Questionado sobre o segredo que alavancou os resultados de Portugal nos rankings internacionais, o ex-ministro da Educação e Ciência do país, Nuno Crato, é categórico: educar bem e avaliar mais. Durante sua gestão, entre 2011 e 2015, o abandono escolar caiu de 25% para 13,7% e os alunos portugueses alcançaram os melhores resultados em avaliações internacionais, como Timss (do inglês, Trends in International Mathematics and Science Study) e Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 2015. Um dos destaques foi o resultado na avaliação de Matemática do 4º ano, que ficou à frente de países considerados líderes, como a Finlândia. Além de, por primeira vez, Portugal ter ultrapassado a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Currículo bem estruturado, foco na avaliação de resultados, apoio aos professores, políticas de recuperação para alunos com mais dificuldades na aprendizagem, mais exigência. Estes são alguns dos pontos estratégicos elencados por Nuno, em entrevista ao O POVO, para a garantia de bons resultados na educação. O professor esteve em Fortaleza na última semana para participar do "Seminário Internacional de Educação Básica: Gestão Pedagógica e os Resultados da Aprendizagem", realizado pela Secretaria da Educação (Seduc) e pelo Instituto Unibanco.
O POVO - O senhor é da área da matemática, economia. Como se aproximou da aprendizagem e da gestão em educação?
Nuno Crato - Foi um caminho longo porque eu, na realidade, me interesso pela educação há muito tempo. Eu lembro quando meu pai estudava para ser professor e eu comecei a ler alguns livros de psicologia educativa que ele tinha e aquilo me apaixonou. Perceber como as pessoas aprendem. Mais tarde, o que me aproximou da educação foi aquilo que acontece com muita gente: ter filhos. Tendo filhos a pessoa acompanha a educação e eu reparei que havia uma série de coisas na educação que não pareciam bem no meu país e em outros países. E isso me estimulou mais a tentar perceber o que se passava com a educação. Li muito, participei de muitas palestras, muitos debates, li muitos livros, escrevi livros. Depois, comecei a organizar conferências. Passei anos e anos tentando perceber porque, às vezes, nós falhamos na educação. Passei anos e anos a olhar outros países, outras experiências para ver se podia perceber porque as coisas estavam a falhar tanto como estavam. Entretanto, Portugal foi evoluindo. Portanto, digamos que o meu interesse pela educação é antigo e deriva de muitas coisas, de leituras, de perceber o que se passa com os jovens e de um esforço para tentar perceber os debates educativos, o que é que se discute em educação. Isso é um esforço muito grande que eu fiz por anos. Claro que, sendo professor há muitos anos, tenho a obrigação de pensar sobre educação. Não tenho a obrigação só de pensar sobre as matérias que vou ensinar, mas também como os alunos aprendem, como posso ajudar que eles aprendam. No fundo, grande parte da (minha) vida dedicada à educação.
OP - Durante a sua gestão no Ministério da Educação, Portugal alcançou resultados bem expressivos, como a melhoria no desempenho em avaliações, como o Timss e o Pisa. Que método foi aplicado para alcançar esses resultados?
Nuno Crato - Quando você olha para Portugal e tenta perceber o que se fez certo, eu diria que se deve olhar até 2015, porque são os últimos resultados internacionais que nós temos. O que se fez até 2015 foi variando, mas foi essencialmente ir na direção dos resultados. Desde 2001, até 2015, (existe) essa focagem nos resultados. Perceber se os alunos aprendem mesmo. Porque não aprenderam? O que nós podemos fazer melhor? Isso tudo começou a ser desenvolvido quando começaram a aparecer os testes internacionais e começaram a fazer exames em Portugal. Com os resultados dos exames que é possível olhar para o que melhora e não melhora. Portugal evoluiu muito até 2015 nos testes internacionais. O resultado que diretamente mais me orgulha, enquanto pessoa que trabalhou na gestão da educação, é o resultado do Timss, que é teste internacional do 4º ano de matemática, em que os nossos jovens subiram espetacularmente entre 2011 e 2015. Portanto, são os jovens que chegaram quando nós começamos a fazer políticas mais organizadas e viradas para os resultados e que foram testados quando acabaram o 4º ano. O Timss 2015 é bem a prova de que nós podemos melhorar quando focamos nos resultados, obtemos um currículo bem organizado, avaliamos os alunos e vamos corrigindo as coisas em função da avaliação.
OP - Além da atenção aos resultados, quais os pontos estratégicos a se focar na educação?
Nuno Crato - Temos vários pontos estratégicos. Tudo começa no currículo. Este é um convencimento meu e não é só meu. Os estudos internacionais apontam para esse mesmo sentido. Ou seja, se nós tivermos um currículo bem estruturado, com ideias claras, o que queremos que os jovens aprendam, o que queremos que os jovens dominem, podemos trabalhar melhor. Se o currículo não estiver bem estruturado, for uma série de ideias vagas, não se sabe bem para que se trabalha. Mas depois é preciso ver se os jovens estão a assimilar, a apreender, a desenvolver-se em função desse currículo. Se estão a adquirir os conhecimento e as habilidades, capacidades necessárias que estão no currículo. Para isso serve a avaliação. Por isso eu digo, às vezes, fazem grandes complicações com as coisas e não é preciso grande complicação. É preciso currículo bem estruturado, avaliar se as coisas estão a funcionar ou não e apoiar os professores no seu esforço de exigência sobre os alunos. Claro que há muitos outros pontos. Por exemplo, temos que ter políticas especiais para os alunos que estão com mais dificuldades, políticas de recuperação desses alunos. Mas aí nós também funcionamos muito bem. No Pisa 2015, há um dado que eu considero um dos mais importantes para nós portugueses. Melhoramos em todos os domínios, matemática, leitura, ciências, como também conseguimos ultrapassar a média da OCDE. Mas há um dado de uma análise de dados que o Pisa faz que é a de que poucos conseguiram, ao mesmo tempo, subir os resultados dos melhores alunos e melhorar os resultados dos piores alunos. Foram três países ou regiões que conseguiram: Macau (em região autônoma na costa sul da China continental), Portugal e Catar. Os outros não conseguiram. Ao mesmo tempo em que nós estávamos focados no currículo, em querer fazer um currículo exigente, fizemos políticas especiais para apoiar os jovens com mais dificuldades. Por isso, eu disse muitas vezes quando estava no ministério e volto a dizer: 'A exigência é a arma dos pobres´. Para o jovem que vem de um meio mais desfavorecido, a maneira que eu tenho de obter uma boa educação é estar em um ambiente de educação exigente.
OP - Outra mudança significativa em Portugal foi no abandono escolar, que caiu de 25% para 13,7%. Essa é uma problemática aqui no Ceará, visto que há um componente social forte com a desigualdade. Quais os caminhos para diminuir isso?
Nuno Crato - Eu diria que um bom ensino é meio caminho andado para reduzir o abandono escolar. Porque se o jovem está na escola, está aprendendo e vê que está aprendendo, ele tem mais incentivo a estar na escola. Se o jovem está na escola e a escola não o está ajudando a progredir, ele começa a descrer na escola. Acreditar na escola deriva muito de saber que se está a melhorar, esse é o primeiro ponto essencial. Outro ponto muito importante é dar aos jovens saídas. Há muitos jovens que estão na escola e não querem ir para as universidades. Mas querem sair da escola e ter uma profissão. Um diploma que garanta uma profissão. É preciso que a escola tenha alternativas para esses jovens e que tenha vias profissionalizantes que ajudem aos jovens que querem sair do Ensino Médio com uma profissão. Se o jovem está descrente da escola e quer ir trabalhar e dissermos: ' Você vai trabalhar, mas vamos te dar um diploma, uma ferramenta que não permite um trabalho qualquer, mas um trabalho mais especializado onde você ganha mais´. Isto é uma grande mensagem para muitos jovens.
OP - Normalmente, os índices de matemática nesses grandes exames são baixos. Esse é um dos desafios aqui do Ceará, apesar de termos melhorado taxas como a alfabetização. Essa é a sua área. Por que a matemática é uma pendência tão forte dos alunos?
Nuno Crato - Eu acho que vocês estão em um bom caminho porque tem essa parceria entre a Universidade Federal do Ceará, o Instituto de Ensino Insper e a Secretaria da Educação com o Programa Cientista Chefe, que dá uma atenção especial à matemática e que ajuda os professores de matemática a terem um ensino mais eficaz. A matemática é sempre, em todos os países, um problema porque é muito sequencial. Se o jovem não sabe fazer contas aritméticas elementares, não pode aprender funções. Se não pode aprender funções, também não vai aprender polinômios. Se falha o conhecimento de uma coisa, falha o conhecimento do que vem a seguir. Mais em matemática do que em outras disciplinas. Então, temos que estar sempre atentos aos jovens que estão a falhar e dar apoio para não falharem. Mas eu julgo que o Ceará está em um bom caminho com esse programa e com outros. E os resultados vêm. O Ceará é um dos estados mais bem situados do Brasil. Eu gostei muito das falas (durante o Seminário Internacional de Educação Básica) sobre a atenção aos resultados. Acho que o caminho tem que ser por aí, por isso fico contente ao ouvir essa mensagem tão repetida por tanta gente.
OP - Como o senhor vê a importância da valorização do professor? Isso deve ser feito com melhores salários, capacitação continuada?
Nuno Crato - Depende de cada país. Há uma coisa muito importante para todos nós fazermos. Quando digo nós todos, digo políticos, jornalistas, pais, famílias. É valorizar o professor e dizer aos jovens: confia no professor, professor é um segundo pai, uma segunda mãe. Apoiar o professor quando ele quer que os alunos saibam mais ao invés de desapoiar. Apoiar na sua exigência. Porque a profissão dele é melhorar os alunos e ele está ali para isso. Se nós apoiarmos, certamente ele pode desenvolver melhor o trabalho e ter melhores resultados.
OP - Sua gestão foi em um período que Portugal estava em meio a uma crise econômica. Você já falou, inclusive, que os bons resultados não foram feitos "subindo o investimento público ou diminuindo o tamanho das turmas". Como transpor esse problema financeiro?
Nuno Crato - O Brasil é muito diferente de Portugal. Acho que é muito importante dizer isso, que é preciso cuidado com o Brasil para não extrapolar, indevidamente, aquilo se passa em Portugal. A grande maioria dos países europeus já atingiu um nível de investimento na educação em que mais investimento não é o problema. O problema é a melhora no ensino, a qualidade no ensino. Os países da América Latina em geral não estão nesse nível ainda. Portanto, se nós olharmos para o investimento feito no Brasil e em outros países, parece que há uma linha ascendente, ainda há um caminho a percorrer. Agora, dinheiro não é tudo. Há países que põem mais dinheiro e obtêm piores resultados. As coisas não são diretamente relacionadas. Nós temos que focar na qualidade da educação.
OP - Então, ainda não estamos em um nível em que investir mais não significa melhores resultados…
Nuno Crato - Não exatamente. Nós olhamos para os países e vemos que há um nível de investimento que está ainda muito correlacionado com os resultados, e que os países que já têm os resultados aceitáveis chegaram todos a um certo patamar de investimento que o Brasil ainda não chegou. Isso não quer dizer que não haja muito a fazer com o investimento atual. Ou seja, é possível melhorar muito a educação no Brasil com o dinheiro que existe. Dinheiro não é tudo. Se bem que, no Brasil, eu percebo que ainda há um caminho a fazer em termos de investimento. O Brasil tem muitas prioridades, tem as suas dificuldades. Vocês têm que analisar o problema.
OP - Que aspectos dessa "fórmula" de Portugal você considera que pode ser aplicada em outros países, como o Brasil?
Nuno Crato - Eu acho que os pontos essenciais são os mesmos porque são atenção à qualidade da educação, atenção aos resultados, começar por um currículo bom e exigente, organizar as coisas, mobilizar os professores, os alunos, os pais para a obtenção dos resultados escolares. Se essa é a formula secreta, essa é uma fórmula conhecida há muito tempo. O que acontece é que, muitas vezes, as pessoas gostam de inventar soluções que são soluções para abstrair do problema real. O problema real é o de sempre: atenção aos alunos, currículo estruturado, ajudar os alunos a progredirem, avaliar para ver o que está sendo feito bem e o que está sendo feito mal. Acho que essa fórmula vale para o Brasil, Portugal, Rússia, Chile... Para todos os países.
OP - O senhor citou muito a importância da avaliação. Alguns especialistas defendem que o método tradicional não contempla todas as dimensões das habilidades dos alunos. Qual a melhor forma de avaliar?
Nuno Crato - Toda avaliação é formativa. As pessoas costumam falar em três tipos de avaliação: a diagnóstica, para ver como o aluno está; a formativa, que se faz para ir ajudando o aluno a melhorar; e a somativa, que é a avaliação final, que já não tem um retorno direto sobre o aluno. Mas, no fundo, toda avaliação é formativa. Eu acredito que é possível melhorar a avaliação. É preciso, então, ter ideias concretas. Temos que ser práticos. Não vamos jogar fora a avaliação dos conhecimentos e das capacidades, que é uma avaliação que se sabe fazer para instituir uma avaliação que não se sabe fazer. A avaliação deve ser dirigida ao conhecimento dos alunos. Isso é o essencial. Se alguém inventar uma avaliação mais abrangente, que faça. Mas não destrua a avaliação que existe nesse momento.
OP - Nesse caminho de mudanças, qual a relevância da tecnologia na educação, como o ensino de robótica, por exemplo?
Nuno Crato - É um papel muito importante, mas os temas principais continuam a ser os de sempre: leitura, matemática, ciências, geografia, história. Tudo aquilo que ajuda a esse ensino é melhor. Claro que temos que completar isso com coisas mais modernas, como o trabalho com o computador. Mas na base, as coisas são as mesmas. Se o jovem não souber ler, não vai aprender as coisas em um computador.
OP - Como era a gestão junto a órgãos da educação, escolas e parcerias com outras instituições para se chegar em um ensino melhor?
Nuno Crato - Do ponto de vista do ensino técnico ao profissional, essa parceria é super importante porque as empresas sabem o que é necessário, que tipo de formação é necessária aos jovens e, portanto, podem ajudar muito nessa formação.
OP - Falando de Ensino Superior no Brasil, tem sido muito debatida a questão da autonomia universitária tendo em vista a proposta em formulação do Future-se, projeto do Governo Federal que visa buscar verba na iniciativa privada para as instituições públicas de ensino superior. Como o senhor avalia esse tipo programa?
Nuno Crato - Eu não conheço a situação do Brasil então é muito difícil dar opinião sobre isso. Cada país tem sua situação. Lá em Portugal, temos a autonomia universitária já há bastante tempo e temos também parcerias das universidades com o setor privado. Funciona muito bem em alguns casos e um ou outro não será o ideal mas, no geral, as duas coisas têm funcionado bem. As parcerias com setores produtivos e a autonomia universitária.
OP - Mas o senhor considera que esse tipo de parceria possa prejudicar a autonomia das instituições?
Nuno Crato - Acho que não, a universidade dirige as coisas da melhor maneira, mas essa parceria com o setor produtivo ajuda a universidade a se modernizar e isso é muito bom.