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Celso Gavião: os voos da vida de um campeão
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Celso Gavião: os voos da vida de um campeão

Com passagens por Fortaleza, Ferroviário e Ceará, Celso Gavião tem também rica passagem pelo futebol europeu, com muitos títulos conquistados
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Fortaleza, CE, Brasil. 07.10.19: Páginas Azuis com Celso Gavião, ex-jogador. (Fotos: Deísa Garcêz/Especial para O Povo) (Foto: Deísa Garcêz/Especial para O Povo)
Foto: Deísa Garcêz/Especial para O Povo Fortaleza, CE, Brasil. 07.10.19: Páginas Azuis com Celso Gavião, ex-jogador. (Fotos: Deísa Garcêz/Especial para O Povo)

Depois de uma carreira muito agitada nos gramados, Celso escolheu a quietude. Ele poderia ser mais um ex-jogador tentando a vida como técnico de futebol ou dirigente, mas uma breve experiência lhe mostrou que as quatro linhas eram mesmo coisa do passado. O futebol, porém, ele não largou. Aos 63 anos, Celso Dias dos Santos, o Celso Gavião, comanda, pelo segundo mandato consecutivo, a Associação de Garantia ao Atleta Profissional do Ceará - AGAP-CE, mantida por uma fundação nacional sediada em Brasília e por outras associações. Na sede em que ele inaugurou, na rua Júlio Cesar, próximo ao estádio Presidente Vargas, ele recebe jogadores que precisam de ajuda para estudar, buscar novos rumos profissionais ou resolver problemas financeiros. Celso sabe que a carreira de jogador de futebol pode ser traiçoeira e cheia de altos e baixos. Saiu de um bairro pobre no litoral paulista e chegou ao topo do mundo. Já venceu a Liga dos Campeões e jogou ao lado de Sócrates, Platini e Maradona. A alcunha de Gavião faz referência a maneira como ele partia para o ataque, mesmo sendo zagueiro. E seu olho clínico já revelou um atleta que atualmente é muito importante para um clube cearense na Série A do Brasileiro. Ele recebeu a reportagem de O POVO em seu escritório e falou sobre a carreira e suas impressões do futebol atual.

O POVO - Como foi o início da sua carreira como jogador de futebol?

CELSO GAVIÃO - Comecei no Santos e passei para o Botafogo de Ribeirão Preto, onde me profissionalizei. Eu sou de Santos, jogava num clube do bairro Vicente de Carvalho e fomos jogar contra o Santos. O nome do time era Paecará. Era um quadrangular também com Portuguesa Santista, Santos e Brasil de Macu. Quando fomos jogar contra o Santos, o Pepe (José Macia), treinador, me viu jogando e me convidou para o Santos. Era como se eu estivesse num subúrbio qualquer aqui e o Fortaleza me chamasse. Saí de lá depois porque ajudava papai a trabalhar, pois necessitava. Aí um jogador, que é o Mingo (ponta-esquerda, jogou Palmeiras e Guarani) me viu jogando no bairro de novo e me convidou pro Guarani de Campinas, isso em 1975. Cheguei lá fui aprovado no teste. Fiquei um ano e em 1976 fui para Botafogo-SP. Lá, mesmo menor de idade, com 17 anos, me profissionalizaram no dia 10 de outubro de 1976. Passei a jogar com Sócrates, aquele pessoal todo, mesmo com 17 anos.

OP - E de lá você veio diretamente para o futebol cearense?

CELSO GAVIÃO - Fomos jogar uma partida no Recife, contra o Sport, ganhamos por 1 a 0, gol de pênalti. Sócrates não quis bater, fui lá e bati. Na volta, tive um acidente de carro. Daí me emprestaram para o Fortaleza…

OP - Essa história é aquela que o Silvio Carlos conta, de que um dirigente veio lhe buscar com três cheques no bolso?

CELSO GAVIÃO - Não, ali foi outra. A primeira vez eu estava me recuperando em Ribeirão Preto e o Fortaleza foi lá jogar contra o Comercial. O presidente do Fortaleza na época era o deputado Alfredo Machado. E um cara chamado Alfredinho, que tinha sido treinador do Comercial, tinha até um posto de gasolina, foi visitar o Fortaleza e falou "rapaz, tem um zagueiro que está encostado, que era muito bom e vocês deveriam levar". Aí o Fortaleza foi até o Botafogo e acertou meu empréstimo, dia 10 de fevereiro de 1978. Vim emprestado no primeiro ano com passe estipulado ao Fortaleza. Fiz um bom campeonato, mas não vencemos, porque foi quando o Ceará foi tetra, com aquele gol do Tiquinho.

OP - Nessa primeira passagem você já ganhou o apelido de Gavião?

CELSO GAVIÃO - Não, foi depois, no Ferroviário. Em 1979 o Ferroviário me comprou. Eles foram lá em Ribeirão Preto e conversaram com Botafogo. Eu tinha negociação com o Palmeiras, mas por conta do acidente de carro e por conta da minha vida de jovem meio maluca, o Palmeiras desistiu e o Ferroviário acabou comprando. Foi quando nós fomos campeões e o Paulo Karan (jornalista cearense) colocou em mim esse apelido de Celso Gavião.

OP - O gol do título foi uma falta cobrada por você, certo?

Não, foi um rebote. Foi um escanteio batido, o Edmar cabeceou e eu ia chegando, porque naquele dia eu joguei de volante, não joguei como zagueiro. O César Morais colocou o Arimateia como zagueiro e eu fui pra volante para marcar o Aluísio (conhecido como Aluísio Guerreiro), que era um jogador muito bom, tava fazendo gols para caramba e o Ceará jogava com dois atacantes, ele e Ivanir. Aí eu fiz o gol e fomos campeões em 1979. Não era bem uma final, era um triangular. Se a gente tivesse perdido ou empatado, o Ceará poderia ganhar contra o Fortaleza no domingo, porque o Fortaleza não tinha feito quase nenhum ponto.

OP - Do futebol cearense até a Europa, qual foi o caminho?

CELSO GAVIÃO - Em 1980 eu fiquei no Ferroviário, mas nós perdemos o bicampeonato. Fomos pro triangular de novo, mas não ganhamos. Entrei de férias e na casa da minha mãe recebi ligação do Vicente Monteiro (diretor de futebol do Ferroviário, na época). "Celso, vai para o Rio de Janeiro que você vai se apresentar ao Vasco. Te espero em São Januário". De Santos, peguei ponte aérea e desci no Rio. Fiquei em 1981 no Vasco, mas joguei apenas dois jogos. Eu tinha um problema de contusão, já tinha tido aqui, mas eu não sabia o que era Menisco, problemas de joelho, essas coisas, mas passei nos exames lá e fiquei um ano parado.

OP - Naquele tempo não tinha a modernidade que os departamentos médicos dos clubes hoje têm, de prever lesões e diagnósticos mais avançados, certo?

CELSO GAVIÃO - Não tinha e nem se sabia se o jogador podia ter lesão ou não, diferente de hoje que tem aparato total. Hoje você vê se o atleta está desgastado, se não tá, mas naquela época a medicina não era avançada. Então fiquei parado um ano. Fiz duas operações de joelho e não consegui retornar. Quando eu voltava ao campo, sentia. O Cláudio Adão, na época, que tinha sido contratado pelo Vasco, me indicou um médico que fazia artroscopia e nesse tempo ninguém nem sabia o que era isso. Wilson de Melo, de Campinas. Eu já tava pensando em parar, mesmo com 25 anos. Então decidi procurar esse médico. Fui pra Campinas e quando vi o médico, falei "tô curado". Pelo jeito dele atender, de falar, de explicar. Contei tudo pra ele da lesão adquirida ainda no Ferroviário, das operações. Perguntei para ele qual seria o valor da artroscopia, porque o Vasco não sabia de nada. Ele disse "você paga o anestesista e se você voltar a jogar, você me paga". Aceitei.

OP - Quanto era somente o anestesista?

CELSO GAVIÃO - Hoje seria cerca de 3 mil. Falei, "doutor, se eu ficar bom, venho no meu carro e lhe pago". Ele nem me falou o valor. Com 15 dias voltei a jogar. Jogava bola como uma criança. Aì o Fortaleza ligou, que foi a história que conta o Silvio Carlos. Quando voltei, ele me operou numa quarta, no sábado tirei a faixa e tinham apenas dois furinhos. O médico mandou eu pegar uma bicicleta e andar. Pensa num joelho novo! Com uns 12 dias me apresentei ao Vasco, só quem sabia era o Rosemiro e o Roberto Dinamite, o Vasco não sabia onde eu estava. Era o doutor Clóvis Munhoz, o médico do Vasco na época. Chamei ele em particular, contei o que fiz. Eurico Miranda mandou me chamar e disse para eu treinar na Urca. Aí fizeram matéria comigo. Três dias depois o Silvio mandou me chamar.

OP - Foi nessa passagem que o Vasco teve que pagar uma nota pra te levar?

CELSO GAVIÃO - Voltei pro Fortaleza e o Silvio chamou um doutor pra vir no PV me examinar, que deu sinal positivo. À noite fomos ao Náutico Clube para assinar contrato. AÍ comecei a jogar. Disputei o campeonato Brasileiro e o estadual todo. Em Salvador, fomos jogar e o Vanderlei Luxemburgo era auxiliar do Antônio Lopes, que tinha ido treinar o Vasco. Ele não sabia que eu pertencia ao Vasco e estava emprestado e mandou o Vanderlei ir assistir pra me observar. Quando o Vanderlei chegou ao Rio, falou de mim e o Lopes mandou o Adilson Monteiro pra cá pra me levar de volta. Eu vim de graça, mas o Silvio disse que eu tinha contrato até o fim do ano e só devolvia com dinheiro. Aí foi aquele história dos três cheques. Chegaram a um acordo. Silvio na época me deu um dinheiro, foi até quando eu comprei um telefone fixo, que era caro. Quando vim do Vasco, falei pro Silvio que tinha um dinheiro pra receber lá, cerca de 10 mil, abri mão e ele tinha que pagar como se fosse empréstimo. Ele achava que com esses 10 mil estava pagando o empréstimo.

OP - Nesse ano você foi campeão

pelo Vasco…

CELSO GAVIÃO - No Vasco, primeiro jogo foi contra o Bangu e ganhamos por 2 a 1. Dali fiquei titular em 1982. Quando saí do Fortaleza tínhamos ganhado o turno já e lá o Vasco foi campeão. É onde tenho dois títulos no mesmo ano, fui campeão pelo Fortaleza e Vasco. Em dezembro jogamos contra o Internacional, uma partida de entrega das faixas, 11 horas. Eu saí, peguei um voo de meio dia pra uma hora, desci aqui no aeroporto, fui ao Castelão e ainda dei volta olímpica com o pessoal. Fui campeão carioca e cearense. O Brasileiro e o Cearense eram paralelos, o cearense ia até dezembro. O do Rio era de junho em diante, quando cheguei, já estava na metade.

OP - Daí apareceu Portugal?

CELSO GAVIÃO - Ainda não. Fiquei no Vasco até 1983. Nós fizemos excursão na Itália, o Antônio Lopes saiu, quis me levar pra Arábia, mas o Vasco não deixou. Fiquei chateado, porque a proposta era boa. Quando voltamos, me emprestaram pro Atlético-PR. Lá no Furacão fui bicampeão. Voltei pro Vasco em 1984 e o treinador era o Edu, irmão do Zico, mas ficou eu, Ernando, Mazaropi treinando em separado. Como o Vasco não queria, fomos emprestados ao Santa Cruz, que o treinador era o Lori Sandri, com quem eu tinha trabalhado no Atlético-PR. Fiquei lá o ano todo. Quando foi no fim do ano, eu de férias em Fortaleza, o Paulo Angioni, que está no Fluminense, muito meu amigo, me ligou e disse pra eu me apresentar no Bahia. Fui em Salvador, falei com o Paulo Maracajá e acertei. Meu passe era 50 mil cruzeiros. Era 20 mil do empréstimo e três de dez. Aí fomos jogar contra o Flamengo, volta do Zico. Daí um português, Artur Jorge, treinador do Porto, já tinha vindo aqui antes olhar o Campeonato Cearense, me viu jogar e tinha meu nome numa lista que ele fez quando andou pelo Brasil por uns dois meses, em vários estados. Quando saí daqui pro Vasco ele não me achava. Me procurava pela Revista Placar, vendo a disputa da Bola de Ouro. Aí quando eu tava no Bahia, disputei com o Luizinho, que era Bola de Ouro, daí ele viu e mandou um empresário olhar esse jogo, entre Flamengo e Bahia. Quando estou no hotel, o Estevam Soares (zagueiro e atual treinador) conhecia esse empresário e me apresentou. Ele conversou comigo e falei que tinha que falar com o Bahia. Com pouco tempo eu acertei com o Porto. E o Paulo Angioni me ligando pra eu não assinar com o Porto, prometendo dinheiro, mas como o Vasco tinha me sacaneado…

OP - Quanto custou sua venda?

CELSO GAVIÃO - Na época, cerca de 480 mil. A moeda era cruzeiro. Isso foi em 1985.

OP - E como foi sua passagem pelo Porto?

CELSO GAVIÃO - Cheguei no Porto e uma confusão para assinar contrato. Eu não tinha empresário, só que o Dudu, meio campo que jogou aqui no Ferroviário, que eu trouxe, jogava no Belenense, daí liguei pra ele pra saber como era a moeda e outras coisas. Ele falou 'você vai pro Porto? É o maior time daqui hoje'. Quando fui assinar contrato, tive um carro novo, um apartamento, seis passagens no ano. Quando li o documento, vi que se ganhava 200 mil, por exemplo, aqui é pra dividir por 12 meses, mas lá era por 14, aí eu disse que não aceitava e que vinha embora. O Paulo Maracajá ficou louco. Ele já tinha pegado o dinheiro da venda e contratado outro jogador pro Bahia, e falou que se eu voltasse não jogaria mais lá. Falei que não tinha problema, liguei pra minha mulher e mandei buscar passagem pra eu voltar. Aí a apareceu um diretor que mudou tudo, ofereceu até luvas de 30 mil dólares. Assinei por dois anos e no ano seguinte ganharia mais 30 mil dólares. Quando cheguei na sede do Porto, o presidente era Pinto da Costa, que continua lá, me deu cheque para sacar em Vigo, na Espanha. Falei que não ia sozinho para lá tirar dinheiro, porque nesse dia um goleiro tinha sido preso na Itália, um brasileiro que não pagava impostos. Falei que queria os 30 mil dólares ali mesmo pra assinar. Eles argumentaram que não tinham esse dinheiro na gaveta e falei que não ia. Me colocaram pra fora da sala, fiquei mais de uma hora sentado. Entrou o Arthur Jorge, que era o treinador. Passou o bigodudo, me cumprimentou e disse que era o mister. Aí ele contou essa história que tinha ido ao Brasil, que ele tinha me observado e perguntou o que estava acontecendo. Aí falei que tava tudo certo, mas que tinha que pegar o dinheiro na Espanha e que eu não ia me arriscar porque não conhecia nada. Ele disse 'você confia em mim?', falei que sim, daí ele disse que ia assinar meu contrato e que em uma semana me daria o dinheiro. Topei, sob condições de não jogar se não recebesse.

OP - Pelo Porto você ganhou

a Liga dos Campeões, certo?

CELSO GAVIÃO - Sim, primeiro fomos bicampeões portugueses, em 1985/86 e 1986/87. No segundo ano que ganhamos a Champions, contra o Bayern de Munique, na Áustria. Ganhamos de 2 a 1. Gols de Madjer e Juary. Só que nessa época ainda se chamava de campeonato europeu (na verdade, Taça dos Clubes Campeões Europeus).

OP - Você foi premiado duas vezes lá...

CELSO GAVIÃO - Como melhor zagueiro. Lá no Porto eu fui bicampeão português, campeão da Liga dos Campeões, campeão mundial e da Taça das Taças.

OP - Falando em futebol português, quando Jorge Jesus foi procurado pelo Flamengo, muitos torcedores e até a imprensa nacional criticaram, por afirmar que o campeonato português é fraco. Você concorda com essa afirmação?

CELSO GAVIÃO - O campeonato português é como se fosse o cearense. Ele é fraco realmente. Ele não é o Campeonato Brasileiro. Porque cabe apenas ao país, só que o nosso é grande demais. Por isso temos aqui os Estaduais, como Paulista, Cearense, Sergipano. O Campeonato Brasileiro aqui corresponde a Liga dos Campeões lá. Aí o Campeonato Português só dá Porto e Benfica, como aqui só dá Ceará e Fortaleza.

OP - Qual a maior torcida do futebol português?

CELSO GAVIÃO - Rapaz, o Benfica é considerado a maior, mas hoje eu te digo que é pau a pau. Porque antigamente era o Sporting, eram os dois maiores, mas nesses 30 anos o Porto foi campeão europeu, mundial e essa torcida veio crescendo. Hoje ele bate de frente com o Benfica. Só a cidade do Porto, se tiver 10% de benfiquista é muito e na capital tem uns 30% portista.

OP - Portugal foi o único país em que você jogou na Europa?

CELSO GAVIÃO - Sim, o único.

OP - Por que a decisão de voltar ao futebol brasileiro?

CELSO GAVIÃO - Eu voltei porque tinha o problema da minha esposa, ela era professora do município, tinha pedido uma licença não remunerada, mas na época disseram na mídia que ela morava em Portugal e recebia da Prefeitura. Isso não era verdade, mas deu uma confusão. E se a cidade do Porto fosse como é hoje eu não tinha voltado. Mas naquele tempo não tinha muita coisa. Era meio triste, você chorava e a mãe não via. Você sozinho, lugar totalmente frio. Eu pelo menos viajava (com o time), mas minha esposa não. Nós já tínhamos uns investimentos pra cá. Aí decidimos voltar, também por conta da saudade. Consegui ainda jogar no Atlético-PR, Goiás, vim pro Ceará. Depois fui pro Ferroviário e parei.

OP - Você jogou nos três grandes clubes daqui. Com qual se identifica mais?

CELSO GAVIÃO - Quando você vem de outro Estado, o primeiro clube que você joga, se apaixona. Então vim primeiro pro Fortaleza e é o clube com o qual me identifico hoje. Devo muito ao Fortaleza pelo carinho que fui recebido, também porque joguei, claro. Fui Ferroviário, gosto do clube, sou marcado pelo título, mas é diferente, pelo calor da torcida, a rivalidade que se tem. Eu fui pro Ceará, passei três meses e pedi meu dinheiro pra ir embora. Hoje eu torço Fortaleza e gosto do Ferroviário.

OP - Você era conhecido por ser um zagueiro clássico, que cometia poucas faltas, marcava de maneira leal e saia jogando bem. No futebol de hoje, em sua opinião, esse tipo de zagueiro está em falta?

CELSO GAVIÃO - Eu tinha essas características porque comecei como centroavante, depois passei para volante e quando cheguei no Guarani, devido uma necessidade fui jogar contra o Juventus-SP de zagueiro. E não saí mais da zaga, porém apenas pelo lado esquerdo. Quando fui pra Ribeirão Preto já fiz dois testes como zagueiro. Peguei um contrato, levei pros meus pais assinarem e fui profissionalizado. Durante a carreira até alternei como volante, mas também apoiava muito. Mas voltando para a pergunta, eu não acredito que acabaram os zagueiro clássicos, é porque hoje o jogador é mais fabricado que possui o dom. Se pegar um garoto hoje de porte físico bom e for um pouco dedicado, ele vai ser profissional. Naquele tempo não, a gente pegava muito jogador na rua. Na Europa todo zagueiro é como o Piquet, um robô. Hoje com esses novos treinadores, como o Rogério Ceni, deve começar a surgir quem tem (talento).

OP - Quem é um zagueiro destaque na atualidade para você?

CELSO GAVIÃO - Há dois anos eu falei que o melhor zagueiro que eu vi ultimamente no futebol foi Luiz Otávio, do Ceará, não sei como um cara desse foi estourar com 30 anos. Uma potência, jogando não tem igual. O cara não faz uma falta, sabe sair jogando, cabeceia bem, tem uma recuperação, é o que eu tinha muito. Hoje é o melhor zagueiro do futebol cearense. Quintero, por exemplo, é um jogador normal, mas tem muita garra. A minha condição veio por isso, somei as características das posições que joguei.

OP - Por que o futebol europeu se distanciou tanto do futebol brasileiro?

CELSO GAVIÃO - Primeiro, acho que a formação dos jogadores hoje no Brasil não existe mais. Hoje você vê um jogador num time grande e com cinco meses ele já foi vendido pra Europa. Existem jogadores lá que você nunca ouviu falar por aqui. Tudo hoje é vendido. Qual é a revelação hoje do nosso futebol? O cebolinha, que é o grande nome, saiu daqui muito jovem, tinha gente que nem sabia que ele era do Fortaleza. Na Taça São Paulo os jogadores já saem. E não são apenas os nossos, São Paulo, Corinthians, clubes maiores também.

CELSO GAVIÃO - Você sabia que eu lancei o Edinho?

OP - Não

CELSO GAVIÃO - Primeiro jogo que eu fui fazer com o Fortaleza como técnico, contra o Icasa. Eles tinham perdido a Copa do Nordeste em 2012, o Vica era o treinador e foi demitido. A direção me ligou, o Osmar Baquit (presidente na época) e eu estava na minha padaria. Fui convidado para assumir o time, relutei porque estava fora do mercado da bola, mas o Jurandir Júnior, meu amigo e gerente de futebol, insistiu e disse que estava precisando de um treinador para estrear no campeonato, mas que eu seria o auxiliar técnico do clube quando da contratação de um novo treinador. Aí fui, me apresentei no Pici, um protesto danado. Tinha um Carlos Magno, meia esquerda. O Celsinho, meu filho, falou "pai tem um baixinho juvenil que é danado, o menino entra e é uma correria danada". Aí nós estamos treinando para viajar a Juazeiro do Norte quando o Carlos Magno perde um gol sozinho. Parei o treino, tirei ele e coloquei o Edinho. Celsinho disse "pai, o senhor tá doido, esse é titular absoluto". Levei o Edinho e coloquei para jogar. Na volta contrataram o Hélio dos Anjos e passaram a informação que ele vinha com auxiliar. Baquit me ligou e eu fui até meio grosseiro com ele. Perguntei quem era o presidente e falei que tinha faltado palavra.

OP - Mas antes você já tinha treinado a base do Fortaleza, certo?

CELSO GAVIÃO - Sim, fui o primeiro treinador a levar um time cearense para a Taça São Paulo. Era o Osvaldo Azim o presidente, quando ele assumiu eu já estava na categoria de base do Fortaleza e através das minhas amizades, naquele tempo o Oscar (Schmidt ) era o secretário de esporte do Estado de São Paulo e através de um amigo meu, que era amigo do dele, me colocou na linha com ele e falou "rapaz, vou colocar", em 1992 (Na verdade, foi em 1998).

OP - Por que Fortaleza e Ceará, mesmo com CTs têm dificuldades de revelar jogadores?

CELSO GAVIÃO - Porque os treinadores do principal não estão vendo os jogadores da base. Não há conexão. Antigamente, no Pici, por exemplo, nós jogadores trocávamos de roupa antes, ficava lá, estava lá e o juvenil treinando. Isso incentiva, o jogador está lá, você está vendo. Hoje o cara treina no CT e o outro em Porangabuçu. O Fortaleza treina no CT, mas o Rogério chega 15 horas e o juvenil treina duas horas antes. Então, tu vai num jogo da Taça São Paulo ou da final Sub-20, o cara faz um gol você leva e ele não tem confiança, não tá preparado para aquilo. Essa é minha visão. Falta dar mais atenção para que esse jogador tenha condição de jogar um profissional. Às vezes o cara tem um zagueiro da base e improvisa um lateral.

OP - Você jogou numa época em que o futebol não pagava salários astronômicos como hoje. Como lidar com isso?

CELSO GAVIÃO - O time tem que ter psicólogo. Se der um alto salário e abandonar, esse cara pode ir pra drogas, pro jogo (de azar), passar a noite bebendo, enfim. Porque não são preparados desde a casa. No futebol, 90% vem da família pobre. Quando a gente passa a ter uma nova condição, acha que está milionário. Você começa a se destacar. Hoje tem cara que com 18 anos ganha R$ 120 mil por mês. E a estrutura da casa dele? Então o clube tem que ter esse cuidado de pegar o atleta e orientar.

OP - Como foi jogar ao lado

de Maradona e Platini?

CELSO GAVIÃO - Essa aí foi legal. Nós fomos jogar com o Porto, fazer uns amistosos na Itália. Jogamos contra o Milan, aí fomos pro hotel do Milan, só que a noite deram uma folga, saímos e nos perdemos, porque é tudo igual (são condomínios de hotéis). Aí tinha um empresário Italiano que disse "Celso, vem cá, tá sabendo que foi convocado pra seleção do mundo, né?". E eu não sabia de nada. "O técnico está aí, ele é fã do teu futebol e te convocou". Isso eu estava saindo do Porto, tinha acabado meu contrato, quando voltasse desse amistoso ia sair. Isso foi no café, daí na hora do almoço o presidente me chamou e disse que a gente tinha recebido convite e ia se apresentar em Wembley, na Inglaterra. Aí chegou o Josimar, o único que jogava no Brasil, ficamos no hotel, aquela coisa toda. O Maradona ia chegar no outro dia. Fomos pro vestiário, estou me aquecendo, Platini chega e diz "você tava na Copa de 86?". Falei que não. Aí ele ficou espantado e disse: "Sério? O Brasil tem muito talento mesmo". Nunca esqueço.

OP - Na sua posição, quem foi o melhor que você viu?

CELSO GAVIÃO - Mozer, do Flamengo. Jogou Benfica muitos anos, depois. Eu me identificava com ele.

OP - Nunca surgiu convite de outro clube da Europa?

CELSO GAVIÃO - O Chelsea (Inglaterra). O presidente tinha fazenda. Quando ele mostrou as cabeças de gado, era como do Benfica até a Aldeota. Conversamos, pedi o triplo do que eu ganhava, casa, carro, luvas, passagens pra família e achei que ia dar certo, mas o Chelsea não era tudo isso. Renovei com o Porto. Quando saí apareceu o Portimonense, mas era time pequeno e decidi voltar.

 

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