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Toquinho: "Meu posicionamento político é a verdade"
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Toquinho: "Meu posicionamento político é a verdade"

Aos 73 anos - mais de 50 dedicados à música -, o cantor, compositor e violonista Toquinho relembra fatos marcantes da carreira, como a inesquecível parceria com Vinícius de Moraes, e avalia o cenário atual da cultura e da política no País
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O cantor Toquinho conversou com a equipe do O POVO após show realizado no Beach Park (Fotos: Deísa Garcêz/Especial para O Povo) (Foto: Deísa Garcêz/Especial para O Povo)
Foto: Deísa Garcêz/Especial para O Povo O cantor Toquinho conversou com a equipe do O POVO após show realizado no Beach Park (Fotos: Deísa Garcêz/Especial para O Povo)

Autor de algumas das mais célebres canções da história da música brasileira, Toquinho se firmou ao longo de mais de 50 anos carreira como um dos principais nomes da cultura do País com parcerias histórias - a principal delas com Vinícius de Moraes - e trabalhos até hoje reconhecidos. De perfil geralmente discreto, se viu envolto em discussões políticas após um comentário positivo sobre o presidente Jair Bolsonaro repercutir no final de 2018. No final de outubro deste ano, o cantor veio a Fortaleza para ser a principal atração de um show gratuito para crianças promovido pelo Emílio Ribas Medicina Diagnóstica. Apesar de ter afirmado na conversa com O POVO - ocorrida após o show - que assumir posições políticas enquanto artista é "falar por falar", Toquinho não fugiu de abordar diretamente, e sem filtros, a controvérsia do ano passado, opinar - positiva e negativamente - sobre o presidente, avaliar o cenário das políticas públicas culturais no novo governo e, também, dividir memórias da trajetória artística.

O POVO - Você aprendeu a tocar violão no começo da sua adolescência, com o Paulinho Nogueira…

Toquinho - É verdade. Com 12, 13 anos, comecei a tomar aulas com ele. Foi um aprendizado muito rápido. Tive muita facilidade no manejo do violão e em pouco tempo estava tocando tão bem quanto alunos que estavam lá há dois, três anos. Isso chamou a atenção e ele me privilegiou com umas aulas especiais. Daí, eu comecei a conhecer o grupo de São Paulo. Com 16 anos, conheci o Chico Buarque, que estava começando, o Taiguara, que era do mesmo grupo, e formamos um grupo de amadores. Todo mundo pré-adolescente, adolescente. No Rio, tinha Francis Hime, Edu Lobo; na Bahia estavam chegando Caetano, Gil, Gal, Bethânia, também todos com a mesma idade, jovens, se conhecendo e começando carreiras que nem sabiam se ia dar certo. Nós vivíamos juntos lá em SP. O Caetano era o irmão de uma cantora que tinha vindo da Bahia - que era a Maria Bethânia - para substituir a Nara Leão lá em 1964. Eu, Chico e Caetano vivíamos juntos, na madrugada de São Paulo. Muito amigos, a gente vivia em boates cantando, brincando. Não éramos profissionais. O Caetano tinha umas canções - "É de manhã / É de madrugada / É de manhã" (cantando) ("É de Manhã") -, a Bethânia cantava, o Chico começando a carreira fazendo canções e eu era o violonista, o solista dessa geração. Foi assim nosso começo, nós começamos todos juntos e sem pretensão de profissionalismo.

OP - Voltando um pouco, antes mesmo de começar as aulas com o Paulinho, o que te levou a procurá-las? Já havia vontade de fazer música?

Toquinho - O grande responsável por tudo isso foi um homem da música brasileira. Chama-se João Gilberto (1931-2019). Acho que todos nós tocamos violão, fazemos canções hoje - Gil, Caetano, Djavan, Paulinho da Viola... - porque existiu João Gilberto. Ele foi o grande responsável pela minha geração, foi o grande transformador da música brasileira. Caetano tem uma frase que fala: "Ninguém com tão pouco transformou tanto". O João foi o grande transformador, a grande semente da minha geração. Todos falam. Quando eu ouvi "Chega de Saudade", em 1958, a vida mudou. Nós estamos falando de 1958, eu tinha 12 anos quando ele gravou. 'Que música é essa?!'. Depois a Bossa Nova começou a surgir e veio a minha geração, fruto do Glauber Rocha, do Cinema Novo, de Brasília, da seleção brasileira, do João Gilberto, do Tom Jobim, do Oscar Niemeyer. Essa minha geração veio forjada num Brasil gostoso, bonito, e não tem uma geração tão forte quanto a nossa. Nem teve antes e nem tem depois. Talentos claro que existem, mas isso foi um fato histórico de um Brasil tão brasileiro e de existir esse homem chamado João Gilberto que foi quem nos deu o fio condutor da nossa caminhada. Essa é a síntese. (Quando) a Bossa Nova emergiu, aí começamos todos a querer tocar violão - isso cada um na sua cidade. Foi um movimento que surgiu naturalmente, todos procurando o violão por causa do João Gilberto. O Paulinho Nogueira não era da Bossa Nova, era um solista que tocava em boates. Mas ele incorporou a Bossa Nova. Todos incorporaram. O Baden Powell incorporou, o Tom Jobim, que tocava samba-canção, incorporou. Quando você vê o casamento de tudo, você vê que todos confluem no mesmo caminho. Foi uma junção, todos se encontraram na mesma fonte e daí seguiram. Foi o João Gilberto.

OP - Você falou que aos 16, 17 anos, conhecendo Caetano, Bethânia…

Toquinho - A Bethânia foi a primeira! Em 1964, a Nara Leão fazia Opinião (espetáculo musical que se manifestava contrariamente à Ditadura Militar) e precisou ser substituída. Quando veio a Bethânia e cantou Carcará, as pessoas ficaram: 'Quê que é isso? Quem é este ser humano? Quem é este ser extraterrestre que canta desse jeito?'. 'Ah, ela é uma cantora da Bahia, tem um irmão que faz música'. 'Quem é?'. 'Um tal de Caetano'. Era assim. A ligação era a Bethânia, aí veio a Gracinha, que era uma amiga dela que cantava muito bem e que gravou um disco com o Caetano - era a Gal Costa. Esse é o caldeirão de tudo.

OP - Nesse caldeirão, como você encontra Vinícius de Moraes?

Toquinho - Todo mundo começou a ser profissional, todo mundo gravou um disco. O Chico tinha feito uma música chamada "Pedro Pedreiro", que foi um sucesso razoável na época, e ele foi o primeiro do grupo que estourou, com "A Banda". Foi sucesso nacional. Eu queria achar um parceiro, era muito amigo do Chico e aí fui morar com ele na Europa em 1968, 1969. Trabalhava com ele direto. Fiz uma música em 1968 com o Jorge Ben Jor, "Que Maravilha", que fez um grande sucesso. Só que eu não estava no Brasil, estava como Chico na Europa. Em 1969, o Vinícius passou pela Itália e o produtor do Chico, que era o Sergio Bardotti (1939-2007), falou que o Vinícius estava fazendo um disco com o Sergio Endrigo e o poeta (Giuseppe) Ungaretti chamado "La vita, amico, è l'arte dell'incontro". Ele falou: 'Toquinho, você mora aqui? Tô precisando de um violonista pra fazer uns solos no disco'. Fui para o estúdio e gravei uma série de solos, mas não encontrei o Vinícius, nada. Ele voltou para o Rio, nem tinha visto ele. O disco foi feito, ganhou todos os prêmios na Itália e eu fui muito elogiado. Quando o Vinícius recebeu o disco no Rio de Janeiro, ele falou: 'Quem é esse cara que tá tocando violão?'. 'Ah, é um cara que mora na Itália, muito amigo do Chico, o Toquinho'. E ele me procurou. Eu tinha acabado de chegar da Itália com o Chico. Ele (Vinícius) trabalhava com o Dori Caymmi, mas teve uma desavença e me procurou para substituí-lo. Eu nem acreditei que era ele, achei que era pegadinha. Eu tinha 22 para 23 anos.

OP - Como você lidou, nessa idade, com a realidade de trabalhar com Vinícius de Moraes?

Toquinho - Eu tinha uma autoconfiança muito grande. Falei 'vamo embora!'. Ele me levou para a Argentina, porque no Brasil não se podia tocar música brasileira, estava em baixa total e teve um êxodo enorme. Foi na época do AI-5 (Ato Institucional n.º 5, decreto emitido pela Ditadura Militar em 1968 que permitia ao presidente, por exemplo, fechar o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas; o ato também intensificou a censura e a perseguição à imprensa e à classe artística), tinha uma repressão muito grande. Fomos para a Argentina trabalhar e no primeiro dia eu fiz uma música com ele. "Quem já passou por essa vida e não viveu…" (cantando) ("Como Dizia o Poeta"). Começamos a trabalhar juntos e fazer uma canção aqui, outra lá, e veio um primeiro show em Salvador, no Teatro Castro Alves em 1970. Ele não queria nem fazer, achava o teatro muito grande. Nós fizemos e foi um estouro. Aí gravamos o primeiro disco. Nossa, foi um estouro nacional. "A Tonga da Mironga do Kabuletê"… Aí começamos a fazer em dupla, com contratos. O Chico voltou da Itália em 1971 para 1972 e (nós três) fizemos "Samba de Orly", fizemos algumas coisas. 10 anos de parceria, mais de 140 canções, mil shows, mais de 30 discos.

OP - Pouco depois da "baixa total" e de "não se poder" tocar música brasileira, como você disse agora, os discos começaram a "estourar". Voltou a ser possível, então?

Toquinho - Foi um susto, porque o samba estava em baixa total. Dava até vergonha de tocar Bossa Nova, samba, era uma coisa retrógrada. Foi depois do Tropicalismo (movimento cultural brasileiro de vanguarda ocorrido no final dos anos 1960), das guitarras. Quando fizemos o show na Bahia, foi uma surpresa, 'eles tão gostando disso'. Quando gravamos o primeiro disco, gravamos com medo, até. Quando a gente viu, era o que o povo estava querendo. Olha só o que aconteceu em 1970: o Paulinho da Viola estourou com "Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida"; o Jorge Ben estourou com "País Tropical"; nós estouramos com "A Tonga Da Mironga Do Kabuletê" e o Chico estourou com "Apesar de Você". Todos sambas. Era o que o povo queria e a gente não sabia, foi uma surpresa para todos. Depois veio a época do sambão, mesmo, Antônio Carlos e Jocáfi (dupla de cantores e compositores baianos), Martinho da Vila… a música brasileira encheu as rádios. A gente não sabia que o público estava carente disso.

OP - Com diferença de idades e personalidades, como se deram as lidas pessoal e profissional com Vinícius?

Toquinho - Realmente eram (personalidades) muito diferentes. Sempre fui o lado mais velho da relação. Tenho uma sobriedade no comportamento, no profissionalismo, mas o Vinícius me ensinou muita coisa de responsabilidade. Ele vinha do Itamaraty, então tinha responsabilidade nos horários, nos compromissos, e eu era um pouco porra-louca nisso. Nós nos demos o que ambos precisavam na época. Ele me deu aquele know-how (conhecimento) de vida, de poesia, aquela experiência enorme do grande talento como letrista, poeta. Eu dei para ele tudo que ele precisava, uma enxurrada de canções, músicas uma atrás da outra. Eu dei a juventude a ele, que ele já não tinha. Foi uma junção em que nos completamos e era uma coisa com muito respeito e, ao mesmo tempo, sem respeito nenhum. Era muito bom. A música, o lado profissional, foi sempre uma consequência do lado da amizade, do lado fraterno, da diversão. A gente se divertia trabalhando, como eu me divirto até hoje. Essas coincidências todas que nos uniram foram o que resultou nessa parceria e numa grande fidelidade e num grande amor como amigos.

OP - Na sua carreira, cheia de parcerias, a com o Vinícius foi a mais…

Toquinho - A que mais me completou.

OP - E também a mais marcante aos olhos e ouvidos do público.

Toquinho - Claro, tem sucessos atrás de sucessos. Ele que me levou para a música infantil. Quando eu musiquei "A Arca de Noé", "A Arca de Noé II", foi um sucesso. Todos os especiais da Globo. Depois da morte dele, fiz "Casa de Brinquedos", "O Caderno", "A Bicicleta". Esse lado lúdico veio do Vinícius. Ele era muito mais jovem do que eu nisso aí e ele é que tinha esse lado brincalhão. Fazer uma música para o pum ("O Vento")! Quem vai fazer uma música para o pum? Só o Vinícius de Moraes! Tudo isso foi uma coisa que marcou muito, esse leque que eu tenho hoje como instrumentista, compositor infantil, compositor. Já musiquei várias peças. Tudo isso teve o aval do Vinícius. Ele era um homem muito forte, 'o Vinícius falou', era ele que dava o aval de qualidade em tudo. Ele me abriu muitas portas. Claro, talento eu tenho que ter. Se não, não podia trabalhar com ele. Mas é importante o aval de uma pessoa importante e com credibilidade como ele.

OP - Nesse sentido dele ser esse nome tão forte e ter esse aval tão forte, de alguma forma você essa parceria pode ter eclipsado seu nome enquanto carreira solo aos olhos do público?

Toquinho - Não, não. Vou te falar números. O Vinícius morreu há 39 anos. É uma vida, quase meio século. Quando ele morreu em 1980, eu nunca fiz tanto sucesso na minha vida quanto três anos depois. Quando separei do Vinícius, eu estava pronto para fazer carreira solo e estou aqui até hoje. Sou o artista da música brasileira que mais trabalha hoje em todos os sentidos, tenho um leque de opções enorme. O que o Vinícius fez comigo é uma coisa que está no passado e no presente, porque ficou através do tempo. Venceu a ferrugem do tempo. E não só as com o Vinícius, mas quando eu canto "Que Maravilha" é a mesma coisa. Acabei de fazer um disco com o Paulo César Pinheiro, é um parceiro maravilhoso, tem músicas lindas que vão sair agora em novembro, tem todas as canções infantis que fiz depois do Vinícius - "O Caderno", "A Bicicleta", nunca tive tanto sucesso como quanto com "Aquarela". Muito pelo contrário. Tudo que fiz com o Vinícius só me ajudou - a trilhar um caminho mais seguro e as pessoas terem uma referência do passado para uma qualidade do presente. O Paulinho da Viola que fala: "Eu não vivo no passado, o passado vive em mim". Não posso ficar desvinculado a ele. O Vinícius é uma pessoa sempre gostosa de lembrar, tem várias histórias e claro que nesse lance infantil ele tinha que ser citado várias vezes porque tem canções que comecei a fazer com ele.

OP - Aconteceu alguma vez de você apostar muito no sucesso de alguma composição e não ter sido o caso ou o contrário, ter um sucesso surpreendente?

Toquinho - Quando faz um disco, a gente ouve e sente. No disco novo, tem uma (música) que dá título a ele, chama "Arte de Viver". A gente acha que ela vai ter mais possibilidade de ter entrosamento com o público. Tem uma música que é "Tem dias que eu fico / Pensando na vida / E sinceramente / Não vejo saída" (cantando) ("Sei Lá... A Vida Tem Sempre Razão"). O Tom Jobim adorou essa música, gravou com a Miúcha, foi tema de novela… eu nunca achei que ela pudesse fazer alguma coisa! É muito simples, mas aconteceu. Outras estavam com carta marcada: "Regra Três", "Tarde em Itapoã", "A Tonga". Essas canções a gente ouvia e (via que) era sucesso. No novo disco tem umas três ou quatro canções que podem acontecer, mas aí você precisa fazer um clipe na internet, colocar em uma novela, mas elas têm qualidade para isso. A música tem vida própria. Vamos falar de "Aquarela". Eu tinha gravado na Itália (e foi) um sucesso, primeiro lugar durante três, quatro meses. No Brasil, eu não ia gravar! Porque achei que era muito longa, não tinha refrão, estava em dúvida. 'Isso daqui nunca faria sucesso no Brasil, na Itália eles gostam de letra'. Nossa… foi uma loucura "Aquarela". É um sucesso inexplicável. As crianças, até hoje… ela foi lançada em 1983 e tocando o tempo inteiro. Na Faber-Castell (empresa fabricante de materiais de escritório e colégio), 30 anos de publicidade! Você não tem comando. "Que Maravilha" a gente gravou por gravar e foi um estouro, até hoje as pessoas cantam. Uma música que tem 51 anos (ênfase). Vai entender o sucesso! Não dá.

OP - Sobre as novas formas de chegar ao público, sem o peso da gravadora, tendo que ter uma rede social, presença nas plataformas de streaming, como você vê e se relaciona com este cenário?

Toquinho - Os tempos mudaram (risos). Eu sinto o pessoal da MPB muito acomodado, muito se queixando. Milton (Nascimento) deu uma entrevista falando que a música brasileira está uma merda. Eu acho que nós temos que trabalhar. Tem que levantar a bunda da cadeira, tem que fazer os shows, tem que procurar caminhos. Tem um passado maravilhoso, todo mundo tem um prestígio enorme, mas, pô, vamos trabalhar, vamos fazer, vamos buscar, vamos fazer um clipe, vamos para a internet, vamos para a rede social, vamos onde tiver que ir. Com o quê? Com o máximo de qualidade possível. Você não vai ter que se rebaixar ao nível de bunda na garrafa, não tô falando disso, mas você (vai) fazer o que você sabe fazer de um jeito bonito, vestir a música de uma maneira moderna, com um som que as pessoas gostem e ir à luta, botar na estrada. Acho que está faltando um pouco isso para a música brasileira. Existe muito acomodamento de idolatria em todo mundo que faz parte da música brasileira. Nós temos que ser menos idolatrados e mais operários. Então eu estou aqui, lutando com as mesmas armas, tenho meu Instagram e tô mexendo - mas não muito, porque é um pouco cansativo e não gosto de me expor muito -, tudo que vai ser feito nesse disco (novo) vai ser como se fosse o disco de uma pessoa que tá começando a carreira. Mostrando o processo, tudo.

OP - Destacando essa frase do Milton que você citou e trazendo o fato do começo da sua carreira onde você era bem mais novo e estava ao redor de veteranos: hoje, enquanto veterano, o que de novo você conhece, ouve, gosta?

Toquinho - Ouço tudo o que me é permitido, mas eu gosto mais de tocar. A Camila Faustino (cantora goiana), que é uma jovem, está me pondo muito a par de muita coisa. Hoje em dia é uma pulverização enorme de muita coisa. Todo show que eu saio tem um artista que me dá um CDzinho que ele fez. Está totalmente fácil, você grava um CD gastando nada, todo mundo grava. Na minha época, gravar um disco era um acontecimento, você precisava fazer um contrato com uma gravadora - as gravadoras existiam, hoje não existem mais, são elefantes brancos. Mudou tudo. (Tem) muita coisa ruim que chega em mãos, porque todo mundo grava. A internet, ela é uma coisa boa ou ruim? É as duas. Hoje o imbecil tem voz, o ignorante tem voz, o sábio tem voz, todos têm voz na internet. Isso tem coisas péssimas e tem coisas boas, também. Como todo mundo grava, a maior parte é muito ruim, mas tem coisa boa também. Só que tem uma pulverização enorme de informações, é informação em todo lado. Puxa, é muito claustrofóbico isso tudo! Eu gosto mais de tocar do que ouvir, mas ouço muito, vejo, mas para vir alguma coisa muito interessante é difícil. Você vê pessoas de talento, mas assim, jogadas nesse universo. Fazem uma música e somem, fazem uma coisa boa e você nunca mais ouve falar. Não existe um movimento, uma coesão, um talento consistente. Não sinto essa consistência artística.

OP - Não há então a ideia de conjunto que tinha na sua geração, inclusive para além da música?

Toquinho - Não, não! Esquece isso, não tem mesmo. Porque foi um fato histórico. Não foram talentos, só. São talentos, todos têm talentos, mas é um fato histórico que juntou a gente na mesma direção. Quando vai acontecer isso de novo? Não sei. Agora, tem gente nova com talento? Claro que tem, mas hoje você não sente um caminho, porque as informações que esses jovens têm também são muito variadas. Você tem informação em tudo quanto é lado na internet.

OP - Mas é o caso de afirmar taxativamente que a música brasileira está "uma merda"?

Toquinho - Não! Não tá uma merda. A música brasileira tem coisa ruim, tem, e sempre teve. Meu Deus, a música brasileira teve coisas boas e coisas ruins. Na Bossa Nova tinha gente boa e tinha gente chata, ruim. No samba tem gente boa e tem gente chata. No sertanejo tem ótimos e tem umas merdas fazendo música. Claro! Sempre teve, não é agora que tem. A minha geração foi muito forte. Você pega as músicas do Caetano, do Chico, do Gilberto Gil, do Djavan, do Jorge Ben Jor, do Toquinho, do Vinícius, do Tom Jobim… Porra, é foda (risos). Tem coisa muito boa. E tem gente fazendo com essa qualidade? Não. Não tem. Tem gente boa, mas que tem esse peso do que foi feito? Não. Nós conseguimos seguir uma qualidade de Tom Jobim, de Baden Powell, Ary Barroso, Dorival Caymmi, nós conseguimos. A minha geração foi no embalo e fez coisa de muita qualidade. Chico Buarque é um gênio. Agora o que está aí não está conseguindo fazer isso. Mas tem coisas boas surgindo, gente que você tem que ouvir, outros gêneros musicais aparecendo. Tem que respeitar tudo. Tem coisa boa em cada setor.

OP - Consta que, na última entrevista que Vinícius de Moraes concedeu, ele falou que achava "uma burrice o artista ser engajado politicamente e fazer uma música ruim". Para ele, "o engajamento político o cara só deve ter quando aquilo é tão importante para ele que passa a ser sua própria razão de existir". Como você vê essa questão de se manifestar politicamente e se engajar enquanto artista?

Toquinho - A música vem motivada por tudo que te rodeia: uma mulher, uma situação, um irmão, uma filha, um amor, uma injustiça social. Quando você tem a preocupação política, tende a ficar velho, não tem como. A música que é engajada politicamente é velha. Ela fica vinculada a uma época. Quando você pega "Caminhando e cantando e seguindo a canção" (cantando) ("Pra Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré), você vê os militares. A música está lá, não está aqui. Ficou velha, está parada no tempo. Ela foi engajada politicamente em uma época. O político vai envelhecer, porque vai ficar em uma época. E outra, nunca vi uma música mudar um país politicamente. A música é a música. O país muda através das leis, das coisas. Agora, você ter uma posição política em relação ao que se passa hoje é um ato de coragem. De coragem e idiota, porque você vai ter uma posição, de direita ou de esquerda, e vai levar pau. Se você for falar que gosta do Lula, vai levar pau, se falar que gosta do Bolsonaro, vai levar pau. E não vai adiantar porra nenhuma você falar, é só falar por falar. É uma burrice. Nós estamos em um país, hoje, com uma polaridade muito grande e burra. Burra porque não leva a nada. Se tiver qualquer coisa boa que foi feita com a esquerda, tem que reverenciar. No governo Lula, governo Dilma, o que for. Se o Bolsonaro estiver fazendo qualquer atitude interessante agora - desburocratização, reforma -, tem que incentivar. É uma burrice você ir contra simplesmente por uma questão ideológica. Tem um patrulhamento ideológico enorme que nós estamos vivendo que é muito chato. Qualquer atitude de você demonstrar o que você (pensa) politicamente hoje é um ato de coragem (risos). Inútil!

OP - Em novembro de 2018, repercutiu um comentário de confiança que você depositou no presidente Jair Bolsonaro e no Ministro da Justiça Sérgio Moro…

Toquinho - Aquilo foi uma sacanagem da Folha (de São Paulo), total. Nossa, absurdo. Foi o seguinte, eu estava falando sobre corrupção no Brasil. Nós tivemos a maior corrupção do planeta, nunca teve nessa dimensão. Mensalão não foi nada, veio depois a Petrobras e tudo. Bom, o que todo mundo queria nesse país - e está querendo ainda, mas está muito difícil - é bloquear a corrupção e prender os corruptos, as pessoas que têm poder e são privilegiadas por leis, pelo Supremo. É uma vergonha o que está acontecendo no Brasil. É uma vergonha ir contra uma prisão em segunda instância. Eu sou contra essa impunidade que tem no Brasil. Tem e teve. E vai continuar tendo se tudo isso acontecer. Quando eu vi o Moro com possibilidade de ser o ministro... Agora, se você falar que esse homem vai se corromper… Eu acho difícil. O que eu falei em termos de corrupção é que me animava um pouco um homem como o Moro estar no poder e que eu vislumbrava a possibilidade de mais justiça nesse País. Foi isso que eu falei, e continuo falando. É duro governar um país onde as leis deles são feitas por eles mesmos. Como você vai mudar uma nojeira dessas? De repente um cara como o Moro poderia (ênfase) ser uma solução nisso. Não tô vendo, porque estão amarrando as mãos dele. Eu acho uma nojeira essa política brasileira. Se não mudar esse sistema, nós realmente estamos num retrocesso enorme. Não é o Bolsonaro o retrocesso, não. As declarações dele são horrorosas, o posicionamento dele também, (mas) agora o retrocesso está na Câmara dos Deputados, no Senado e no Supremo. É uma vergonha o que nós passamos, isso eu sou contra. Sou a favor da justiça, sou a favor de quem roubou ser preso. Não quem rouba uma banana, é quem rouba milhões. É só isso que eu quero, foi isso que eu falei.

OP - No governo federal, as políticas públicas da cultura são uma pauta delicada. Sua presença em Fortaleza ocorre via empresa privada. Como avalia o papel do poder público e da iniciativa privada enquanto promotores de cultura?

Toquinho - Você vai aos países evoluídos e o governo não patrocina nada. É tudo empresa privada. Nos Estados Unidos são grandes fundações de pessoas ricas, bilionárias, que dão auxílio a tudo, a você fazer uma pesquisa. O Bill Gates dá mais de U$ 20 bilhões por ano em ajuda a pesquisas, à cultura. O governo não dá nada, não. Esse governo brasileiro é uma teta enorme. Por que não vai em busca de empresa privada que faz isso? O João Dória quando fala em colocar empresa privada, e não dinheiro público, é isso. O governo não tem essa obrigação, não, você tem que se virar. Tem que pegar grandes brancos, empresas, fundações e fazer incentivar a cultura. Nos países todos o governo não dá porra nenhuma, não. Pô, isso é uma teta que o Brasil tem. A Lei Rouanet era uma vergonha no Brasil. Ela não tem culpa nenhuma, ela é uma lei absolutamente honesta, muito bem feita, que foi feita para ajudar os músicos instrumentais e quem começa a carreira. (Mas) quem era ajudado eram os grandes nomes que não precisavam de dinheiro nenhum. Precisa de dinheiro é quem tá começando. Então o que foi feito? Corte. Só tem direito quem começa a carreira, quem tá não privilegiado. Aprovavam Lei Rouanet de R$ 5 milhões, R$ 10 milhões, uma vergonha o que acontecia. Um projeto aprovado, tudo bem, nenhuma corrupção aí, aí você pega essa aprovação e vou buscar patrocínio, tenho que ir no banco, em algum lugar, porque o patrocínio que o banco vai me dar deixam descontar no imposto de renda. É um incentivo. Bom, preciso ir buscar o patrocínio, mas muitos artistas, quando era aprovado o projeto, já estavam com o patrocínio marcado. Essa é a teta! Não é a Lei Rouanet não, ela não tem nada, é ótima, não tem corrupção nenhuma. Depois de aprovado, o artista já tinha Petrobras, todo o negócio aprovado pelo governo. Essa que é a grande injustiça. Coisas milionárias, e não é para essa gente que a Lei Rouanet foi feita. Isso entra no artigo 18 (da Lei Rouanet), onde o banco entra com dinheiro e subtrai do que ele tem que pagar ao governo 100% do que ele põe. Ninguém explica isso! O Bolsonaro está certíssimo quando fez isso (mudou regras da Lei Rouanet). Agora, não é explicado isso. A imprensa sempre foi uma visão contra a situação, mas alguém tem que explicar. 'Era isso que acontecia, agora está acontecendo isso'. Todas as faculdades são financiadas por empresa privada fora do Brasil. Aqui no Brasil tem a teta do governo. Não é assim. Tem que ser empresa privada que financie tudo. Nós estamos muito mal acostumados com o governo.

OP - Mas você acha que isso é possível aqui, que há o volume necessário nas nossas empresas para tanto? Como você disse, o Bill Gates dá bilhões por ano. Aqui funcionaria?

Toquinho - É uma cultura que tem que ser incentivada, mudada. Você não pode esperar que o governo dê tudo. O governo não tem essa obrigação. O governo tem que se livrar dos gastos, não ter gastos. Eu nunca tive auxílio do governo em nada. Sempre procurei empresa privada, patrocínio. A empresa aqui é privada, minha peça tá em cartaz com empresa privada. É uma luta, você tem que ir, levar o projeto. Isso que tem que ser. O Antônio Fagundes não tem o governo patrocinando, ele faz o teatro dele com empresa privada patrocinando. É assim que tem que ser. Tem que parar essa teta do governo ser mamada. Se Bolsonaro tem problema com censura... acho um horror censurar qualquer coisa artística. Tem situações que protegem (contra) isso, ele não vai fazer nada sozinho. Ele pode ter intenções negativas, mas que são barradas ou pelo menos estão sendo barradas até agora. Ele tentou proibir não sei o quê e foram em cima e liberaram. Acho que o lado negativo do Bolsonaro não vão deixa-lo exercer, que é o lado da ditadura, essa apologia da ditadura, essa grande bobagem que ele fala do Pinochet. É tudo uma bobagem. Ele fala declarações erradas, falou que a mulher do (Emanuel) Macron (presidente da França) é feia. Isso não leva a nada, não sai disso, e a imprensa faz um estardalhaço, mas no fundo não quer dizer nada. E o Macron é um filho da puta mesmo, ele está interessado na Amazônia por outros motivos. Ele não quer o Mercosul ligado à Europa. Quando ele pegou a Amazônia como Cristo é porque ele queria romper o contrato do Mercosul com o Mercado Comum Europeu. Com esse contrato assinado... a agropecuária brasileira é muito superior à francesa, então eles vão dançar, a França vai se ferrar. O Macron queria interromper o contrato falando da queimada da Amazônia, que não tem nada a ver com essa história. O Macron é um sacana total. Quando ele (Bolsonaro) está contra o Macron, ele está absolutamente certo. Isso ninguém fala. Ele não fala, o idiota do Bolsonaro não fala! Fica falando bobagem. Dá para governar o país sendo mais claro. O Moro você não vê falar uma palavra! É impressionante. Se eu fosse o Moro, estava falando uma porção de coisa, explicando. O único que explica um pouco é o Paulo Guedes, mas pouco. De qualquer maneira, acho que nós estamos conseguindo fazer as reformas, a Previdência e agora vem a Tributária. Vejo o Brasil muito claramente. Não sou Bolsonaro, não sou nada. Eu quero que dê certo. O primeiro mandato do Lula foi uma maravilha, foi uma coisa que tem que aplaudir. O segundo já não. O Fernando Henrique foi importante no primeiro mandato, no segundo não. A Dilma foi uma catástrofe brasileira. Tem que falar as coisas como são. Esquece o PT, esquece o Bolsonaro, esquece a direita, esquece a esquerda. Tem que falar como são. Meu posicionamento político é a verdade. Não sou a favor de ninguém, sou a favor do Brasil.

Nas redes

Toquinho esteve em Fortaleza a partir de convite do Emílio Ribas Medicina Diagnóstica. Ele se apresentou em show gratuito voltado ao público infantil que ocorreu no Beach Park.

Na entrevista, o artista citou a aposta na presença nas redes sociais como uma das características que dá ao trabalho dele atualmente. O Instagram do cantor e compositor é @toquinho.oficial

Encontro com Amelinha

A cantora cearense Amelinha fez parceria com Toquinho no ano de 1980, no disco "Porta Secreta". Uma das faixas do trabalho é a parceria dos dois em "Valsinha"

 

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