Jefferson Carlos Carvalhal da Silva, ou simplesmente Jefferson, escreveu seu nome nas páginas de ouro do futebol cearense. E não apenas em um time, mas nos três maiores do Estado, Ceará, Fortaleza e Ferroviário. Além disso, protagonizou campanhas memoráveis em clubes do Interior, como Horizonte e Guarany de Sobral, além de ter defendido outros escudos Brasil afora.
A trajetória como goleiro teve início ainda nas quadras de futsal, ambiente em que desenvolveu reflexos rápidos, leitura de jogo e habilidades que o acompanharam ao longo de toda a carreira. A migração para o campo ocorreu pelas mãos de Dimas Filgueiras (1944–2023), o eterno Soldado Alvinegro, que identificou nele um potencial maior. Pelo Ceará, o arqueiro ganhou destaque rapidamente e se tornou uma das peças marcantes da campanha do tetracampeonato do Campeonato Cearense entre 1996 e 1999.
Pouco depois, Jefferson teve uma passagem pelo Ituano-SP antes de retornar ao futebol alencarino. Desta vez, vestindo a camisa do Fortaleza, onde conquistou o glorioso acesso à Série A em 2002 e vivenciou o amargo rebaixamento no ano seguinte. Entre as andanças pelos mais diversos clubes, ele vivenciou a realidade do deficitário futebol de décadas atrás e enfrentou desafios comuns a muitos atletas, como falta de calendário, instabilidade contratual e lesões que chegaram a ameaçar sua continuidade no esporte.
Em paralelo à exigente rotina de um atleta profissional, Jefferson compreendeu a relevância da formação acadêmica e sempre buscou conciliar futebol e estudos, sabendo da efemeridade do esporte de alto rendimento. Assim, concluiu graduação em Economia e, posteriormente, pós-graduação em Gestão do Esporte.
Depois de pendurar as chuteiras, Jefferson mergulhou no universo da gestão esportiva e iniciou a nova trajetória como diretor de futebol do Horizonte, clube onde também deixou um legado especial. Atualmente, exerce o cargo de coordenador de equipamentos esportivos da Secretaria de Esporte e Lazer de Fortaleza (Secel) desde 2016 e atua diretamente na gestão das areninhas, equipamentos voltados a ampliar o acesso de jovens ao esporte.
Ao O POVO, o ex-goleiro contou com detalhes os bastidores de carreira com a altivez e confiança de quem reconhece o próprio trabalho. Ao mesmo tempo reconheceu que a experiência adquirida não pode, e nem deve, ser guardada para si, mas utilizada para impactar positivamente a vida de jovens e crianças fortalezenses. Nascido no Conjunto Prefeito José Walter, bairro periférico de Fortaleza, Jefferson compreende na prática o poder transformador do esporte na realidade das comunidades.
O POVO - Você tem raízes no futsal, mas, como a maioria, acabou migrando para o futebol. Como foi esse início?
Jefferson - Sou morador do bairro José Walter e nasci praticamente dentro de campo. No início, me destaquei em competições de futsal, comecei a rodar em clubes e consegui chegar no Sumov. Sempre fui muito precoce, era de uma categoria menor, mas jogava sempre na categoria maior. Claro que, em paralelo a isso, eu estudava. Naquela época as escolas davam bolsa, pude ter uma base muito boa graças ao futebol de salão. Nós disputamos a Taça Brasil de Futsal e fomos campeões brasileiros em 1993 e 1994. Foi uma geração bacana, a gente conseguiu ganhar campeonatos nacionais.
Eu não pensava em tentar carreira no futebol, só jogava no campo para ganhar um dinheirinho, porque nos finais de semana eu tinha tempo e era convocado por algumas equipes do Interior para jogar. Então consegui me dividir entre os dois esportes. Em 95, fui vice-campeão brasileiro na categoria adulto, já tinha estourado a idade do juvenil e tinha uma carreira longa pela frente na futsal, mas resolvi mudar.
OP - De onde surgiu a ideia de mudar?
Jefferson - Quando acabou a temporada de 95, eu não sabia se ia continuar jogando, também pensava em uma carreira fora do futebol. Então, fiquei na dúvida se ia continuar no futsal, se ia estudar para fazer concurso — inclusive, até fiz prova para a Polícia na época e passei na primeira fase, mas quando foi pra segunda eu tinha uma competição e recuei.
Depois, abriu uma peneirada no Ceará e, do nada, eu resolvi ir lá fazer. Tinha muita gente fazendo, muitos goleiros. Fui reconhecido pelo preparador por conta do futsal. Hoje em dia, você fazer uma peneirada profissional para um time como Ceará é impensável. Nesse dia, lembro que vieram todas as bolas do mundo e peguei tudo, então passei 20 minutos ali muito bem. Depois teve um treino específico para goleiro e eu fui, praticamente, o único que desenrolou. Tinha muita coordenação.
Assim que terminou tudo, o Dimas (Filgueiras) me chamou no canto do campo e disse: "Olha, eu conheço você do futsal, muitos jogadores de futsal vêm pro campo e não aguentam. Você está aprovado, mas quer mudar mesmo?", aí eu respondi que sim. No outro dia já fiz meu primeiro contrato com o Ceará e segui carreira lá durante seis anos praticamente.
OP - E como foi esse começo no Ceará?
Jefferson - O problema não é passar na peneirada, o problema é você conseguir jogar no Ceará com milhões de torcedores, pressão muito grande, ainda mais sendo cearense. Eu sempre tive uma personalidade muito forte para conseguir dar a condição pros técnicos me olharem de forma diferente. Tanto que não fui emprestado. Geralmente, o jogador mais novo é cedido a outros clubes para ganhar experiência. Mas comigo não, o Dimas não deixou eu sair. Depois, o Arnaldo Lira chegou e se tornou muito importante para a minha carreira. Ele comprou a briga e aí começou a me escalar como titular. O começo não foi fácil, mas consegui ter uma carreira sólida dentro do Ceará, chegando a mais de 180 jogos, tendo participação direta no tetra (1996–1999).
OP - Teve algum momento que você pensou em desistir do sonho?
Jefferson - Eu sou o filho mais velho, sempre fui muito sossegado. A questão de desistir passa pela cabeça do jogador, mas passei a enfrentar isso. Em 1997, eu fui "meio que arrancado" do gol, tinha muita pressão da torcida e da imprensa na época, aí a diretoria contratou outro goleiro. Porém, eu dizia: 'Sei que vou voltar a jogar, ainda sou novo". Em 1998, estava com uma performance excelente e tive a lesão no joelho, aí sim foi complicado e pensei em parar. Naquela época a medicina tinha dificuldade para operar, não era como hoje.
Quando me lesionei, eu estudei, fiz cursinho, prestei vestibular e passei. Eu consegui fazer uma recuperação de lesão muito boa boa. Foi demorada? Foi. Passei um ano muito difícil, mas tive a alegria de passar no vestibular. Eu descobri até pela edição do jornal O POVO. Eu tinha um colega de imprensa que estava olhando a lista de madrugada, viu meu nome e me ligou para avisar a aprovação. Raspei a cabeça e tudo, foi uma alegria.
OP - Para você, qual foi seu melhor ano no Ceará?
Jefferson - Acho que fui coroado em 1999. Tanto é que no Brasileiro, nós nos classificamos, fomos muito bem e só perdemos pro Goiás, que foi campeão. Ali eu acredito que, se não fosse o Goiás, a gente poderia ter subido. O Santa Cruz, que terminou em uma colocação abaixo da gente na fase classificatória, subiu, então tivemos uma certa falta de sorte em pegar o Goiás. Nós perdemos o primeiro jogo, vencemos o segundo e depois perdemos o terceiro de forma meio suspeita, mas faz parte do do futebol. O árbitro inverteu muita coisa, sabe? Naquela época não tinha VAR, né?
OP - E a ida para o Fortaleza? A torcida te recebeu bem?
Jefferson - Eu estava emprestado pelo Ituano ao Ceará, e acabei não ficando para 2002. Quando ia voltar para o Ituano, o presidente Jorge Mota, do Fortaleza, que já havia tentado me levar antes, me ligou: 'Você quer?". Liguei para a diretoria do Ituano, que autorizou, aí foi quando eu acertei com o Fortaleza e passei dois anos maravilhosos. Mas não foi fácil chegar no Fortaleza vindo do Ceará. No primeiro jogo, entrei para substituir o Maizena, que saiu lesionado, e fui muito criticado, cobrado.
Aí foi quando eu resolvi abraçar mesmo e consegui cair nas graças da torcida. Fui respeitado, comecei a jogar bem e com regularidade. Eu nunca fui um goleiro "espalhafatoso", era um goleiro regular, jogava muito bem com os pés, já jogava adiantado. Eu revolucionei o futebol naquela época em jogar adiantado. Eu nunca fui um goleiro alto, mas tinha uma noção de posicionamento muito grande. Sempre muito profissional nos treinamentos, não tinha preguiça. Encarei a carreira com muito profissionalismo mesmo.
OP - Aquele time do Fortaleza em 2002 era muito desacreditado, mas vocês conseguiram o acesso. Como foi aquele ano para você?
Jefferson - Essa é a maior história que eu vi de um time cearense desacreditado, cearense na palavra mesmo, poucos jogadores eram de fora. Foi um time que foi feito e deu certo. Ali foi um somatório de fatores que encaixou. Nos unimos, nas concentrações tinha campeonato de baralho, tênis de mesa, era muito legal.
A gente foi vice-campeão brasileiro, infelizmente. É um título que eu fico pensando todo dia, era uma oportunidade boa naquela época, a gente fala de arbitragem, foi meio complicado. Um jogador nosso foi expulso no primeiro tempo (o lateral Chiquinho), tinha muita água no campo (estádio Heriberto Hülse, do Criciúma). Na ida, o Castelão esgotou, muitos torcedores ficaram de fora por conta da lotação, nós vencemos por 2 a 0 em um campo de condições normais. A gente tinha a esperança de voltar com o título, infelizmente não deu, mas ficou a história do clube voltar à primeira divisão. Foi um time maravilhoso, até hoje a gente tem um grupo e todos falam que aquele ano foi maravilhoso pra gente.
OP - Você seguiu no Fortaleza em 2003 para jogar a Série A. O que dizer sobre aquele ano? Time teve muitas mudanças e acabou sendo rebaixado...
Jefferson - A gente foi campeão cearense quase que "arrastão", só teve uma derrota para o Maranguape. No Brasileiro, era um sonho. Sair do José Walter para jogar nos principais estádios do país contra clubes gigantescos foi um sonho. Porém, o Fortaleza, na época, não tinha tanto equilíbrio de gestão no futebol como é hoje. A diretoria fez mudanças radicais. Começamos o Brasileiro com muitos altos e baixos, houve muitas trocas de técnicos e depois o Fortaleza contratou quase que um time todo, mudaram muitos atletas.
Naquele ano não teve uma regularidade, mas a gente lutou até o final. Na penúltima rodada, a gente empatou com o Coritiba. Ali foi um jogo que se a gente ganha, tinha escapado. Ficou pro último jogo com a Ponte Preta, que, no primeiro turno, venceu com gol de mão nítido. Nós tivemos muito problema naquele ano com falhas de arbitragem. Nesse jogo tinha muita pressão, o (estádio) Moisés Lucarelli estava lotado. Houve aquele primeiro gol, que existiu uma polêmica anos depois, mas foi nítida a falta em mim. Depois a gente tomou um segundo e infelizmente não deu. Encerrei meu ciclo no Fortaleza logo na sequência com muita gratidão.
OP - A polêmica, no caso, foi o Richarlyson lhe acusando de "falhar de propósito" por conta de mala preta. Você ganhou o processo contra ele. Algum jogador da época falou contigo?
Jefferson - Todos os jogadores mais próximos falaram comigo. O Vinicius até se propôs a ser minha testemunha. Ronaldo Angelim, Erandir, Mazinho, todos me deram apoio. Lúcio Bala nem estava no elenco e me ligou. Ali eu vi o quanto eu era querido. Em relação a esse rapaz, eu lamento muito, espero que ele não passe por aquilo que eu passei. Eu trabalho dentro da comunidade, trabalho dentro de todos os bairros de Fortaleza. Ele não mexeu só comigo, mexeu com a família, mexeu com muita gente ao meu redor. A minha imagem é incontestável. Joguei profissionalmente durante 20 anos, fui capitão, briguei com imprensa, com torcedor, com direção de time. Como é que eu ia ter uma carreira sólida se tivesse cometido aquilo? A prova está aí. Aquilo que ele falou foi uma aberração muito grande. Não sei de onde ele tirou, nem qual a intenção. Ele nunca conversou comigo. Joguei com ele durante um ano. Ele estava largado no Fortaleza naquela época, sem treinar, sem nada. Ele chegou a jogar lá em Aracati em subúrbio.
Eu senti bastante e entrei com um processo contra ele. Só entrei na área cível, não fui na área criminal. Eu não pensei em tirar dinheiro dele, tanto que o processo só durou um ano. Quando veio o veredito, ele não teve o que falar e foi condenado a me pagar uma quantia na época. Aquilo ali foi a declaração de que ele perdeu. Ele fez uma maldade muito grande, espero que um dia possa me pedir desculpas. Para mim, é uma pessoa totalmente sem noção.
OP - Depois você rodou por alguns clubes...
Jefferson - Isso, eu fui pro Treze, joguei o Campeonato Paraibano. Aí depois fui pro lugar do Bosco no Sport, só que o Maizena estava muito bem. Fiquei na suplência e não tinha oportunidade. O Sport, na época, estava com estrutura, pagando em dia e com uma perspectiva boa. Eu tinha um ano de contrato lá. No Campeonato Pernambucano de 2005, fiquei meio impaciente e o Luiz Carlos Cruz me chamou para ser titular no CRB, pensei logo: "Melhor ir para o CRB ser titular do que ficar aqui no banco". O Zé Teodoro, técnico do Sport, me chamou e disse: "Rapaz, se você quiser ficar, todo mundo vai ter oportunidade", respondi que queria ir.
Tive uma boa participação na Série B pelo CRB, conseguimos fazer um milagre naquele ano. Na época, tinha uma questão de empresário, então, no meio do campeonato, alguns jogadores foram embora e o rendimento do time caiu. A gente foi até a última rodada para escapar e conseguimos vencer o Criciúma lá dentro do Heriberto Hülse por 2 a 1. Foi um milagre, até hoje o pessoal de Maceió conta. Quando eu voltei, tinha uma cidade lá perto, Coruripe, que investia bastante no time. Me pediram emprestado do CRB, aí eu fui e gente foi até as quartas de final da Série C, fizemos uma campanha legal.
OP - E como o Ferroviário entrou na sua carreira?
Jefferson - No Coruripe eu joguei bem contra o América-RN, aí meio que chamou atenção do ABC-RN. A diretoria me chamou, ofereceu contrato de um ano e eu acertei. Não tinha interesse em voltar para o futebol cearense por conta dos desgastes e críticas, mas o Ferroviário entrou na parada. O Paulo Wagner, (então) presidente, me ligou praticamente um mês todo.
Eu não queria ficar aqui no Estado, ainda mais no Ferroviário, que era mais difícil de ser campeão, a responsabilidade seria toda minha por ser experiente, por ser rodado. Porém, ele me deu uma proposta muito boa, que eu até me surpreendi, e tive que pedir desculpas ao pessoal do ABC. Devolvi o dinheiro das luvas que me deram e fiquei no Ferroviário por quatro anos alternando com o Horizonte. Minha passagem no Ferroviário foi maravilhosa dentro do limite do clube.
Fizemos bons estaduais e tivemos o Brasileiro de 2006, quando conseguimos aquele 7 a 2 contra o Bahia. Dei uma força muito grande para o Sérgio Alves vir jogar com a gente na época, vários jogadores foram vendidos e viraram realidade, mas faltava elenco. Quando tinha cartão ou contusão, a gente sofria muito com as reposições. Era um time muito jovem, mas fizemos um excelente campeonato.
OP - Você também marcou seu nome na história do Horizonte...
Jefferson - Isso, houve a parceria com o Ferroviário. Aí fui pro Horizonte, joguei o Cearense da segunda divisão e, em 2008, o Paulo Wagner me deixou lá. Ali foi uma das melhores campanhas de time do interior aqui no nosso Estado. A gente bateu no Ceará, jogávamos de para igual contra todos os grandes. Perdemos no detalhe mesmo, caímos nos pênaltis contra o Fortaleza na final (do segundo turno).
OP - Houve a passagem no Guarany de Sobral em 2010. Tem alguma lembrança desse período?
Jefferson - Fui contratado quase que como um sonho da diretoria do Guarany. Eu também tinha vontade de jogar no Guarany, na época era uma grande força. Porém, tive uma dificuldade lá porque concorria com o Vantuir, que era ídolo da torcida. Eu cheguei primeiro, mas ele foi contratado e já começou a pressão da torcida. Eu cheguei para a diretoria e pedi para sair porque tinha uma proposta boa da Anapolina, de Goiás, mas não aceitaram. Então fiquei. Eu e o Vantuir alternamos a vaga de titular, depois fiz um Estadual muito bom, fui seleção do campeonato. Porém, aquela final contra o Fortaleza, que abrimos 4 a 1 e levamos o empate, deixou a situação um pouco arranhada com a diretoria. Para completar, fomos para a final da Taça do Interior contra o Horizonte e eu fui expulso por reclamação. Acabei não renovando, coisa natural do futebol.
OP - Houve um tempo em que você trabalhou na diretoria do Horizonte antes de encerrar a carreira. De onde surgiu esse convite?
Jefferson - Eu tinha uma participação muito forte no Horizonte e estava treinando normalmente. Era véspera de campeonato, fiz todos os exames e o presidente Paulo Wagner, ex-Ferroviário e que estava no Horizonte, me chamou. Quando cheguei lá, ele disse: "Jefferson, esse semestre não vou conseguir estar acompanhando o time como eu queria por conta das minhas empresas, faça esse favor para mim e assuma a diretoria executiva".
Eu tinha acabado de sair do treino, foi um baque na hora, fiquei na dúvida e pedi três dias para pensar. Conversei com a família e decidi aceitar. Fui para essa área de gestão. Tive uma experiência ruim logo no início porque a Série D demorou a começar e tivemos que dispensar alguns jogadores. Então os jogadores que estavam treinando comigo antes, eu tive que dispensar por conta do calendário. Eu nem dormi no dia anterior, nunca imaginei dispensar 10 jogadores. Passei a compor a direção e ficamos até o final do Brasileiro acompanhando toda a logística, fazendo a gestão da equipe.
Porém, vivi uma situação complicada. Quando era jogador, eu brigava pelos atletas, brigava por gratificações. Como diretor, passei a ser um funcionário, então fiquei a mercê da situação financeira do clube. Aí eu disse: "Sabe de uma coisa? Vou voltar a jogar". Aí voltei e fiquei no Horizonte até 2015. Ainda tive passagem pelo Moto Club, ganhei a segunda divisão do Maranhense. Nessa reta final também me destaquei como cobrador de pênaltis, fiz uma boa quantidade de gols (risos). Em 2015, vi que não tinha mais sentido de lutar contra a falta de calendário. Foi isso que me fez parar de jogar, além do corpo. Eu também estava sentindo muita dor, aí resolvi parar.
OP - Como foi para conciliar a faculdade e o futebol?
Jefferson - O Horizonte foi uma opção que tive porque já estava com muita dificuldade para me formar. Jogando aqui dava tempo de sair do treino e ir para a aula de noite. Comecei a ficar por aqui, recusava propostas parecidas financeiramente. Na época, conseguimos, dentro do Horizonte, receber Flamengo, Palmeiras e Fluminense aqui. É uma marca que talvez nunca nenhum time do Interior consiga fazer isso.
OP - Depois de pendurar as luvas, surgiu a oportunidade de seguir no esporte, mas como gestor. Conta um pouco desse processo
Jefferson - Sim, recebi o convite da Secretaria de Esporte do município (de Fortaleza) para assumir a coordenação de equipamentos esportivos. O projeto das areninhas já tinha sido criado. Tínhamos, na época, quatro estádios pelos bairros de Fortaleza: Murilão, Valdir Bezerra, Valdemar Caracas e Antony Costa. Esses estádios eram geridos pela Secretaria de Esporte e precisavam de uma coordenação. Também tínhamos pontos na Beira-Mar e o ginásio da Parangaba.
OP - Qual o impacto do esporte na sociedade? Você vê os projetos sociais como pontos de "virada de chave"?
Jefferson - Nos projetos sociais acontece muito disso. Eu digo porque passei por isso. Quando vou dar palestra para a criançada de projetos sociais, eu vejo dessa forma. O futebol é um sonho. Os pais, principalmente, pensam que o filho vai ser o Neymar. E não é assim, o futebol é um funil, é uma peneira muito grande. No meu caso, eu não vou consertar o mundo, mas eu tenho que deixar meu legado e minha participação. Por isso que, durante minha carreira, ajudei inúmeros atletas de base, inúmeros funcionários, era muito querido nos clubes, brigava por eles mesmo.
Sempre tive esse papel de ajudar as pessoas. Porém agora, no outro lado, no pós-carreira, na área de gestão como eu estou, você trabalha com sonhos, trabalha com situações legais, tristes, de muito desafio. Essa meninada de hoje não está querendo passar as etapas. Às vezes querem pular e a gente acaba perdendo essa meninada para o lado mau. Temos que ir tentando salvar, tentando apoiar. Eu trabalho muito na área de disponibilidade de horários para os projetos sociais. Essas areninhas vieram para revolucionar os campos da nossa cidade.
É um desafio que eu estou tendo há praticamente 10 anos, o estudo na minha pós-graduação na área de gestão me ajudou a entender melhor o funcionamento. Uma coisa é você ser um jogador, outra coisa é você se tornar um técnico na área. Eu abracei com muita dedicação.
OP - Para encerrar, quais diferenças você vê no futebol cearense atual em relação ao período que você atuou aqui?
Jefferson - Em relação à minha época, a diferença é de anos-luz realmente. Eu tenho uma coisa na minha cabeça que, para que hoje esteja desse jeito, houve muita luta da gente no passado. Não sei se alguém jogou tanto as três divisões do Campeonato Cearense como eu. Eu vi todas as fases do nosso futebol. Só no Castelão, joguei no antigo e no reformado. Não existe frustração, existe uma valorização da época que a gente jogava. Naquele período, aguentamos contratos de três meses, hoje os contratos são de três, quatro anos.
Essa revolução da Lei Pelé melhorou muito. Por quê? Porque a multa rescisória em cima do atleta obriga o salário a ser mais alto. Na nossa época, não tinha uma valorização salarial. Era um época diferente, não tinha regularidade, (o pagamento) atrasava muito. Hoje você tem uma segurança. Vários atletas têm uma empresa por trás, o atleta hoje não faz nada, ele só assina porque tem toda uma empresa por trás para gerir aquela carreira. Sei disso porque trabalhei agenciando jogadores também durante um período. Assim que me aposentei, geri carreiras de jogadores na empresa do Paulo Wagner, mas depois optei por sair e deixei essa parte de trabalhar com futebol de lado.
A revolução do futebol cearense começou com Evandro Leitão no Ceará. Ele sanou todas as dívidas, levou o time para uma situação de boa gestão. O Fortaleza acompanhou, teve dificuldade por conta da gestão da Série C, mas depois aconteceu a saída da Série C. Aí veio o Marcelo Paz, que pegou toda a experiência que ele tinha como diretor de futebol e transformou o Fortaleza em um dos maiores clubes em relação à gestão do país.
Eu tenho colegas que falam 'ah, se fosse hoje', mas isso não passa pela minha cabeça porque não vai mudar nada na minha vida. A minha época passou, então eu vejo com muita alegria essa evolução do futebol cearense. Lamento que o Ferroviário não tenha acompanhado, mas, em relação aos dois maiores, é um sucesso total.
Essa questão da gestão bem praticada é importante até para o jogador. A vida do jogador é só aquele período que ele joga, em média 10, 15 anos, e olhe lá. Quando joga 20, como eu joguei, é porque era goleiro, é diferente. Hoje os jogadores até esticam um pouco mais, sinal que o futebol está sendo revolucionado.
Eu lamento a situação atual do Fortaleza na Série A. Quando o Fortaleza está bem e o Ceará também, a concorrência é por cima. O Fortaleza teve esse período com Libertadores e Sul-Americana, o Ceará ficou ruim e no segundo ano subiu, está fazendo uma campanha muito boa no Brasileirão. Imagina o Fortaleza na Série B e o Ceará na Série A ou vice-versa, qual a contratação que eles vão brigar? Até o torcedor perde um pouco.
O Fortaleza fez tudo que achou que deveria fazer para ter um ano maravilhoso, mas não deu. O Ceará entrou morrendo de medo no Campeonato Brasileiro e alguns resultados fora de casa ajudaram a ter a pontuação que ele tem hoje. O futebol tem muito disso. Falo muito que futebol é fase, e realmente é.
Eu vejo o futebol cearense com muito futuro, com muita coisa boa pela frente. Eu torço muito para que continue assim. É bom para a cidade, para os jovens.
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CURIOSIDADES:
Jefferson ganhou o processo contra o ex-jogador Richarlyson — hoje comentarista esportivo —, que o acusou de receber dinheiro para falhar no jogo contra a Ponte Preta, pela Série A de 2003. Eles jogavam juntos pelo Fortaleza à época
A entrevista ocorreu no Ginásio Paulo Sarasate, onde fica a Secretaria do Esporte e Lazer de Fortaleza, onde Jefferson tem cargo de gestão
O ex-goleiro se tornou bacharel em Economia enquanto ainda atuava profissionalmente. Após pendurar as luvas, concluiu uma pós-graduação em Gestão do Esporte