Stephan Hausner é um médico naturalista alemão, que trilhou seu caminho pessoal e profissional de encontro à Constelação Familiar. O método psicoterapêutico busca solucionar incômodos pessoais através de dinâmicas em grupo, onde os participantes representam os indivíduos envoltos no conflito para ajudar na busca de uma solução harmônica. Em março deste ano, o Ministério da Saúde considerou o recurso terapêutico como uma das Práticas Integrativas e Complementares (PICS) do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, o método é adotado por diversos juízes, dentro e fora do Brasil, na mediação de conflitos em tribunais.
Entre 31 de agosto e 2 de setembro, o Stephen esteve em Fortaleza para ministrar o seminário "Sintomas, Doenças e Constelações Sistêmicas" e realizar sessões de constelação com os participantes. No Brasil, além de Fortaleza, o médico realizou palestra em Valinhos, São Paulo. Hausner conversou com O POVO sobre o método, e falou, entre outros pontos, sobre como problemas pessoais podem ter ligação com comportamentos e dinâmicas familiares, além de ter influência em doenças.
O POVO: Por que o método leva o nome de constelação familiar?
Stephan Hausner: Esse trabalho saiu e foi originado na terapia familiar e, por isso, que o nome original é colocação de famílias, porque esse trabalho começou com a família. Hoje, a gente fala mais em constelação sistêmica porque pode colocar tanto o sistema familiar, mas também um sistema corporativo, de trabalho.
OP: O método é utilizado apenas para questões familiares? Como é utilizado?
Stephan Hausner: A gente pode colocar qualquer sistema numa constelação. A gente usa pessoas que representam membros da família e as coloca em um espaço. Aí acontece algo que a gente chama de fenômeno, que até hoje ninguém sabe explicar, exatamente, como isso acontece. O representante passa, quando é colocado nesse lugar depois de um determinado tempo, a sentir no corpo dele as sensações desses membros da família. Através desses sentimentos desses representantes, vem à luz a dinâmica profunda de como são os efeitos dentro desses sistemas.
OP: Como o senhor percebe o seu trabalho nesse campo?
Stephan Hausner: Se eu venho pro meu foco específico, que se trata de doenças, de saúde, eu vejo como existem dinâmicas em crianças que demonstram e que trazem ligação com essas dinâmicas inconscientes desse sistema familiar ao qual elas pertencem. O reconhecimento essencial que me trouxe pra trabalhar com esse método foi que uma doença não pode ser reduzida a um fenômeno pessoal; que doenças só podem ser tratadas de forma adequada quando são vistas de um contexto maior dentro de todo o sistema familiar. A constelação familiar traz à luz essas dinâmicas inconscientes, de forma mais rápida, pra gente perceber aonde isso está no sistema. E que, normalmente, são completamente inconscientes para aqueles membros da família. A gente encontra dinâmicas, por exemplo, que alimentam uma doença de forma inconsciente. Quando essas dinâmicas ficam e vêm à luz a gente pode dar um suporte pra fortalecer essa família pra que ela possa mudar sua dinâmica e não precise mais alimentar essa doença.
OP: Por que um problema de ordem comportamental pode ser transmitido ao longo de gerações sem que nos demos conta? Esses fenômenos que não são percebidos conscientemente têm um caráter genético?
Stephan Hausner: Se a gente fala em genética, teria que falar também da epigenética, onde a gente sabe, hoje, que também o comportamento dos nossos avós influenciam na nossa genética. É um coisa que a gente percebe mais e mais que isso acontece, e estuda isso. O que pra nós, como terapeutas, é importante é que por trás dessas dinâmicas existe um trauma. Pode ser um trauma pessoal, algo que é essencial e que não foi trabalhado. Mas também podem ser traumas que aconteceram no passado em gerações passadas e que, por assim dizer, foram passados de geração em geração.
OP: Então a constelação só pode ser utilizada nos modelos tradicionais de família, ou também pode ser aplicada em outras configurações familiares, formadas por pais de mesmo sexo, filhos adotados, por exemplo?
Stephan Hausner: Sim, lá também se criam vínculos. Sempre onde existe vínculo existe depois uma pulsão de equilíbrio. Isso parece ser uma das nossas mais profundas necessidades: equilibrar, enquanto membros sociais, enquanto fazendo parte de sociedade.
OP: O que o senhor entende pelo conceito de família, aplicado a essa teoria?
Stephan Hausner: A principal palavra em relação à sua pergunta é o vínculo. Porque percebemos que dentro da família nós estamos uns vinculados aos outros, e esse vínculo acontece dentro de uma dinâmica que a gente chama de "dar e receber". Os pais dão e os filhos precisam tomar. E os filhos não conseguem devolver pros pais o que eles receberam deles, e eles só podem devolver aos pais, de uma certa forma, quando eles dão aos próprios filhos ou à sociedade. Mas sempre quando nessa relação entre dar e receber acontece uma troca intensa existe um vínculo. Por isso, a gente também consegue perceber que existem vínculos que a gente faz com pessoas que não fazem parte da nossa família genética. Por exemplo, se existem relacionamentos anteriores dos nossos pais e que um relacionamento desses não se desfez de uma forma harmônica e deixou restos. Lá, segue um vínculo invisível e existirá a tendência de que os filhos tentem equilibrar algo para os pais. Ou por exemplo, quando alguém fez algo de mal contra uma outra pessoa, em gerações anteriores, também se forma vínculo entre o algoz e a vítima. Num contexto maior, essas pessoas também pertencem à família. Algoz pertence à família da vítima e a vítima pertence à família do algoz. Nós, terapeutas, sabemos que a criança tem a tendência de, por amor à família, aos seus pais, tentar equilibrar isso e assumem uma culpa que não é delas, e que isso pode levar a sintomas e doenças.
OP: Como as constelações nos ajudam a perceber esses problemas e a solucioná-los?
Stephan Hausner: Um dos motivos principais são os traumas que aconteceram, que é um trauma pessoal ou que os nossos pais e avós viveram. A gente precisa entender que trauma não é nada mais além do que uma demanda exagerada. Ou seja, no momento que acontece o trauma, eu não tenho os recursos necessários à minha disposição pra ficar e estar presente e resolver aquilo que está acontecendo nesse momento. Pra eu me proteger desse exacerbado que vem em cima de mim, eu construo um filtro que me protege dessa informação. É isso que a gente chama de traumatização. O problema é que esses filtros continuam existindo. Eles não se desfazem. E aquilo que nos ajudou e que nos salvou nesse situação específica se transforma também na nossa limitação. Porque quando eu me corto e me desvinculo dessa relação isso vira o meu mundo.
OP: Como se daria a solução desses conflitos?
Stephan Hausner: A cura faz o caminho inverso. Esses filtros precisam ser desconstruídos e eu preciso me vincular de novo, de uma forma nova. E assim o meu mundo se amplia novamente. A grande vantagem das constelações, da colocação de famílias, é que de uma forma muito rápida e muito precisa mostra onde de forma inconsciente nós colocamos limites e deixamos coisas de fora. Então, a gente procura resolver um problema deste lado aqui do nosso mundo, mas o que precisa pra solucionar este aqui é que a gente entenda e veja este aspecto que está aqui. E a constelação ajuda a mostrar o que é que nós estamos excluindo de forma inconsciente. E aí nós entendemos o que é necessário trazer de volta e incluir pra que nós possamos resolver esses temas que nos movimenta. Ou seja, cada constelação traz em si mesma uma ampliação de consciência. E o que a gente percebe numa constelação é que nós estamos vinculados a muito mais coisa do que a gente pensava até então. Ou que a gente estava vinculado de uma forma mais profunda do que a gente imaginaria que a gente estive. E eu considero um método muito importante, principalmente nos tempos de hoje. Porque neste momento, no mundo inteiro, nós estamos ocupados com temas que os países em si, isoladamente, também não conseguem mais resolver. Ou seja, nós estamos sendo impulsionados a crescer nestes temas pra uma amplitude maior. E a constelação nos convida a pensar pra dentro de espaços maiores, ampliados. Então, eu considero a constelação um método muito eficiente e muito bom, num primeiro momento, para os problemas e as questões individuais, mas também pra nos aproximar da solução destes problemas maiores.
OP: Qual é a ligação entre uma doença patológica, como o câncer, por exemplo, com o comportamento do paciente e a relação dele com a família?
Stephan Hausner: A principal dificuldade, pra mim, no meu livro, foi escrever de uma forma que a gente não possa colocar como uma receita: doença-dinâmica. E, principalmente, no caso do câncer, que é tão complexo. Existem tantas dinâmicas diferentes possíveis pra ele, que é difícil, pra mim, escolher um caso pra te dizer, sem achar que você vai fechar isso como questão.
OP: Na experiência de passar por vários países, o senhor nota problemas comuns em povos tão distintos?
Stephan Hausner: São os mesmos movimentos. Porque todos nós temos as mesmas necessidades. Todos nós queremos saúde. Queremos ter relacionamentos felizes e uma vida próspera.
OP: A cultura tem influência nessas dinâmicas?
Stephan Hausner: Eu imagino que os valores culturais, em sua essência, são os mesmos. A grande maioria dos países teve suas guerras, os seus traumas e as suas consequências. Então, as dinâmicas são muito parecidas. A gente sabe, sim, que tem países que foram menos acometidos por guerras e que, nestes países, as dinâmicas são um pouquinho mais brandas.
OP: Alguns juízes utilizam a constelação para mediar conflitos. Em casos de violência contra à mulher, por exemplo, critica-se que o uso do método retira o foco da violência contra as mulheres para questões da família? Como o senhor vê essa crítica?
Stephan Hausner: Eu não me atrevo a falar alguma coisa sobre isso, porque eu não sei de que forma eles estão trabalhando. É um tema muito delicado.
OP: Como o senhor vê a difusão da técnica?
Stephan Hausner: É um instrumento muito poderoso e é muito delicado ao mesmo tempo, porque também existe uma tendência de colocar isso de forma mística. Existem também muitos consteladores que usam a mística desse trabalho pra, digamos assim, esconder a sua própria competência. Disfarçar e usar disso, praticamente. Se a gente pensar de forma profunda, isso que a gente chama de místico é muito lógico. Porque todos os movimentos que esses representantes demonstram numa constelação são todos lógicos. É claro que cada representante também traz algo pessoal dele e o constelador precisa também de um conhecimento e estar atento para poder perceber e ter isso sob controle. O constelador precisa saber reconhecer o que é o essencial daquilo que o representante está trazendo e que responde às perguntas feitas, e até que ponto também o representante está usando a constelação como palco para as suas próprias questões interiores. Muitas vezes é uma linha bem tênue e, do ponto de vista científico, difícil.
OP: Por que decidiu trabalhar com esse método?
Stephan Hausner: A doença não pode ser reduzida para algo pessoal. É porque eu como médico homeopata, porque eu tive pacientes que eu não tive o êxito, não consegui o êxito com eles que eu esperava ter. Isso me levou a uma busca e aí eu conheci esse método das constelações familiares.
OP: O senhor pode falar sobre alguma mudança que lhe ocorreu a partir do seu trabalho com constelação?
Stephan Hausner: Isso é demais, sinto muito. Foram tantas mudanças que é difícil falar. Eu tinha uma vida muito tranquila antes e agora eu estou viajando por 50 países. Essa é uma das mudanças.
LIVRO
AUTOR de "Constelações e o Caminho da Cura", que já foi traduzido a dez idiomas, Stephan Hausner relata casos de pacientes que descobriram na constelação familiar novos caminhos e recursos de autocura de doenças.
LEITURA
ALÉM DO LIVRO de Stephan Hausner sobre o tema, há outras opções de leitura, como a publicação "As Raízes do Amor - um guia para a constelação familiar", de Svagito R. Liebermeister. R$ 69,00. Onde comprar: www.livrariadummar.com.br
FORMAÇÃO
STEPHAN é médico naturalista, formado na Universidade Josef Angerer, em Munique. Facilita workshops de constelações desde 1995, com atuação em mais de 45 países nos cinco continentes.