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Miro Teixeira é um carioca de 73 anos, mais da metade dos quais vividos como deputado federal. Está na Câmara desde 1971, quando chegou para seu primeiro mandato, e admite, pessoalmente, enfrentar um dos momentos mais tristes na vida pública pela situação de descrédito que enfrenta a Casa, que diz amar. O plano dele para 2018 é de não voltar a Brasília, priorizando uma candidatura ao governo do Rio de Janeiro. Nesta conversa com O POVO, por telefone, fala das razões do seu desencanto com o Congresso, dos momentos históricos vivenciados em mais de quatro décadas (quase ininterruptas) no parlamento, cita líderes políticos que considera fazerem falta aos dias atuais e defende a recente decisão do presidente Michel Temer de intervir na segurança pública do seu estado, mesmo não confiando no emedebista, conforme faz questão de ressaltar. Responsável por trazer ao Brasil o debate sobre a lei de colaboração premiada, que terminaria implantada, avalia que o instituto está sendo bem aplicado na Lava Jato e diz que a operação criou uma nova escola de direito penal, exemplar para o mundo., Confira a entrevista:
O POVO – Qual Congresso o País tem hoje, deputado??
Miro Teixeira - Um Congresso que desmente o doutor Ulysses (Guimarães), que dizia que o próximo Congresso será sempre o pior. Pois eu digo que o próximo Congresso será melhor do que esse, não há possibilidade de ser pior.
OP – Chegamos ao fundo do poço, então??
Miro Teixeira – Isso não se sabe, porque o poço pode ser mais fundo do que imaginamos. Agora, chegamos ao ponto em que os parlamentares passaram a ser obedientes, simplesmente, aos órgãos partidários e à mesa diretora. Parece que existe uma dependência enorme, não revelada e que nós não conseguimos descobrir, porque nunca vi mandatos parlamentares serem tão desacatados pela direção da Câmara. E fica tudo por isso mesmo! Em outras épocas isso tudo refletia-se, lamentavelmente, até, em brigas terríveis, mas hoje é uma passividade revoltante.
Submissão
OP – Posso dizer que o senhor considera fazer parte, hoje, do pior Congresso de seus 40 anos como parlamentar??
Miro Teixeira – É uma contradição porque você tem pessoas excelentes, tem deputados de grande formação profissional e que, no conjunto da política, acabam formando um dos piores Congressos, não vou dizer nem o pior. É um Congresso muito submisso ao poder Executivo, ao presidente da República, é submisso aos ministros de Estado, é submisso a tudo, menos ao povo. .
OP – Na avaliação do senhor, o que é que nos trouxe a essa situação, o que foi determinante para se chegar ao estágio de hoje??
Miro Teixeira - A desqualificação da política é um equívoco. O que é necessário desqualificar são os políticos que cometem os crimes conhecidos, de corrupção, de roubo de dinheiro público. É curioso que quando se trata de políticos ou outras autoridades as palavras ficam mais bonitas, mas a rigor é roubo, como é roubo levar quinquilharia, levar gado, é roubo: O roubo não existe por causa da política, existe por causa do ladrão. A corrupção existe por causa do corrupto, então, é preciso parar com essa cerimônia na linguagem e definir corretamente as coisas. O que nós temos é uma política invadida pelas organizações criminosas, uma inversão. O Ministério Público fala que a política é composta por membros de organizações criminosas, mas não é não. A política é uma senhora digna, respeitável, agora, está invadida, ocupada, por alguns políticos que representam organizações criminosas. Os quais, felizmente, começam a ser descobertos e a cumprir pena.
OP – Na memória de quatro décadas como parlamentar, qual o melhor Congresso do qual o senhor considera ter participado??
Miro Teixeira – Não, não dá pra comparar. Porque tivemos a Assembleia Nacional Constituinte, que é algo para se guardar na memória a vida toda. Os debates parlamentares da Constituinte são dignos, inesquecíveis, não há essa discussão de somenos importância como estas que assistimos hoje na TV Câmara, não é? Eram debates fantásticos, tinha um Mário Covas, líder do PMDB, indo à tribuna para convencer a própria bancada porque não tinha tido tempo de conversar com os colega...Tinha o doutor Ulysses Guimarães, no ano da promulgação da nova Constituição, em 1988, dizendo em entrevista que não presidia um hospício, presidia a Assembleia Nacional Constituinte! Então, os debates eram duros e não eram de varejo, eram de atacado, e de expressões que indicavam uma coragem cívica. Hoje, lamentavelmente, prevalecem o lugar-comum, as coisas de baixa repercussão na vida do País, tudo muito temperado por mentiras e oportunidades.
Saudade
OP – O senhor entenderia que a grande crise da política brasileira, hoje, deve-se à falta de lideranças? Lembremos, quanto à Câmara, que há dois ex-presidentes recentes (Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves) que se encontram presos.
Miro Teixeira – O problema é que o modelo partidário é diferente, mudou. O dinheiro estragou a política, transformaram os partidos em verdadeiras empresas, onde o objetivo é o lucro. Os políticos de antes, como (Franco) Montoro, Covas, Tancredo (Neves), (Leonel) Brizola faziam política pela política, pelo bem estar do povo. Não ficavam esperando a contribuição do dinheiro público para sustentar as suas necessidades partidárias. Era comum ver esses políticos relevantes viajando em aviões de carreira, quando era hora de passeata íamos em cima de caminhões mesmo. Os hábitos mudaram muito, ficou algo aristocrático, quando, naquela época, o político era uma expressão da sua popularidade, andava junto do povo.
OP – As mudanças previstas para o período eleitoral de 2018, com especial destaque para o fim da contribuição privada, poderão mudar alguma coisa nesse cenário político tão ruim? O senhor acredita?
Miro Teixeira – Não, porque o dinheiro deveria ser distribuído por igual entre os partidos e o que aconteceu foi a realização de um grande acordo para aprovação do projeto que dá o grosso dos recursos para PMDB, PSDB, PT e DEM, restando as migalhas para os outros. Acho, inclusive, que esse é um assunto que deve ser levado ao Supremo Tribunal Federal porque impede a igualdade de oportunidades.
OP – A proibição de dinheiro privado na campanha eleitoral não é, em si, uma oportunidade de limpar mais esse cenário que o senhor diz ter corroído a política?
Miro Teixeira – – Essa é uma conversa do PT. O PT diz que só existe corrupção porque existe o financiamento privado, mas, repito, a corrupção existe porque existe o corrupto! O roubo existe porque existe o ladrão. Existem empresários que contribuem com campanhas eleitorais porque querem um País no qual sejam respeitados os contratos, porque querem uma democracia consolidada, isso existe. Agora, confundiram as coisas deliberadamente como um instrumento de defesa, colocaram na cabeça das pessoas que o financiamento eleitoral é que causa a corrupção. Eu te pergunto: esses diretores da Petrobras que foram apanhados com 100 milhões, 150 milhões de dólares, eram candidatos a quê? Isso é roubalheira, pura e simples!
OP – O senhor não entende, de qualquer maneira, que os acontecimentos recentes com a Lava Jato etc devem gerar um cuidado maior dos financiadores para não acabarem expostos em situação de ilegalidade?
Miro Teixeira - O financiador preocupado com o País não vai contribuir como pessoa física, conforme está autorizado pela lei, ele vai ter medo de ser esculachado etc. Já quem já faz caixa dois o fará com desembaraço ainda maior e com mais êxito, até, ou seja, a gente pode ter um resultado ainda pior.
OP – O senhor é candidato à reeleição como deputado agora em 2018, na busca de mais um mandato na Câmara?
Miro Teixeira – Sou pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro. .
OP – Repetindo 1982?
Miro Teixeira – Sim, isso. Estou animado com o apoio dos companheiros.
Eleição
OP – Não seria um desafio grande demais, deputado? Além dos problemas graves de segurança pública, que levaram à recente decretação de intervenção federal no setor, o cenário financeiro é dos mais dramáticos.
Miro Teixeira – A ideia é essa. Tenho onze mandatos e não posso chegar agora e dizer que não é comigo. É comigo! Quero ajudar a resolver a questão do estado e tenho certeza que posso, venho conversando com outros partidos e não é uma candidatura inamovível, se houver um nome que una mais e que tenha como compromisso central a recuperação do Rio de Janeiro terá o meu apoio. Não é um projeto de ambição pessoal governar o Rio de Janeiro, é um desafio. E eu topo.
OP – Também não é uma missão impossível.
Miro Teixeira – É coisa de menos de dois anos..
OP – Para reverter a crise no Rio?
Miro Teixeira – Para recuperação do estado. Você examinando as contas observa que se deu muita isenção tributária. Normalmente se gosta de ver as contas pelas despesas, mas é preciso olhar também para as receitas, considerando ainda as receitas que deixaram de ser havidas. Foi muito favorecimento, muito privilégio para empresas, para empresários, não se desenvolveu polos de estímulo aos jovens para fazerem os seus aplicativos. O Rio tem a maior concentração de universidades públicas do País, temos como fazer do estado um centro de formação tecnológica importante.
OP – Na hipótese da candidatura ao governo estadual não se viabilizar, o projeto é de tentar reeleição?
Miro Teixeira – Isso depende das conversas, não apenas dentro da Rede, mas também dos nossos aliados. Depois, é preciso verificar que tipo de aliança pretendemos fazer.
OP – Pergunto mais no sentido pessoal, considerando as decepções com o atual momento do Congresso. Isso pode fazer com que o senhor desista de tentar novo mandato na Câmara?
Miro Teixeira – Eu amo a Câmara dos Deputados e odeio aqueles que levam essa instituição à perda de prestígio. A Câmara dos Deputados é o cenário onde o povo brasileiro vai encontrar sua redenção, tenho certeza.
OP – O senhor foi, durante cerca de dois anos, ministro das Comunicações no primeiro governo Lula. Quais são as diferenças mais fortes que observa quando se é de um de outro poder, do Executivo e do Legislativo?
Miro Teixeira – No Executivo você leva muito menos tempo para botar uma ideia em prática, enquanto no Legislativo há uma disputa de vaidades enorme, tem uma postura de submissão dos deputados, até porque, quem não se sujeitar a isso tem seus projetos boicotados. Quem bajula é premiado, quem não bajula é mal visto.
OP – Qual é a grande marca da trajetória que Miro Teixeira poderá deixar como deputado, considerando desde quando tudo começou lá no ano de 1971?
Miro Teixeira – A colaboração premiada. Não existia no Brasil, existia em quase toda parte do mundo, e em 1989 instalei a comissão com objetivo de trazer para o País essa legislação, que tanto resultado tem trazido para as investigações hoje em curso. Então, a colaboração premiada, chamada de delação, indevidamente.....
Delação
O POVO – O senhor tem alguma crítica à aplicação dela, porque existem correntes considerando que a prática tem sido distorcida em muitos momentos no Brasil?
Miro Teixeira – Eu acho que tem de salvar mais empregos. Hoje, diria que fazer os acordos com as empresas é mais relevante, para salvar os acordos, salvar os empregos....
OP – Fala dos acordos de leniência?
Miro Teixeira – Isso, os acordos de leniência. O objetivo central teria que ser esse, punidos penalmente aqueles que praticaram crimes.
OP – Qual é avaliação do senhor sobre a operação Lava Jato?
Miro Teixeira – Sou absolutamente a favor, ela criou uma nova escola de direito penal no mundo. Isso vai começar pelo Brasil, vai avançar e, se não fosse a dedicação das pessoas envolvidas na operação, nós não teríamos chegado tão longe.
Lava jato
O POVO – O senhor identifica algum abuso, alguma situação que mereça crítica?
Miro Teixeira – Se abusos houvesse, haveria denúncia aos tribunais superiores. Não houve nada, nada, revisto pelos tribunais superiores. Toda matéria submetida ao Poder Judiciário tem a revisão das instâncias superiores, então, o devido processo legal dá a todos a garantia de que as normas brasileiras estão sendo cumpridas.
OP – O senhor vivenciou como deputado os dois momentos históricos recentes nos quais o Brasil experimentou processos de impeachment de presidente da República, com todos os traumas que naturalmente acarretam. Quais as diferenças e semelhanças que considera existir entre os casos de Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff?
Miro Teixeira – O Collor conseguiu reunir uma unanimidade contra ele, enquanto no caso da Dilma as forças políticas se dividiram. Essa é a diferença essencial.
OP – Do ponto de vista do processo o senhor entende que foram semelhantes? Havia, nos dois casos, a mesma contundência de provas para justificar as condenações?
Miro Teixeira – No Collor havia muitas provas, muitas provas. O Supremo Tribunal Federal decidiu não aplicar pena, mas isso é outra história, tem mais a vez com o pacto das elites. O caso da Dilma é diferente porque ela não tinha na sua antessala uma secretária falsificando cheques para pagar as contas, fazendo cheque fantasma e essas coisas todas. O caso dela foi de defesa de um político e transgressão à Constituição, mas sem tirar vantagem pessoal disso.
OP – Era caso de impeachment, na opinião do senhor?
Miro Teixeira – Era. A voz da Dilma naquela gravação em que ela diz ao Lula que estava enviando um papel para ele, a história lá com o Messias, era suficiente, bastava. O impeachment é um descumprimento da Constituição, é descumprir a Constituição, especialmente, o que estava acontecendo ali, claramente. Era obstrução de justiça.
OP – Como jornalista, qual avaliação que o senhor faz da cobertura da imprensa sobre o Congresso. Há injustiça? Há desequilíbrio, especialmente quando comparada à forma como se acompanha os demais poderes?
Miro Teixeira – A cobertura é correta. O importante da cobertura é se ela fala verdade ou fala mentira, não é? Falando a verdade, tudo bem, publica tudo; falando mentira, o veículo se desqualifica. É cada vez menor, para mim, usando a linguagem do (Donald) Trump, essa história de fake news, porque publica-se uma notícia mentirosa e em minutos, às vezes em segundos, o desmentido vem pela internet.
OP – O senhor votou a favor da intervenção na segurança pública das Forças Armadas no Rio de Janeiro, não é?
Miro Teixeira – Votei. Do jeito que estava era impossível, pode ter outras soluções de médio, de longo prazo, mas a curto prazo era inevitável..
OP – Apenas na segurança?
Miro Teixeira – Sou a favor de uma intervenção no estado e o decreto, inclusive, é curioso. É decretada a intervenção no estado do Rio de Janeiro e apenas o último parágrafo do artigo 1º é que limita a medida à segurança pública. A ementa fala em intervenção no Rio de Janeiro e eu gostaria que cumprissem a intervenção.
OP – Há risco, como alguns segmentos políticos têm advertido desde o anúncio da medida pelo governo federal, de a democracia estar ameaçada por esta intervenção no Rio de Janeiro?
Miro Teixeira – É discurso vazio. É uma previsão constitucional, trata-se de uma intervenção federal e não de uma intervenção militar. Não é uma iniciativa dos militares, é do presidente da República, aprovada pelo Congresso com base em uma salvaguarda constitucional.
OP – E a possibilidade de uso eleitoral da medida pelo governo ou o próprio Michel Temer?
Miro Teixeira – Não sei qual foi a intenção do presidente, e se você quer saber não confio nele, mas se ele apresenta algum tipo de solução para os graves problemas da saúde, da educação, da segurança pública do Rio de Janeiro, eu o apoiarei.
OP – De volta ao cenário eleitoral de 2018, deputado, a Câmara teve uma renovação de 43% em 2014, acreditando-se que este índice será bem maior agora porque o descrédito do eleitor nos políticos e no parlamento, especificamente, cresceu muito desde então. Qual é a expectativa do senhor?
Miro Teixeira – Acho que a tecnologia da informação mostra a todos, ao Brasil inteiro, que um momento da política do país está superado. Nós temos que ir a um outro momento, mais avançado, mais arrojado, mais corajoso, mais honesto.
Sem paciência
A CADA CONTATO com o deputado carioca mais sua falta de paciência com o momento político ia ficando evidenciada. Segundo Miro Teixeira, inexiste hoje uma “agenda confiável” no Congresso para que os deputados tenham noção do que é realmente prioridade para a Casa e o próprio País.
Fichas partidárias
MIRO TEIXEIRA está hoje na bancada da Rede Sustentabilidade, sigla liderada por Marina Silva. Sua trajetória partidária. porém, é marcada por muitas mudanças e começa no PP, que, ainda jovem, ajudou a fundar ao lado de figuras como Chagas Freitas e Tancredo Neves. Em seu histórico partidário constam PMDB, PDT, PPS e Pros.
Duas vezes
O HISTÓRICO eleitoral do parlamentar apresenta duas experiências de candidaturas majoritárias: em 1982, disputou o governo do Rio e obteve 21% dos votos; em 1996 foi candidato à prefeitura da cidade do Rio, ficando na quarta colocação.
Seguranças
NUMA DAS VEZES em que atendeu O POVO, Miro Teixeira estava embarcando. “Estou saindo agora de onde me sinto seguro (Rio de Janeiro) para aquele lugar onde me considero desprotegido (Brasília)”, disse, sorrindo. Naquele mesmo dia, o governo federal anunciara intervenção na segurança do Rio.