Em visita ao Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE), o biógrafo Fernando Morais aguarda a chegada do elevador ao lado do produtor audiovisual Cláudio Kahns. No mesmo dia, ambos participam de programação em homenagem ao cearense fundador do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Antes, porém, devem ir à biblioteca do equipamento para entrevista.
É na espera que Morais percebe um adesivo da exposição "Thomaz Farkas - a beleza diante dos olhos", em cartaz no MIS e dedicada ao fotógrafo, diretor e produtor cinematográfico. O biógrafo solta um sorriso e revela: "Ele salvou minha vida". A afirmação é ligada ao período em que Farkas abrigou Fernando Morais em sua casa na ditadura militar.
Como conta, chegou a ouvir que era mais aconselhável ficar na casa "de comunista rico", e não de "comunista pobre". O também jornalista tinha viajado a Cuba para série de reportagens que deram origem ao livro "A Ilha" (1976) e militares queriam saber o que ele fora fazer no país.
Hoje com 78 anos, o mineiro é considerado um dos principais biógrafos e jornalistas do Brasil. Ele é autor de livros sobre personalidades como Olga Benário, Assis Chateaubriand, Paulo Coelho e Lula. Fernando Morais também fez biografia sobre Marechal Casimiro Montenegro Filho, fundador do ITA.
Nascido em Mariana (MG) em 1946, Fernando Morais trabalhou em redações de empresas como a revista Veja, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo e TV Cultura. Como jornalista, conquistou três vezes o Prêmio Esso, principal prêmio da área. Foi também deputado, secretário da Cultura e da Educação do Estado de São Paulo.
De seu início como office boy ao desejo de construir um Centro da Memória Histórica do Brasil, o jornalista tem muitas histórias para contar para além dos personagens biografados do seu currículo. Em entrevista ao O POVO realizada em 28 de outubro, relembrou sua vivência no jornalismo, peculiaridades de sua atuação como biógrafo (como o episódio em que quase fez biografia sobre Pelé), trajetória como político e ameaças recentes de ruptura da democracia no Brasil.
O POVO - Você está acostumado a contar a trajetória de diferentes personalidades. Agora, queria que falasse sobre a sua. Como Fernando Morais se "biografaria"? O que pode dizer de sua infância e adolescência até chegar à fase adulta?
Fernando Morais - A minha vida não tem importância nenhuma (risos). Tem importância a vida das pessoas sobre as quais escrevi e me debrucei. Fui empurrando essa ideia com a barriga até o começo deste ano, quando acabei entregando os pontos e "jogando a toalha" ao aceitar um convite da HBO Max de fazer uma minissérie sobre a minha vida. Soube que vai ao ar em janeiro. Acho muito difícil falar de mim, porque é falar o mesmo que pode falar qualquer repórter com experiência. Ao longo da minha vida escolhi ser repórter. Tive várias oportunidades — e algumas aproveitei — para ganhar mais, ter cargo mais alto, nessa mania que jornais têm no Brasil de que se você for um bom repórter eles te promovem a editor. Nem sempre ganham um editor e geralmente perdem um bom repórter. Então, caí algumas vezes na armadilha — por grana ou por prestígio —, mas voltei atrás. De alguma maneira isso contamina a minha vida de autor, porque se você for olhar os meus livros, não há um que não seja uma reportagem. Na minha opinião, ser repórter é a melhor profissão do mundo. Não fiquei rico. Tenho 78 anos e não tenho nada — talvez só uma motocicleta Harley-Davidson —, primeiro porque não ganhei o suficiente para acumular e, segundo, porque o pouco que acumulei torrei em outros projetos.
O POVO - Quais projetos?
Fernando - Montei, por exemplo, um blog que durou três anos: o Nocaute. Torrei tudo lá. Torrei minha bicicleta, metade da minha casa… Como acabou "chupando" a graninha toda, morreu, mas não me arrependo. Achava que era o que eu tinha que fazer. Agora, tem outra peculiaridade do meu trabalho que é a seguinte: me seduz sempre — dentro do possível, claro — a história brasileira. Tirando "Olga", que até se passa no Brasil, e "Os últimos soldados da Guerra Fria", sobre cubanos infiltrados na CIA, todos os meus livros são um ou vários pedaços da história do Brasil. Quer um exemplo? "Montenegro", que fala sobre o Casimiro Montenegro Filho. Ele esteve na Revolução de 1930, na criação do Correio Aéreo Nacional, na criação do ITA… é um cara que tem papel importante não só no desenvolvimento tecnológico. Você pega ele e o Assis Chateaubriand, por exemplo, são retratos da história do Brasil. E digo mais: um dos exemplos da tristeza e da pobreza cultural do nosso País é a abundância de histórias e de personagens maravilhosos que continuam aí para virar livros, filmes e minisséries. Quem tinha razão era o Darcy Ribeiro, que dizia que "o Brasil é ótimo, o que falta é gente para contar isso". Temos pessoas e episódios abundantes que não são aproveitados.
O POVO - Você disse ser difícil contar sobre sua vida porque "é o mesmo que pode falar qualquer repórter com experiência", mas existe alguma peculiaridade que se destacou na sua infância e juventude que descambou no seu desejo de virar jornalista?
Fernando - Acho que alguns dos ingredientes que contribuíram para eu virar quem sou passam pelo seguinte: venho de uma família que, embora fosse de classe média, modesta, cujo pai era bancário, tinha nove filhos e não era formalmente intelectual, ele era intelectualmente sofisticadíssimo. Havia uma biblioteca que hoje é a minha. Isso me estimulou a aprender a ler antes do tempo e aprender a gostar de ler. O primeiro conto que li foi do Graciliano Ramos, fragmento do livro "Sete Histórias Verdadeiras". Acho que aquilo "fez" a minha cabeça e eu disse que um dia queria fazer algo parecido. Depois, quando virei adolescente e adulto, descobri que não queria saber absolutamente nada da educação formal. Fui péssimo aluno de matemática. Tenho uma certa vergonha de dizer isso, mas não sei fazer as quatro operações matemáticas. Se não for a calculadora, o dono do açougue me passa a perna. Isso é um dos reveladores de que aquela não era a minha praia. Eu me interessava por português, por história e por geografia. Ou seja, o destino estava me empurrando para a minha profissão. Na minha casa, como éramos modestos, meu pai tinha uma determinação: se você fosse reprovado na escola duas vezes seguidas, ou você ia para a escola pública ou você ia trabalhar e pagar a escola privada. Foi o que aconteceu comigo. Tive que trabalhar aos 14 anos. "Levei ferro" duas vezes na escola e meu pai arranjou um emprego para mim no banco que ele trabalhava. Ele era gerente e fui trabalhar como office boy da revista do banco.
O POVO - O que você fazia?
Fernando - Carregava máquina de escrever, levava clichês para oficina, caixotes, e quando não tinha o que fazer ficava sentado em uma máquina vazia escrevendo bobagem, fazendo um jornalzinho. Um dia, faltou o único repórter da revista e o editor perguntou se eu queria substituí-lo. Claro que eu queria. Eu teria que cobrir uma menina eleita Miss Banco da Lavoura (que depois virou Banco Real e agora é Santander). Em Minas Gerais, você escolhe a miss do local onde ela trabalha. Se ganhar, disputa o Miss Belo Horizonte, depois Miss Minas Gerais, Miss Brasil e se ganhar será Miss Universo. Pensei: vou iniciar minha carreira entrevistando a Miss Universo. É claro que ela não chegou a esse ponto, mas escrevi a matéria, era uma coisa curtinha, e meu editor falou que iria arranjar outro office boy, porque agora a revista tinha dois repórteres. Trabalhei por um período na revista do banco, depois fui para o Jornal da Tarde, em São Paulo — o emprego mais importante da minha vida, junto com a Veja. Foram os lugares onde aprendi o que sei, porque tinha gente para te "dar porrada", rasgar sua matéria e dizer para escrever de novo. Foi assim que aprendi, levando tapa na orelha. Agora, confesso a você que não sei exatamente o que vai acontecer com a minha profissão com essa revolução tecnológica que é a internet. Achava — e ainda não perdi completamente a convicção — que ela ia permitir que qualquer um de nós virasse o próprio Roberto Marinho e o que você publicasse seria visto. De certa forma, isso ainda é factível e possível, mas também tem aquilo: onde tem poder tem lobo. Começou a surgir mentira de maneira incontrolável. Antes, a mentira tinha perna curta e ficava restrita aos limites do jornal de papel. Mas coisas importantes que aconteceram no Brasil nos últimos anos também se devem à internet, como a desmoralização da Lava Jato (a partir da "Vaza Jato"). Como a capacidade de avanço da tecnologia é muito rápida, a gente não sabe o que vai acontecer.
O POVO - Como começou seu olhar para ser biógrafo?
Fernando - Escrevi dois livros que me estimularam a mudar de profissão — ou mudar de função, de deixar de ser só jornalista e virar autor. O primeiro foi "Transamazônica", uma série reportagens do Jornal da Tarde com o qual ganhamos o Prêmio Esso. Caio Graco Prado, da editora Brasiliense, me ligou e disse para transformar essa série em livro. O jornal topou e o material bombou. Deu para ganhar um dinheirinho (risos). Pouco tempo depois, fui para Cuba pela primeira vez para fazer o que deveria ser uma série de reportagens para publicar na revista Visão. O patrão brigou comigo porque não gostou da matéria e achou que era comprometida politicamente. Ele me demitiu. A história dá voltas que passam inclusive aqui pelo MIS, pelo nome que está na porta desta biblioteca: Thomaz Farkas. O exército começou a cercar gente de esquerda em uma azia que terminaria em outubro daquele ano com o assassinato de Vladimir Herzog. Muitas das pessoas que eram presas — e só fui saber disso depois — eram torturadas para responder as seguintes perguntas: "O que Fernando Morais foi fazer em Cuba? Ele foi buscar ou levar alguma coisa?". Quando diziam que eu só fui fazer uma reportagem, perguntavam onde estava ela. De uma hora para outra precisei publicar aquilo de qualquer maneira para salvar minha pele. Arrumei uma editora pequena que topou lançar. Não estava interessado em faturar, só queria salvar minha vida, tirar meu pescoço da lâmina. Fizemos mil exemplares, um negócio só para cumprir tabela. Todos eles foram vendidos no dia do lançamento e o livro ficou 48 semanas em primeiro lugar entre os mais vendidos. Falei: "Pronto, essa é a minha praia. É aqui que eu vou amarrar meu burro". Fui embora. Aí pintou "Olga", de quem ouvi falar quando era garoto. Fui à Alemanha Oriental, acho, e descobri um centro de memória dela com muita coisa importante. A desvantagem era que eu não sabia falar uma sílaba de alemão. Descobri um italiano que morava na Berlim Oriental, estava exilado lá e falava muito bem alemão. Acabou funcionando como intérprete para mim. Em três dias de pesquisa percebi que tinha um tremendo livro. Tive que voltar ao Brasil, ir à Alemanha entre sete e oito vezes, ir à França (onde ela esteve presa), à Inglaterra, ou seja, seguir as pegadas dela — principalmente aqui no Brasil, que foi onde a tragédia dela se consolidou. Os livros vão caindo no seu colo às vezes de maneira inesperada. Quem me deu a dica do "Corações Sujos" (livro sobre a história da seita nacionalista Shindo Renmei) foi uma senhora que estava me ajudando a investigar Chateaubriand. Eu gosto muito (de biografia). Deixo de ganhar dinheiro, o que é uma pena, porque dinheiro é bom.
O POVO - Ainda mais para a qualidade do seu trabalho…
Fernando - Claro! Em vez de ficar dez meses fazendo, se você puder pegar três ajudantes… Sabe como conheci o Lira Neto? Estava escrevendo "Chatô" e tinha um ou dois personagens aqui no Ceará. Fiquei pensando: E se eu for para lá e não valer a pena? Tem passagem de avião, além de outros gastos. Pedi recomendação de uma pessoa jovem e esperta para alguém que tinha influência no meio jornalístico daqui. Não queria ninguém caro porque não tinha dinheiro. Seriam duas ou três entrevistas. Se ficassem boas, pegava um avião e vinha para o Ceará, para refazer com ele e mergulhar nos pontos que eu queria. Com o Lira Neto não precisei vir. Ele "matou à paulada". Fiz isso muitas vezes. É claro que se você tem mais dinheiro você faz com mais cuidado, precisão, mas dinheiro não cai do céu. A pessoa diz: "Quero que você faça esse tópico, mas não pode falar tal coisa de fulano, aquele romance"... Acho que nunca contei isso para ninguém. Uma noite eu estava em Brasília, fui jantar no italiano Piantella, restaurante dos políticos e tal. O dono me falou que tinha um fã meu no local em uma salinha usada por personalidades. Disse ser um fã importante. Subi e era o Pelé. Nunca tinha o visto na minha vida. Não sou futeboleiro, não me interesso muito. Tínhamos um amigo em comum que era o produtor de cinema Aníbal Massaini. Ele disse: "Vamos abrir o jogo aqui. Ô, Fernando, o 'negão' está querendo que você faça a biografia dele". Eu falei que a gente poderia começar ali mesmo e começar a conversar. O Pelé riu: "Opa! Você é o Pelé das biografias mesmo, hein?". Conversamos. Em um momento eu disse a ele que escreveria a biografia, mas ele só teria acesso ao conteúdo após publicado o livro, que é o que faço com todo mundo sobre quem escrevo. Ele, então, disse que dali não saía livro. Então, tem muito disso.
O POVO - Aproveito esse episódio curioso para a próxima pergunta. Entre os vários aspectos da escrita biográfica está a possibilidade de falar sobre pontos espinhosos que o biografado ou a família não desejam que venham à tona. Como você lida com essa questão?
Fernando - Acho que só tem um jeito: o personagem não lê os originais. Isso valeu para o Pelé e valeu também para o Lula. Acertamos que ele não iria se meter. Uma noite, viajando para Etiópia, chamei ele para conversar. "Presidente, o senhor ouviu o que o senhor falou ali?". Ele respondeu que sim. "Então, o senhor sabe que eu estou escrevendo sua biografia e que eu estava ali do lado, não é?". Ele apenas respondeu: "O seu livro é seu. A minha vida é minha". Nunca mais perguntei para ele. Se você deixa o leitor com a suspeita de que está escondendo informações — ou acrescentando para aumentar a relevância — você tira a confiança. Acho que o sucesso dos meus livros se deve também ao fato do leitor confiar. No livro da "Olga", por exemplo, onde revelei a virgindade do Luis Carlos Prestes, companheiros de partido comunista vieram me perguntar de onde eu "havia tirado esse troço", porque nunca ouviram falar disso, e afirmaram que o Prestes me processaria. Disse para perguntarem a ele, porque estava gravado. Ele falou espontaneamente sem eu questionar nada. Então, é isso. Acho que isso contribui, além de ser necessidade óbvia de se fazer jornalismo.
O POVO - Há também outro aspecto: é diferente biografar uma personalidade que já morreu de uma que continua viva. O que você pode dizer dessas diferenças? Como é fazer a biografia de uma pessoa ainda viva?
Fernando - Se eu falasse aquilo que me vem à cabeça seria um desrespeito e uma afronta ao presidente Lula, que é o seguinte: morto é bem melhor do que vivo (risos). Mas, tirando o Lula, morto é melhor que vivo. E ainda tem os herdeiros. Um sobrinho-neto do Chateaubriand, quando soube que o filme estava pronto, quis interditá-lo, porque ele não tinha assistido à obra. Melhorou muito com a decisão do STF de afastar exigência prévia de autorização para biografias. Mas morto é melhor que vivo. No caso do vivo, todo mundo tem uma certa vaidade ou alguma coisa para questionar "por que tocar nisso?".
O POVO - Falamos sobre seu lado como jornalista e biógrafo, mas você também tem carreira política e de gestão, fosse como deputado ou como secretário da Cultura e da Educação. Como essas experiências agregaram à sua trajetória?
Fernando - Não sei explicar o porquê, mas também gostei de política desde jovem. Eu me lembro de distribuir santinhos de Tancredo, candidato a governador de Minas Gerais em 1960. Imagina, eu tinha 17 anos. Não imaginava me envolver pessoalmente. Sempre fiz política para os outros. Distribuir santinho, armar palanque, fazer lambe-lambe, pregar cartaz em postes… Até que, depois que saiu "A Ilha", meu nome ganhou visibilidade muito grande, sobretudo em um meio em que não tinha muito em quem votar, porque estávamos na ditadura. Fui o quinto mais votado em São Paulo sem gastar um tostão. Eu tinha uma Brasília Amarela e foi com ela que fiz campanha. Esse primeiro mandato foi muito legal. Foi o último mandato na ditadura. No governo seguinte ganhamos eleições com o Franco Montoro. Éramos todos do MDB. O mandato de deputado de oposição é uma coisa. Ser de governo é o fim da picada, porque você vira despachante de luxo. O primeiro mandato foi bom. Achava que já tinha desistido. Fui convidado para ser secretário da Cultura primeiro, depois da Educação. Achei que aí, sim, tinha enterrado a onça e caí em tentação e fui candidato a governador de São Paulo, mas briguei com o partido e renunciei. Mas continuei fazendo política. Não tenho partido, não me filiei ao PT como todos meus amigos se filiaram. Muita gente me chamou, mas achava que poderia ser muito mais importante para o partido estando de fora, que não tem rabo preso, não tem compromisso partidário que às vezes é inevitável. Ir para porta de fábrica, para a porta do Dops, tirar gente que está presa, fazer discurso incendiário, tudo bem, agora ficar engolindo sapo cabeludo é dose.
O POVO - Você falou sobre Dops e ditadura. Queria fazer um paralelo, porque a sua trajetória mostra a sua luta pela democracia. Nos últimos anos vimos como o Brasil esteve diante de um cenário de ameaça real de ruptura democrática. O que você acha que explica estarmos vivendo isso cenário após uma saída recente da ditadura?
Fernando - O que parece que ficou provado nas duas últimas eleições é que, embora não percebêssemos, há uma camada muito grande de gente muito conservadora no Brasil que às vezes estava do seu lado e você não sabia. Não é só entre rico, é entre gente modesta também. Boulos perdeu a prefeitura de São Paulo neste ano na Zona Sul, que sempre foi tradicionalmente um núcleo do PT. Ao mesmo tempo, como eu não sou cientista político, eu não quero ficar dando palpite errado. É preciso considerar também que São Paulo é surpreendente. A cidade já elegeu Marta Suplicy e Fernando Haddad, por exemplo, então não dá para dizer que é uma cidade reacionária ou de gente conservadora. Eu acho que há muita gente despolitizada. Você vê que não é um conservadorismo impregnado. É falta de educação mesmo, de saber o que cada candidato representa.
O POVO - Sobre despolitizar. Querendo ou não, a biografia é um gênero que ajuda a expor pessoas que porventura não tenham visibilidade a contar as suas histórias. Qual sua opinião sobre o poder da biografia acerca da trajetória de uma personalidade tanto para expor os grandes feitos quanto às vezes também para esconder?
Fernando - Eu sou defensor de que você faça biografia desde que ela seja reveladora, desde que o personagem seja forte, sedutor, que agarre o leitor. Lembro que quando tinha finalizado "Olga" um jornal noticiou que eu ia fazer biografia sobre o Antônio Carlos Magalhães (ACM). Veio gente me questionar por que eu escreveria sobre ele, tendo eu escrito sobre Olga Benário e Fidel Castro. Eu disse que o jornalista que não se interessar por Antônio Carlos Magalhães, tem que mudar de profissão. Só não escrevi a biografia porque já havia alguém fazendo. Eu ia fazer biografia sobre o Delegado Fleury, maior torturador da história moderna do Brasil. As pessoas arregalaram os olhos, minhas filhas e netas. É a única maneira do País saber que País era aquele. É contar para todo mundo que ele era torturador, pendurava as pessoas no pau de arara, para os seus netos e bisnetos saberem em que país você vivia. É muito comum as pessoas acharem que sendo biografia é automaticamente elogiosa. "Chatô" está longe de ser isso. Tem amigos do Chateaubriand que diziam para mim: "Você foi ao cemitério, desenterrou o santo e pôs para andar um canalha". Ué, é que às vezes ele era um santo, às vezes era um canalha… Senão também perde a graça, o sabor. Não é o conto da Chapeuzinho Vermelho - talvez seja, se for Chapeuzinho Vermelho e tiver muito lobo. Cada vez mais a diversidade das escolhas do autor é essencial.
O POVO - Quais iniciativas suas estão em andamento?
Fernando - Estou montando um Centro de Memória Histórica do Brasil. Já tem nove toneladas de documentos, filmes e depoimentos. Digitalizamos uma boa parte. O dinheiro acabou. Estou atrás de algum rico para me ajudar a fazer (risos). Preciso de um espaço para construir. Boa parte disso é fruto de personagens e temas que pretendia — ou pretendo — transformar em livro ou filme. Depois disso, comecei a acumular contribuições alheias, das próprias pessoas ou de herdeiros. Tem material do Zé Dirceu que vai da Rua Maria Antônia 68 até a Papuda, 30 anos de cartas de Carlos Acervo, todo o acervo pessoal do ministro Sérgio Motta… Estou me dedicando a partir de janeiro mais profundamente à montagem do Centro de Memória. Devo ir à Europa porque o personagem que homenageamos com o nome foi herói da Resistência Francesa na Segunda Guerra Mundial e da Guerra Civil Espanhola, o General Apolônio de Carvalho. Vou à Espanha e à França para buscar recursos. É bom para dar matéria-prima para quem quer escrever livros, fazer reportagens e filmes. A minha ideia é que todo o material esteja digitalizado e disponível para todo o planeta. O que eu não tive ao longo da minha carreira profissional pode ser que ajude os jovens que estão pintando aí a fazer. Estou muito tentado com isso. As pessoas perguntam se estou mais empolgado com o meu documentário ou com o Centro de Memória. Estou animado com os dois. Não dá para escolher (risos).
Visita ao MIS
Fernando Morais visitou o Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE) em 28 de outubro. Na ocasião, houve programação em homenagem aos 120 anos do Marechal Casimiro Montenegro Filho, que fundou o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Biógrafo de Montenegro, Fernando Morais esteve acompanhado do produtor audiovisual Cláudio Kahns, que está à frente de um projeto de filme sobre o cearense.
Adaptações para o cinema
Alguns dos livros de Fernando Morais foram adaptados para o cinema, como "Olga". O filme foi lançado em 2004 e teve direção de Jayme Monjardim, com Camila Morgado no papel de Olga e Caco Ciocler no de Prestes. Em 2015, foi lançado o filme "Chatô, o Rei do Brasil". Em 2019, "Os Últimos Soldados da Guerra Fria" foi adaptado para o cinema por Olivier Assayas. A produção franco-espanhola é estrelada por Penélope Cruz, Ana de Armas e Wagner Moura nos papéis principais.
ABL
Em 2003, Fernando Morais tentou ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL), mas perdeu a vaga para o escritor e senador pernambucano Marco Maciel. Ele recebeu 28 votos, enquanto Morais obteve nove votos.