO - O senhor é especialista em planejamento e gestão ambiental e Fortaleza busca essa conciliação há muito tempo O que precisa mudar, em relação a leis, gestão e também participação social?
Odilo Almeida - Nós temos advogado muito na revisão do Plano Diretor e em todos os espaços públicos que a gente ocupa para que haja conselhos deliberativos nas esferas do planejamento e do licenciamento urbano. São conselhos consultivos que são reunidos esporadicamente e vão procurar - se forem devidamente assessorados, tecnicamente - enxergar o processo de desenvolvimento urbano dentro uma escala de médio prazo e não no tempo de quatro anos de uma gestão.
Isso ajudaria muito, através de conselho deliberativos, que a sociedade através das suas esferas organizadas pudesse pensar num projeto de cidade de médio e longo prazo. E fiscalizar para que, ao sabor de uma gestão para outra, todas as estruturas de planejamento não fossem desmontadas. Outra coisa que a gente advoga é que as esferas de planejamento e fiscalização sejam organizadas no mesmo órgão. Isso estava na carta aos candidatos.
Aqui em Fortaleza, por exemplo, desde a criação do Iplanfor (Instituto de Planejamento de Fortaleza) está separado: o Iplanfor planeja e a Seuma fiscaliza. No passado nós tínhamos as duas esferas juntas. Unificar essas duas esferas na gestão facilita que haja um processo de continuidade.
Outra coisa também necessária é que haja corpos técnicos permanentes, porque senão você vai perdendo a memória, a cultura de planejamento. Darei um exemplo que é sempre citado. Curitiba tem, desde os anos 70, o Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba fazendo o planejamento e a fiscalização e a Cidade é hoje uma referência para várias cidades do mundo, apesar de lá ter as mesmas questões originárias da desigualdade humana, que é desigualdade da renda, da instituição da riqueza. Mas a cidade que conseguiu, do ponto de vista da sua funcionalidade, dos corredores exclusivos para ônibus, da combinação entre trânsito e densidade.
É necessário que a sociedade, junto com o parlamento, que muda a cada quatro anos, assim como prefeito, mas é importante que a sociedade tenha estruturas de planejamento e controle urbano que enxergue a coisa por um horizonte superior a quatro anos. Que seja deliberativo, para que o prefeito não possa estar toda hora mudando o planejamento.
O POVO - A gente começou a conversa falando sobre a questão histórica da arquitetura. E a falta de preservação do patrimônio histórico de Fortaleza atravessa décadas e diferentes gestões. Por que é tão difícil preservar o passado de forma arquitetônica? O edifício São Pedro é um exemplo muito claro de que o abandono virou risco e foi preciso derrubar.
Odilo Almeida - No mestrado, a gente indagava muito isso aos professores. Também na minha experiência internacional, em Portugal, eu perguntava aos meus colegas portugueses porque lá se preserva, qual a fonte de financiamento e por que que aqui não se preserva.
Existem vários componentes que são de natureza cultural, da legislação, e de natureza econômica também. Eu conheço pessoas que investem em países europeus, como na Espanha, que ela vai investir num prédio tombado e o financiamento é muito facilitado, os prazos prazos para pagamento são amplos, a pessoa tem que se obrigar a fazer um concurso de projetos para que seja elaborado com critério e que se enquadre no conjunto de normativas.
Há fatores econômicos, que ajudam a preservação do patrimônio. E nós carecemos disso. Se eu tenho um prédio tombado ou passível de tombamento, junto com aquilo ali vem algumas compensações de natureza econômica, porque às vezes é o único bem de uma família e quando é tombado perde o valor comercial.
A transferência do direito de construir é instrumento que já existe na lei, mas pouco difundido, não há uma uma ação efetiva para que isso seja implementado, como também acesso à linha de crédito para que aquele edifício possa sofrer adaptações. Porque às vezes é uma casa que os usos já não são mais adequados, mas pode sofrer adaptações para funções de serviços, prédios de natureza comercial ou uso cultural.
O que acontece no tombamento no no Brasil é que a lei de tombamento se aplica, é justa, criteriosa, tem a sua fundamentação, mas depois fica carecendo de instrumentos de natureza econômica que façam com que aquele tombamento realmente preserve o patrimônio.