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Sérgio Rêdes: "Parei em 79 e de vez em quando eu sonho que estou entrando em campo"
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Sérgio Rêdes: "Parei em 79 e de vez em quando eu sonho que estou entrando em campo"

Ex-atleta, ex-técnico, educador físico, professor, escritor e colunista do O POVO, Sérgio Rêdes lembra que futebol ocorre mais fora das quatro linhas que no gramado
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FORTALEZA, CE, BRASIL,  21-08-2019: Sérgio Rêdes, ex jogador de futebol para os Paginas Azuis do jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo) (Foto: Alex Gomes / Especial para O POVO)
Foto: Alex Gomes / Especial para O POVO FORTALEZA, CE, BRASIL, 21-08-2019: Sérgio Rêdes, ex jogador de futebol para os Paginas Azuis do jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo)

Na sala de estar, em fotos, um jovem de longas madeixas negras e sorriso aberto — e tanto o uniforme tricolor quanto o alvinegro parecem feitos para ele. A cor do cabelo hoje é outra. Mas os dentes de um homem conhecido por seus pares como "Amizade" nunca pararam de brilhar.

Sérgio Rêdes não é cearense, mas é como se fosse — são lá pra 50 anos por aqui. Não foi o maior craque em campo, mas teve qualidade para, no fim da carreira, ser rebocado para o Botafogo de Zagallo. Hoje ele é profissional em debulhar a própria memória futebolística e citar, de cor, os colegas de ofício que tiveram a sorte de com ele dividir o gramado.

Aos 72 anos, Serginho Amizade, como era chamado, já soma quatro décadas desde que pendurou as chuteiras. Nos sonhos, porém, ainda comanda o meio-de-campo de Ceará, Fortaleza, Botafogo-RJ, Portuguesa-RJ, Olaria-RJ. Em quase duas horas de conversa, ele rememora as aventuras entre quatro linhas — e fora delas.

O POVO - Hoje você é o Sérgio Rêdes, mas na carreira, no campo, você era Serginho Amizade. Como surgiu isso?

Sérgio Rêdes - Foi um jogo do Ceará contra o Bahia e lá tinha um radialista chamado França Teixeira. Nós jogamos contra o Vitória, fui conversar com o Mário Sérgio (1950 - 2016), que era o ponta-esquerda do Vitória na época — esse que faleceu com a Chapecoense, jogava muito. Como o Ceará ia ficar em Salvador para outro jogo, a gente conversou e combinamos de ir para as festas de Largo das Baianas. E aí a gente conversando e ele me chamou de "amizade". Aí o França Teixeira pegou esse mote, fez uma matéria na revista Placar e ficou esse apelido.

OP - Como foi sua decisão de ser jogador de futebol?

Sérgio - Eu não tinha certeza que queria ser jogador. Eu gostava de jogar futebol e estava num momento da vida sem saber exatamente o que ia fazer. Tinha quase acabado o científico (Ensino Médio), estava ali, tinha aquela coisa de movimento hippie no País, eu no Rio de Janeiro, viajando e acampando com os amigos. Aí eu resolvi encarar o futebol a partir de 1970. Eu fui para o Olaria, que tinha um timaço na época — chegou em quarto lugar no Campeonato Carioca e eu fazia parte desse time, era reserva. E aí foi quando o Dimas (Filgueiras, ex-jogador e ex-técnico com longa trajetória no futebol cearense) saiu da Portuguesa e veio para Fortaleza jogar. O Castilho queria um jogador de meio-campo, e eu vim para o Fortaleza. Cheguei aqui no dia 24 de outubro de 1971.

OP - Qual foi a primeira impressão de Fortaleza e do futebol cearense?

Sérgio - Primeira impressão foi muito legal, porque fiquei hospedado no Hotel Praia de Iracema, que hoje está lá, cai e não cai. E eu me lembro que cheguei era mais ou menos 10 da noite e dormi e tinha uma vista para o mar. De manhã, quando acordei, era umas 5h30min, 6 horas, clareando, eu, da cama, olhei para a linha do horizonte e estava o mar, aquela coisa bonita. Vi umas manchas escuras e fui olhar. A primeira sensação que tive foi a seguinte: 'Pô, legal, vou bater uma bola neste lugar de frente para o paraíso'. Saí andando na praia e tudo. Era uma cidade muito calma, não tinha esses prédios altos todos. A cidade era toda plana, cheia de árvore, cheia de casas e tudo. Foi muito agradável, uma temperatura de 24, 25 graus. Mas mesmo assim ainda pensava em voltar pro Rio de Janeiro. Passar um tempo lá e voltar. Mas aí o que que acontece, aos poucos vou me comprometendo às coisas que vou vendo no lugar e vai criando raízes.

FORTALEZA, CE, BRASIL,  21-08-2019: Sérgio Rêdes, ex jogador de futebol para os Paginas Azuis do jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 21-08-2019: Sérgio Rêdes, ex jogador de futebol para os Paginas Azuis do jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo)

OP - E naquele time do Fortaleza no começo dos anos 1970, quem se destacava?

Sérgio - Tinha caras bons. Tinha Amilton Rocha, Pedro Basílio, Chinesinho, Marciano, que veio um pouco depois, Beijoca também. Tinha Zé Paulo, que nunca saiu daqui, e era um zagueiro central extraordinário. Tinha o Renato, tinha o Dudu, que era filho do presidente. Ele não queria jogar, mas jogava muita bola. Chegamos a fazer um grande time com esse pessoal em 1973, quando fomos campeões cearenses. E me lembro do time perfeitamente: era Lulinha (ou Cícero); Louro, Queiroz, Pedro Basílio e Bauer; Chinesinho, eu, Zé Carlos (ou Lucinho). Na frente tinha Amilton Rocha, Marciano e Plínio (ou Beijoca). Eu gostava de jogar muito nesse time porque o Queiroz, como zagueiro, não rebatia a bola com bombão na frente. Ele me procurava e saia jogando comigo.

OP - Desde então, o futebol mudou?

Sérgio - Futebol era bem diferente do que é hoje. As equipes duravam três, quatro, cinco, seis anos juntos e isso permitia um entrosamento maior. E paralelo a isso, era o grande momento do futebol brasileiro no mundo. Tínhamos acabado de sermos campeões mundiais em 1970. Futebol brasileiro era invejado, não pela gestão, porque futebol era romântico nessa época, ainda não era o grande negócio que é. A sensação que você tinha era de pertencimento.

Hoje em dia o jogo está muito mais profissionalizado com características (físicas) realçadas. Pô, hoje tem o jogador de vestiário. Jogador de vestiário é o cara que é legal, é mole? Que é bom amigo dos jogadores, e aí ele está no banco, mas alegrando o pessoal. Apareceu uma porção de coisas assim.

OP - Apesar de ter começado no futebol cearense pelo Fortaleza, você jogou mais tempo pelo Ceará e teve uma identificação maior pelo Ceará. Como foi essa transferência?

Sérgio - Foi duro, porque eu tinha acabado de ser campeão pelo Fortaleza e passei pro Ceará. Inclusive joguei a partida final com o técnico Caiçara (1932 - 2013) sabendo que eu ia embora pro Ceará. Já estava praticamente acertado. Eu, com minha visão de negócios muito grande (ironia). Me lembro que Ney Rebouças (então presidente do Fortaleza) tinha me oferecido um quarteirão nesse bairro (Meireles), e eu pensei "O que vou fazer com um quarteirão de terra? Nada". E aí fui para o Ceará na época e foi uma transferência tumultuada, porque foi mais um jogador saindo do Fortaleza para o Ceará.

OP - Nessa época, houve cobrança nas ruas, dos torcedores do Fortaleza?

Sérgio - Já tinha havido em 1972 uma grande cobrança, porque meu contrato estava acabando na semana das partidas decisivas entre Ceará e Fortaleza. Aconteceu que distribuíram na cidade uns papeizinhos escritos assim: 'Nós, Dimas e Miguel, estamos esperando você no Ceará. Porque o Dimas e o Miguel tinham ido para o Ceará e eu tinha continuado no Fortaleza. Para mim foi o fim, porque quando essas coisas ocorrem e você sabe do serviço que está fazendo... Eu não encarava essas partidas finais como algo maior que minha liberdade, então ficava muito à vontade para jogar essas partidas. Tanto que eu acabei não indo para o Ceará, o Fortaleza renovou comigo, mas uma parte da torcida ficou irritada, achava que eu queria me mandar para o Ceará. Mas em 1973 eu fui e joguei a partida, fui campeão. Caiçara era um técnico sensacional, já falecido, pernambucano, ele chegou para mim no dia do jogo e perguntou se eu ia ficar ou não, aí eu disse: 'Mestre, vou para o Ceará. Já está acertado oralmente, agora queria jogar essa partida e ser campeão pelo Fortaleza, porque é de mim, do meu jeito'. Vencemos a partida, com passe meu, gol do Amilton Rocha. Tem torcedor do Fortaleza que até hoje me vê como traidor, e já se passaram 40 anos disso.

OP - Indo mais um pouco à frente. Como foi a sua experiência de aposentadoria dos campos? Já tinha planos para depois?

Sérgio - Eu estava meio cansado do regime de concentração. Coloquei o amor ao futebol acima de tudo, mas coloquei minha liberdade acima disso, para parar no tempo que quis parar. Mas foi duro.

Parei em 1979, fazem 40 anos. Tenho 72, então parei com 32 anos. No princípio foi duro, porque você sai pelas ruas quase que mendigando um olhar de plateia para você, então você tem que se adaptar. Agora, como eu tinha resolvido parar e tinha imediatamente resolvido fazer vestibular na (Universidade) Federal do Rio de Janeiro, em Educação Física, comecei a dar outro rumo na minha vida. Mas evidente que a coisa que mais gostei de fazer na vida foi jogar futebol. Melhor que isso só ficar apaixonado.

FORTALEZA, CE, BRASIL,  21-08-2019: Sérgio Rêdes, ex jogador de futebol para os Paginas Azuis do jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 21-08-2019: Sérgio Rêdes, ex jogador de futebol para os Paginas Azuis do jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo)

OP - Que jogadores e momentos da carreira você destacaria?

Sérgio - Muita gente. Erandi, Samuel, Zé Eduardo, Mauro Calixto, Hélio (goleiro) e mais outros do Ceará. O Dimas foi um quarto zagueiro extraordinário. Vi muita gente boa. Jacinto, não cheguei a jogar com ele, mas era extraordinário. Vi Lucinho, jogava muita bola. Celso Gavião, que foi campeão mundial pelo Porto-POR. Ele jogava no Ferroviário. Então teve um bocado de gente boa. Amilton Melo, que talvez tenha sido, pouco antes do Clodoaldo, o maior jogador daqui.

OP - Como foi sua parceria com o Zé Eduardo no Ceará, jogador exaltado por torcedores de Ceará e Fortaleza que viram ele jogar?

Sérgio - Jogamos juntos três anos e ele deu uma entrevista recentemente no Vozão TV e agradece o fato de eu e Edimar o termos ajudado e muito. Eu tinha uma facilidade de passe. Esse tempo era um momento muito rico do futebol, empolgante. Ele jogava no lado direito do campo, como meia ponta de lança chegando no centroavante, e eu jogava na meia esquerda mais ligado ao meio de campo. Essa bola me vinha passada e antes de chegar em mim, eu já sabia que ele estava do outro lado com uma carinha rindo. Aí quando a bola vinha, eu não deixava ela parar, não. Jogávamos com uma chuteira trava de borracha na época, aí você bota o pé em cima da bola e já puxa ela para um espaço onde vai meter essa bola, e eu atravessava ela. E a bola vinha cima dele. Ele recuava e não controlava com o peito, ele controlava numa região do pé indefinida e essa bola colava no pé dele. Ele abria o compasso e trazia ela colada até o chão. Você não vê mais ninguém fazer isso no futebol hoje ele dia. Ele foi o jogador de situações “esprimidas” entre dois ou três jogadores e saia com uma elegância que era raridade.

OP - Você estava em campo num jogo do Ceará contra o Santos do Pelé, em 1973, em que o Alvinegro venceu por 2 a 0. Como que foi essa experiência?

Sérgio - Eu me lembro que vencemos o Santos por 2 a 0, uma partida em que o (estádio) Presidente Vargas estava lotado, com gente pendurado nos refletores — naquele tempo não se preocupava tanto com segurança. E foi um jogo incrível. O Ceará jogou muito bem, era muito bom o time. Tinha Marinho, Paulo Tavares, Hélio, um grande goleiro, tinha Arthur, que eu esqueci de citar na pergunta passada. Ele foi um jogador extraordinário. E nesse jogo eu me lembro de uma cena muito incrível, porque o Pelé pegou a bola no contra-ataque e com o pé esquerdo, ele driblando para a direita, e com o direito para a esquerdo, e o Artur girando. E eu por dentro, em uma reta, até que quase na linha da grande área, Pelé driblou para a esquerda e acertou um chutaço. O Hélio, que tinha saído uns dois metros do gol, encaixou a bola. E naquele tempo não era bola derivada de petróleo, era uma G18, que se molhasse, ninguém aguentava. E o Hélio pegou. Tenho até uma foto desse jogo (na foto, Sérgio e Pelé estão enquadrados em uma jogada). Foi um jogo histórico porque onde o Pelé ia, o mundo parava. Parou guerra, expulsaram um árbitro porque tinha tirado ele de uma partida amistosa na Colômbia.

OP - Você tem outra memória desse timaço?

Sérgio - O Santos foi fazer uma partida contra o Flamengo, no Maracanã, e os trens que saíram do subúrbio eram lotados. E caiu um temporal no Rio de Janeiro que alagou tudo. Aí, primeiro tempo Santos 3 a 0, chovendo e tudo. Corremos para a entrada do vestiário do Santos. E eu me lembro até hoje: Pelé, Dorval, Coutinho, Mengálvio e Lima, todos com uniforme branco impecável. Jogaram 45 minutos na chuva, saíram com marquinhas de lama na meia, coisa da estética do jogo. Foi o maior time que eu vi jogar.

OP - São quantos anos escrevendo crônica para O POVO? Como que começou isso?

Sérgio - O Demócrito (Dummar, 1945 -2008) na época bancou que o jornal precisava ter uma certa mudança, alguém escrever, mudar as coisas. E o Luiz Cláudio, que era coordenador de esportes, falou assim 'Serginho, não quer escrever um artigo para o jornal?'. Aí eu escrevi sobre o Romário (ex-atacante, hoje senador). Foi justamente naquele jogo que decidiram reconvocar o Romário contra o Uruguai (Eliminatórias da Copa de 1994). O Brasil ganhou de 2 a 0, com dois gols dele. Eu escrevi dizendo que era um absurdo ele não estar jogando, e isso foi antes do jogo. Escrevi de 1994 até 1998 e parei. Aí em 2003 me chamaram de volta, e aí estou até hoje, 20, 21 anos escrevendo para o jornal.

OP - Como você vê essa questão dos salários astronômicos dos jogadores de hoje?

Sérgio - Você vê jogador de 16, 17 anos, que vai embora cedo e de repente desaparece, porque não tem o processo de maturação necessária. Aí você com essa idade, de repente cai na sua conta 200 milhões de reais, e como é que é isso? Tu que andava até dia desse de ônibus. O dinheiro se abate sobre você. O Vinicius Junior (do Real Madrid-ESP) não consegue chutar uma bola a gol, fica apavorado. O Paulinho, que jogava no Vasco, jogava muita bola, foi pro exterior e ninguém sabe como está. Aí nós fazemos a festa para o Daniel Alves (do São Paulo). Ele é um grande jogador, mas um atleta que já está na curva. Aí o futebol brasileiro, vai pegar justamente essa curva final que os caras estão fazendo para aproveitar, e ele passa a ser o dono do espetáculo. E além disso, até o árbitro se comove, e a festa é para o Daniel Alves e o Ceará vem querer jogar água nesse chope.

OP - O futebol não é só o esporte. Como você vê a questão social dentro do futebol?

Sérgio - Eles vivem uma outra realidade que eu não vivi. Por exemplo, eu fico vendo quando uma delegação salta de um ônibus para jogar uma partida, ir para o vestiário, é como se cada um estivesse no seu universo, com os fones, celulares e tudo. E isso aí é uma grande desvantagem humana. Você briga, você deleta o cara. Não tem o encontro humano para conversar com ele. Por exemplo, o Neymar é o maior produto disso. É muita falta de entendimento da vida, de tudo. Uma ascensão social meteórica. O jogador com um talento extraordinário, vai fazer confusão com um cara como o Cavani (atacante uruguaio do PSG), rapaz?! Se você vê um texto do Cavani para os garotos uruguaios sobre o que fazer com a ascensão no futebol, é uma das coisas mais bonitas escritas. Aí o Neymar vai fazer confusão, buscar ser o protagonista. Rapaz, essa coisa (o campo) acaba amanhã e o que fica é a parte humana, quem você lidou, amigos que você fez, e ele vai nessa carreira. Se você não tiver o preparo suficiente, você joga tudo por água abaixo. Neymar está aí, só o Messi (atacante argentino do Barcelona) quer ele. Fizeram uma pesquisa no Barcelona e a maioria das pessoas não querem ele. As pessoas percebem a pobreza de espírito em determinado momento.

Sérgio Rêdes, ex-atleta, ex-técnico, educador físico, professor, escritor e colunista do O POVO
Sérgio Rêdes, ex-atleta, ex-técnico, educador físico, professor, escritor e colunista do O POVO

OP - Você teve carreira de treinador, jogador e sempre foi um pensador do futebol. Pra você, o que representa o futebol para o Brasil? Essa relação do Brasil como o país do futebol ainda existe?

Sérgio - Eu percebo que sim. Agora a gente tem um problema, porque não temos gestão para quase nada. Então a gestão do futebol brasileiro está frequentemente ligado com falcatruas da CBF, problemas com os clubes. As coisas são colocadas quase que de uma hora para outra, sem haver um período de maturação. Por exemplo o VAR. Estava vendo uma declaração do presidente da comissão de arbitragem (Leonardo Gaciba) dizendo que o VAR tem acertado mais do que tem errado, e eu acredito. Mas ele não pode errar, porque está ali com oito árbitros para não errar.

Por exemplo, quando ocorre uma situação que aconteceu no jogo Ceará x São Paulo (dia 18 de agosto), não vou achar que houve roubo, mas evidente que o Ceará foi prejudicado. E foi prejudicado, porque é um clube que batalha, que faz um esforço para se organizar. O Fortaleza tem um jogador (Roger Carvalho), foi empurrado na cara do bandeirinha (contra o Internacional, 17 de agosto). Quer dizer, por que esse pessoal não consegue marcar? Porque estão vivendo um momento de insegurança com tudo. Você vê um jogo de futebol, na primeira que o juiz marca com minuto e meio de jogo, tem seis, cinco jogadores em cima dele desesperados. Então impera a má educação, impera uma descortesia muito grande, e isso tudo aliado a um salve-se quem puder.

Por exemplo, pega um jogador que nem o Ganso. Tecnicamente ele é perfeito, mas desde que lesionou o joelho, ele não conseguiu jogar em canto nenhum. Ele poderia jogar no Fluminense com esse técnico que caiu, o Fernando Diniz. Eu vi o Flu e CSA, o Flu perdeu o jogo, mas criou mais de 20 jogadas dentro da área. O Ganso sofreu até pênalti que não foi marcado. Tanto que reclamam do VAR (árbitro de vídeo)... A situação que está ruim mesmo, e vai piorar, hein.

Então o futebol, ele continua, o brasileiro gosta, ele vai aos estádios. Já foi mais, porque cada vez mais você vai centralizando o futebol brasileiro nas competições promovidas pela CBF, e a CBF no início de temporada manda o calendário dela para cada federação e a federação vai preencher os horários que são possíveis, então você tem essa coisa que precisa descentralizada. CBF deveria cuidar apenas das seleções brasileiras, já estaria fazendo um bom trabalho. Os clubes que são importantes, as ligas.

OP - Temos alguns jogadores que não têm planejamento financeiro. Você é um acadêmico. O que você diria para essas pessoas, para fazer o dinheiro durar?

Sérgio - Na Agap-CE (Associação de Garantia aos Jogadores Profissionais do Ceará), eles têm feito um esforço muito grande para oferecer cursos para o pessoal que esteja jogando. Agora é muito difícil você conseguir convencer uma pessoa no auge, porque as coisas acontecem de uma maneira que o cara fica se sentindo meio rei. Ele, por exemplo, se for de um município pequeno e jogar nesse time, ele é o rei daquele lugar, porque o futebol atrai a todos, quer seja de direita, esquerda (política).

Agora eu acho o seguinte, os clubes devem ter uma obrigação na sua base de dar essa formação, que não é só jogar futebol, que é desenvolver coisas inteligentes, entender o jogo, ter a compreensão da solidariedade. Todos esses significados sociais que vão fazer você ser uma pessoa melhor e mais preparada quando parar. Porque uma hora pára, e é frustrante. Você fica órfão da multidão. Falcão (Paulo Roberto, ex-volante da seleção) disse que ele teria duas mortes na vida, a morte da vida e a de quando parou de jogar. Parei de jogar em 79 e de vez em quando eu sonho que estou entrando em campo.

OP - A gente teve um momento recentemente que foi os jogadores do Figueirense entrando de greve, por não estarem recebendo salário. Você já viveu algo do tipo?

Sérgio - No meu tempo, a gente ficava atrasado três meses e não era só no Fortaleza e Ceará, não. Fiquei atrasado no Botafogo cinco meses. Botafogo vende a sede, não vende... Os clubes eram muito mal geridos. Hoje em dia, não. O Ceará vem crescendo, o Fortaleza se organizando atrás. O Robinson (de Castro, presidente do Ceará) é muito bom, só gasta o que tem e conseguiu montar uma equipe que vem agradando. Eu acho que tem que pagar o salário dos jogadores, o clube não pode fazer nenhuma loucura. E tem que saber qual a renda que pode ter e tudo.

OP - O Figueirense é um clube-empresa. Como você vê esse modelo no futebol?

Sérgio: Tem empresa que dá certo e tem empresa que não dá certo. Por exemplo, eu me lembro que eu fui diretor de futebol do Ceará na gestão do Eulino Oliveira. Aí você teve um problema muito grande, porque tem um Conselho Deliberativo, que tem muita gente que não quer que mude. Teve uma época que o Bebeto (de Freitas), jogador de voleibol, se transferiu para o Atlético-MG com toda a sua equipe, que foram treinados na Itália, e não deu certo. Porque esbarra às vezes em muita coisa dentro do clube. Estamos em fase de transição ainda, daquela ideia do clube tradicional para clube-empresa, que vai para a bolsa e tudo. Não sabemos fazer isso muito bem ainda.

OP - Você foi treinado pelo Zagallo, né? Como foi essa experiência?

Sérgio - Fui sim. Eu resolvi voltar para o Rio de Janeiro. Meu contrato ainda estava aqui, mas resolvi ir embora. Falei: 'Vamos rescindir, não quero mais ficar, vamos dar um jeito', e fui para o Rio. Aí fui um dia, no Botafogo, e o Zagallo (técnico tetracampeão do mundo) falou pra mim: 'Pô, você estava tão bem no campeonato nacional, o que que houve?', e eu falei: 'Não, vim fazer o vestibular para a federal, em educação física, quero ficar por aqui'. Aí o Zagallo falou: 'Vamos dar um jeito de pegar teu passe do Ceará e trazer pra cá'. E acabei sendo emprestado durante seis meses para o Botafogo, mas tive um problema de ligamento no primeiro mês e fiquei cinco meses sem jogar. Foi nesse tempo que fiquei cinco meses sem receber.

Mas eu conhecia o estilo do Zagallo, porque meu primeiro técnico foi o Telê Santana (1931-2006). Ele morava num bairro perto do meu, e quando ele jogava no Fluminense, tinha um time de meninos nesse bairro. Aí ele me viu jogando e me levou para o time dele. Era até engraçado porque ele levava a gente numa sorveteria e só dava um sorvete para cada um. Era mão fechada, conhecido. Mas onde eu ligo Telê com Zagallo?Uma vez, ele (Telê) disse que se o Garrincha (1933-1983) fosse ponta-esquerda, ele seria o Zagallo da ponta direita. Porque o Telê também voltava para fazer um 4-3-3 daquela época, que era um volante, um meia e um jogador que ou recuava pelo meio ou pela ponta. O Zagallo foi o primeiro cara a fazer isso. O sistema do Brasil era 4-2-4, mas Zagallo entrava e tinha o apelido de 'formiguinha', porque ia e vinha o tempo inteiro pelo lado esquerdo do campo. O Telê fazia isso pelo lado direito do Fluminense. O ponta-direita (campeão do mundo) de 1958 e 1962 foi Garrincha, e aí não tinha para o Telê. O Zagallo gostava de jogar assim. O Zagallo fazia um 4-3-3, mas o diferencial dele era que ele era muito vibrador. Ele era Brasil acima de tudo. Mas é uma figura representativa do futebol brasileiro.

Sérgio Rêdes, ex-atleta, ex-técnico, educador físico, professor, escritor e colunista do O POVO
Sérgio Rêdes, ex-atleta, ex-técnico, educador físico, professor, escritor e colunista do O POVO

OP - O que que Telê e o Zagallo lhe ensinaram e que você trouxe para a sua carreira aqui no Estado?

Sérgio - Eu sempre tive uma visão tática dos jogos. Tem uma coisa com jogadores do meio de campo, hoje em dia eles quase não tocam a bola de primeira, porque têm medo de errarem e tomar contra-ataque. Como todo mundo volta com dez jogadores, o contra-ataque passa a ser uma arma mortal. Tanto que fazem um gol e se fecham para jogar no contra-ataque. O Zagallo me ensinou uma coisa que eu achei incrível. Ele dizia: "Quando entrar na área pelo lado esquerdo, vai bater sempre cruzado na bola na mão esquerda do goleiro". Quando entrar na diagonal, a não ser que acerte um chute pelo alto, a jogada é pelo outro lado. O resto eu sabia.

O Tostão foi uma pessoa que deu uma certa visibilidade ao Zagallo, mesmo ele sendo criticado pela esquerda, porque quem gostava de futebol era mais de esquerda. O Zagallo escalou cinco meias armadores ou meias ponta de lança para jogar na seleção brasileira de 1970. Aquele time, se pegar os jogadores, ponta direita do Botafogo era Rogério, e não Jairzinho. Jairzinho jogava com a 10 no Botafogo; o Gérson jogava com a 8, o Rivellino com a 10 no Corinthians, Pelé era meia no Santos, o Coutinho que era centroavante, e o Tostão era meia no Cruzeiro. Zagallo foi danado nisso aí. Ele juntou, que era uma coisa difícil. Era um técnico que cuidava do sistema defensivo. Ele percebia umas coisas diferentes. Tem uns caras que são danados.

Naquele tempo o técnico não dava entrevista. Hoje em dia é uma presepada do Brasil danada. Você vê, acaba qualquer jogo, técnico ou jogador, e aí o técnico vai lá na entrevista e dá o discurso. Se ele perde, se defende, mas se ganha, ele comemora. E eles desprezam uma coisa importantíssima do jogo. Porque escapa do plano de sistematização deles, que é o acaso. O futebol está muito na mão de treinador. No meu tempo, era dos jogadores.

OP: Teve alguma outra novidade no futebol que mexeu com você?

Sérgio - Me impressionou muito o Rogério Ceni. Primeiro que o sistema de jogo nunca contou os goleiros, em canto nenhum. Aí a gente vê o goleiro alemão (Manuel Neuer) na Copa de 2014 e nos admiramos. Mas o Rogério Ceni fazia isso há mais de 20 anos no São Paulo. O Fortaleza jogava contra o Palmeiras, contra quem quer que fosse, indo para cima. Aí veio a crítica, porque estava tomando muito gol. Mas ele perdeu muito jogador. Rogério Ceni vai longe no futebol. Time que ele é técnico joga no 1-4-2-3-1. Porque ele fazia o seguinte, esse Felipe Alves (goleiro) vinha até a frente, abria Quintero e Roger (zagueiros) nos lados, Juninho e Felipe (volantes) ajudavam no passe, e afundava os laterais. Como o Felipe Alves é um exímio lançador, ele mandava na cabeça de Carlinhos ou Tinga (laterais), e aí eles ganhavam na cabeça e jogavam a bola no espaço vazio, e aí entra Edinho, Osvaldo, Marcinho, Romarinho (pontas). Mas esse jogo cansa, e não ter gente para entrar no lugar complica.

OP - Além da vivência no futebol, você tem uma vivência social na cidade. Me falaram de uma história de uma noitada com Caetano Veloso. Existe essa história?

Sérgio - Não, não. A única vez que falei com Caetano Veloso foi uma vez que estava sentado com o Fausto Nilo em um bar no Leblon. Ele passou se queixando que o Mick Jagger tinha sacaneado ele quando ele foi nos Estados Unidos. Paulo Francis tinha metido o pau no Caetano porque ele tinha posado com o Mick Jagger e estava com uma camisa de hippie baiano, que estava idolatrando o Mick Jagger, e o Paulo Francis chamou ele de num sei o quê tupiniquim. Ele falou isso e se retirou imediatamente. Depois nunca mais falei com ele. Eu tenho um livro que se chama "Nem tudo é futebol", por causa dele. Ele veio fazer um show no parque do Cocó, e começava a cantar, e a buzina do Ferroviário tocava. Até hoje ela faz falta, porque ela acordava o time quando o time estava cansado. E aí essa buzina tocava e o Caetano Veloso chegou uma hora que pediu para parar com essa buzina, 'porque sabia dessa buzina, que era do Ferroviário, um time simpático, mas nem tudo é futebol'. Aí eu falei 'bom, o nome do meu livro vai ser nem tudo é futebol'. Teve noitava com outras pessoas, como a Gal Costa, Paulinho da Viola, Gonzaguinha. Esse negócio de futebol e música, casa bem direitinho. Não dá certo essas histórias, porque nem tudo é publicável.

OP: Você teve carreira de treinador, jogador e sempre foi um pensador do futebol. Pra você, o que representa o futebol para o Brasil? Essa relação do Brasil como o país do futebol ainda existe?

Sérgio: Eu percebo que sim. Agora a gente tem um problema, porque não temos gestão para quase nada. Então a gestão do futebol brasileiro está frequentemente ligado com falcatruas da CBF, problemas com os clubes. As coisas são colocadas quase que de uma hora para outra, sem haver um período de maturação. Por exemplo o VAR. Estava vendo uma declaração do presidente da comissão de arbitragem (Leonardo Gaciba) dizendo que o VAR tem acertado mais do que tem errado, e eu acredito. Mas ele não pode errar, porque está ali com oito árbitros para não errar.

Por exemplo, quando ocorre uma situação que aconteceu no jogo Ceará x São Paulo (dia 18 de agosto), não vou achar que houve roubo, mas evidente que o Ceará foi prejudicado. E foi prejudicado, porque é um clube que batalha, que faz um esforço para se organizar. O Fortaleza tem um jogador (Roger Carvalho), foi empurrado na cara do bandeirinha (contra o Internacional, 17 de agosto). Quer dizer, por que esse pessoal não consegue marcar? Porque estão vivendo um momento de insegurança com tudo. Você vê um jogo de futebol, na primeira que o juiz marca com minuto e meio de jogo, tem seis, cinco jogadores em cima dele desesperados. Então impera a má educação, impera uma descortesia muito grande, e isso tudo aliado a um salve-se quem puder.

Então o futebol, ele continua, o brasileiro gosta, ele vai aos estádios. Já foi mais, porque cada vez mais você vai centralizando o futebol brasileiro nas competições promovidas pela CBF, e a CBF no início de temporada manda o calendário dela para cada federação e a federação vai preencher os horários que são possíveis, então você tem essa coisa que precisa descentralizada. CBF deveria cuidar apenas das seleções brasileiras, já estaria fazendo um bom trabalho. Os clubes que são importantes, as ligas.

OP: São quantos anos escrevendo crônica para O POVO? Como que começou isso?

Sérgio: O Demócrito (Dummar, 1945 -2008) na época bancou que o jornal precisava ter uma certa mudança, alguém escrever, mudar as coisas. E o Luiz Cláudio, que era coordenador de esportes, falou assim 'Serginho, não quer escrever um artigo para o jornal?'. Aí eu escrevi sobre o Romário (ex-atacante, hoje senador). Foi justamente naquele jogo que decidiram reconvocar o Romário contra o Uruguai (Eliminatórias da Copa de 1994). O Brasil ganhou de 2 a 0, com dois gols dele. Eu escrevi dizendo que era um absurdo ele não estar jogando, e isso foi antes do jogo. Escrevi de 1994 até 1998 e parei. Aí em 2003 me chamaram de volta, e aí estou até hoje, 20, 21 anos escrevendo para o jornal.

Porque ele fazia o seguinte, esse Felipe Alves (goleiro) vinha até a frente, abria Quintero e Roger (zagueiros) nos lados, Juninho e Felipe (volantes) ajudavam no passe, e afundava os laterais. Como o Felipe Alves é um exímio lançador, ele mandava na cabeça de Carlinhos ou Tinga (laterais), e aí eles ganhavam na cabeça e jogavam a bola no espaço vazio, e aí entra Edinho, Osvaldo, Marcinho, Romarinho (pontas). Mas esse jogo cansa, e não ter gente para entrar no lugar complica.

Carreira

Serginho veio ao Estado para jogar pelo Fortaleza. Foi campeão pelo Tricolor, mas fez mais sucesso pelo Ceará — time que chegou a treinar. Jogou ainda pelos cariocas Olaria, Portuguesa e Botafogo.

 

Extracampo

Ouvidor da Secretaria do Esporte e Juventude do Estado, Sérgio Rêdes é formado em Educação Física (Unifor), com pós-graduação (UFRJ), tendo sido professor na área. É ainda comentarista esportivo da TV Cultura e há 20 anos assina coluna semanal no O POVO — publicada às quintas-feiras.

 

Entrevista

Sempre na lógica da "amizade", Serginho ofereceu capuccinos e croissants para toda a equipe do O POVO. Um dos entrevistadores é o editor da coluna Sérgio Rêdes e garante que o apelido encontra em Serginho um bom dono. Respeita o limite de caracteres, manda com antecedência e se precisar de meia horinha a mais para escrever, avisa bem antes.

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