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Oliveira Canindé, o técnico cearense cheio de títulos que nunca teve chance em Ceará e Fortaleza
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Oliveira Canindé, o técnico cearense cheio de títulos que nunca teve chance em Ceará e Fortaleza

Campeão da Série D com o Guarany de Sobral e do Nordestão com o Campinense, o técnico cearense já dirigiu 19 equipes nordestinas e faz questão de escalar atletas da Região em cada uma delas
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 12-11-2019: Oliveira dos Santos Lopes, mais conhecido como Oliveira Canindé, 54, treinador e ex-futebolista (Foto: Sandro Valentim)
Foto: Sandro Valentim FORTALEZA, CE, BRASIL, 12-11-2019: Oliveira dos Santos Lopes, mais conhecido como Oliveira Canindé, 54, treinador e ex-futebolista

Longe dos holofotes nacionais, o futebol nordestino resiste. Cheio de histórias, personagens, símbolos e significados, a Região se constrói e, a cada ano, deixa a "periferia" do esporte para brigar por protagonismo. Há poucos que viveram o futebol do Nordeste como Oliveira Canindé. Escolher o nome da cidade onde cresceu deixa claro a todos de onde veio o homem de 53 anos. Ex-jogador, com passagens por Ceará e Fortaleza, o técnico já treinou 19 clubes nordestino. No currículo, tem como maiores conquistas o título nacional da Série D pelo Guarany de Sobral, em 2010, e o da Copa do Nordeste pelo Campinense-PB, em 2013. Recentemente, assumiu o Caucaia por um mês e conquistou a Taça Fares Lopes e vaga na Copa do Brasil 2020. Apesar das glórias, a chance num grande centro do futebol fora do Nordeste nunca veio. Tampouco nos dois maiores clubes do Estado. Oliveira Canindé, porém, segue acreditando que, com o trabalho, o futuro sempre reserva algo de bom. Na entrevista, concedida em seu apartamento em Fortaleza, o técnico desfia a história dele no futebol. (Vinícius França / Especial para O POVO e Brenno Rebouças)

O POVO - Como foi seu começo no futebol, durante a infância?

Oliveira Canindé - Foi em Canindé. Nasci em Itatira, só que eu fui a Canindé ainda moleque, de 8 a 9 anos. Chegando lá, foi até engraçado, porque minha mãe dizia: "Olha, não é pra sair ninguém de casa porque é cidade, tem que ter cuidado, vocês são crianças e não podem sair". Só que eu acordei bem cedo, pulei o muro, botei um pé na porta e fui descendo. Quando eu tava descendo, passou um menino na rua que tinha uma queimadura no corpo. Era o João, o apelido dele era Churrasco. Eu perguntei a ele: "Onde tem um campo de futebol aqui?". Ele disse: "Olha, você pega essa rua aqui e pode subir direto. Tinha uma pracinha, eu fui jogar bola e a minha mãe desesperada atrás de mim. Eu tinha chegado na madrugada. Amanheci o dia e já saí atrás de bola. Quando eu fui pra essa pracinha, teve um jogo apostado e eu ganhei dinheiro com os meninos pra comprar dindim. Cheguei tarde em casa e minha mãe queria me bater, e eu disse: "Mãe, eu já ganhei meu primeiro dinheiro, toma aqui" e dei pra minha mãe (risos). Umas moedinhas.

OP - De quando estamos falando?

Oliveira - Acho que nessa época aí foi 1978, 1979. Faz tempo demais e eu era moleque. O engraçado disso tudo é que eu tinha um apelido porque eu era muito pequeno. Um deles era "piolho". Aí meu irmão chegou: "Piolho, a mãe tá te procurando!". Rapaz, pra quê? Espalhou e esse apelido, nunca mais mudou. Até hoje, quando eu chego nos lugares, quem me conhece chama "Ei, piolho!". Daí, eu fiz muitos amigos, e devido a essas amizades, fui pra outros lugares jogar. Joguei no Cruzados de Canindé, que era muito conhecido, um dos melhores times da época, no Flamengo do Matadouro, que era lá perto.

OP - Mas até o momento era um futebol não-profissional? Era categoria de base?

Oliveira - Totalmente amador. O mais engraçado é que eu gostava de treinar, sabe? Me cuidava mesmo eu sem ter noção do que eu tava fazendo, muitas vezes. Eu tinha um amigo que a gente corria de Canindé até a ponte da Ema. Ele era uma coisa fora do comum. E a gente conversava muito, trocava muita ideia."Toinho, o que é que tu quer ser?" "Cara, eu quero trabalhar na Justiça, ser promotor. E tu?". Eu disse: "Quero jogar futebol, rodar pra tudo quanto é canto, não quero ficar sossegado, parado em lugar nenhum". Passou muito tempo e ele se formou, é promotor em Belém (PA) e eu na minha profissão. Ele viajou, foi pra Maceió (AL). Quando ele chegou, dentro do táxi o motorista perguntou: "O senhor é de onde?", "Eu sou de Canindé, mas trabalho em Belém e tô vindo passar férias aqui". O taxista disse assim: "O senhor é de Canindé? O treinador do meu time é de Canindé". Ele perguntou: "Quem?" e o motorista disse: "Oliveira Canindé". O cara disse: "Não acredito, ele é meu amigo de infância, nós corríamos juntos". O taxista disse assim: "Se eu levar o senhor pra lá, o senhor chama ele pra eu tirar uma foto com ele?". O Toinho foi, ficou um tempão lá. Quando eu cheguei, ficamos até uma hora da manhã conversando. Isso foi em 2016, a gente se encontrou em Maceió depois de mais de 30 anos.

OP - Como você veio jogar futebol profissional na Capital?

Oliveira - No Interior, você joga em tudo: futsal, campo. Eu jogava na seleção de Canindé e no Cruzados. Uma vez, o juvenil do Ceará foi jogar lá e tinha o seu José Maria Mendes Gifoni, dono da Construtora Gifoni. Ele quis de todo jeito me trazer pra jogar no Ceará e eu não pude vir porque na época eu fazia a oitava série, não queria sair e ele falou assim: "Venha, tem estudo, tem tudo pra você". Com o tempo, eu vim jogar, morava na concentração com o Wanks, o Bacabal, e estudava no Colégio São Paulo. Fui à Copa São Paulo de Juniores em 1985 e fiquei no Ceará.

OP - Como foi essa transição de sair do Interior e vir morar na Capital?

Oliveira - Morei longe da família, passei muitos apertos porque naquele tempo não tinha a assistência que tem hoje. A gente passava muito sufoco, tinha que jogar subúrbio porque você ganhava alguma coisa e comprava algo. Eu, o Wanks e o Bacabal treinávamos ali nos morros, ia pra Praia do Futuro. Eu não dizia pra minha mãe nem pra ninguém o que eu passava, porque se eu falasse talvez quisessem que eu voltasse. Adoecia, mas não saía. Fui ficando, as coisas foram caminhando e terminei me profissionalizando.

OP - Como foram seus primeiros anos como profissional no Ceará?

Oliveira - Foram muito bons porque eu sempre tive a felicidade de encontrar pessoas boas, que me orientavam. O seu Gifoni era uma pessoa maravilhosa. Eu não sou muito de ir na casa de ninguém, mas se eu pudesse ir pra casa de alguém eu iria pra casa dele agradecê-lo. Tomara a Deus que ainda esteja vivo, não sei se ainda está, porque era um cara muito ocupado. Faz muito tempo também e ele já tinha 53 anos. Ele tinha a idade que eu tenho hoje.

OP - Como você qualifica o seu tempo de jogador e a comparação com o futebol jogado naquela época com o de hoje?

Oliveira - Taticamente não mudou muita coisa. Eu já era um jogador intenso, aconteciam situações de treinador dizer pra mim: "Oliveira, eu vou fixar você aqui". Eu digo: "Eu tenho saúde demais pra ficar parado ali, eu vou jogar na minha". E o treinador: "Quer ir pra sua? Então vá, que eu vou te botar no time de baixo". Muitas vezes, era com o Dimas (Filgueiras) que eu batia por causa disso. Mas o Dimas é uma pessoa que eu tenho um carinho e um respeito muito grande. Nós sabíamos que jogador gosta disso e daquilo e eu tinha que me manter no meu lugar porque eu não podia me empolgar com os outros. Tinha que manter os pés no chão, ter humildade pra crescer na profissão. Isso são palavras do Dimas.

OP - O seu primeiro trabalho como treinador foi na base do Ceará?

Oliveira - Não, eu fui pro Uniclinic e ainda era atleta, aí, na época, o Argeu (dos Santos) saiu como treinador e eu assumi. Eu tinha contrato como atleta, mas assumi a base. O primeiro jogo que nós fizemos foi contra o Fortaleza. O meu time matou a pau, jogou muito. Lembro que o treinador deles na época era o (Arnaldo) Lira, que ficou desesperado ali fora. Terminamos tomando uma virada nos 45, 46 minutos do segundo tempo. Dois gols de falhas individuais. Eu fui até pra cima dele (jogador que falhou) e ele disse: "Ah, é porque eu tava cansado". Isso não justifica.

OP - Você costuma cobrar o máximo dos seus atletas nos seus trabalhos. Por quê?

Oliveira - Eu trabalho tudo que eu posso pra tirar dele aquilo que eu acho que ele tem pra dar. Faço com que ele acredite na condição que ele tem e que ele precise se superar. Não é só você esperar que você só venha até "aqui", se supere e mostre que você é muito mais do que você mesmo possa imaginar. Pra que ele consiga mostrar muito mais e te surpreender. A parte psicológica é mais difícil, mas se você tiver um grupo qualificado que acredite na tua maneira de trabalhar, a tendência é que ele cresça juntamente com os demais.

OP - Como você faz o seu trabalho psicológico?

Oliveira - Tem (psicólogos) também. Muitas vezes, eu utilizo, mas eu gosto mais de trabalhar diretamente. Eu tive muitas dificuldades quando eu vim de Canindé pro Ceará porque você não tem a parte técnica, você não foi trabalhado adequadamente. Passe curto, passe longo, domínio: todo esse trabalho eu não tive, você aprende na marra. Como eu tive essa dificuldade, eu dizia: "Nenhum atleta meu tem direito de dizer 'ah, eu não sei porque eu não fiz', você vai repetir milhões de vezes, mas não vai ter o direito de dizer que errou porque não trabalhou". Muitos atletas que trabalharam comigo tiveram um crescimento muito grande. O Ari (atacante do Krasnodar-RUS), que hoje em dia é dono do Atlético-CE, eu botei pra jogar com 15 anos. Da mesma maneira teve o Janderson, que passou na base do Ceará. Outro dia, ele mandou uma mensagem pra mim assim: "Obrigado por tudo".

OP - Depois de sair do Ceará, você já foi pro Uniclinic?

Oliveira - Bom, eu saí do Uniclinic, fui pro Ceará. Depois fui pra Milênio, que era o Calouros do Ar, que disputou a Série B do Cearense. O meu primeiro profissional foi o Boa Viagem, aí depois eu fui pro Quixadá, o Limoeiro, em 2004, que era um time maravilhoso de trabalhar.

OP - Como foi a montagem daquele Limoeiro que foi quarto colocado da Série C?

Oliveira - Eu acho que aquela região do Jaguaribe tem uma riqueza muito grande e é pouco explorada, você tem que fazer um trabalho de base pra extrair tudo de bom que tem por ali. O Limoeiro tinha uma base muito boa de jogadores da região: Givanildo, Uélson, George, Joãozinho, Reginaldo, Denílson, Válter, Júnior Ferreira, Marco Viana. Um time muito simples, mas muito focado, um elenco muito enxuto, mas de uma qualidade absurda. O time jogava muito, parecia que era com correntes: a bola enganchava e não saía dos pés da gente. Era bonito demais ver.

OP - Você prioriza jogadores nordestinos nas suas montagens de elenco?

Oliveira - Eu priorizo. Eu acho que é fundamental você ter atletas que conheçam a Região, que saibam como se desenvolvem as situações ali, que conheçam o clima. E mesmo que você traga alguém de fora, é claro que ele vai se enquadrar porque tem atletas que passaram pra ele exatamente aquilo que nós queremos: o conhecimento da Região e como o futebol se desenvolve ali.

OP - Até então, o Limoeiro tinha sido sua principal campanha. Mas antes da conquista da Série D pelo Guarany, quais tinham sido os trabalhos mais relevantes?

Oliveira - Do Limoeiro, eu saí pro Piauí Esporte Clube. Eu achei muito interessante porque foi pra disputar o Piauiense. Como treinei muito categoria de base, fui pra treinar um time de garotos. Levei alguns jogadores que tinham certa rodagem e o time foi vice do piauiense. Perdi na prorrogação pro time do Flávio (Araújo), que era o Parnahyba. Perdi um jogador expulso no segundo tempo, o Luciano, que era o capitão. Num time de garotos, você perder esse jogador... Aguentei o resto e a prorrogação todinha. Quando foi no segundo tempo, tomamos um gol. De falta, rapaz. Até hoje culpo o juiz.

OP - Foi de lá que você chamou atenção e foi pro Flamengo do Piauí?

Oliveira - Fui vice com o Piauí e no outro ano voltei pro Guarani de Juazeiro, fomos campeões da Série B do Cearense. Fui pro Parnahyba e fomos campeões piauienses. Não lembro um pouco do trajeto, mas sei que voltei depois pro Guarani, tinha subido e no outro ano tava pra cair. O presidente Luciano Basílio ligou pra mim e disse: "Oliveira, ajuda a gente aqui, o time tá pra cair". Fui pro Guarani. A estreia foi contra o Fortaleza, que era líder disparado. Ganhamos aqui dentro de 2 a 0, depois de 26 anos. Na véspera do jogo, não tinha campo pra treinar. Eu disse: "Nós vamos arranjar um lugar, porque eu preciso trabalhar taticamente pra gente ganhar do Fortaleza". Os jogadores não acreditavam. Nós chegamos no lugar que não tinha trave, campo, nada, tudo limpo. "Vou colocar os cones e vou definir o time taticamente aqui". Os jogadores colocaram a cabeça pra fora do ônibus: "Aqui, professor? Mas nem campo tem", "Vocês vão descer, nós vamos limpar a área aqui, vamos fazer o campo, treinar e ganhar do Fortaleza". Aí eles: "Mas professor!". Eu disse: "Você tá em que time?", "Guarani de Juazeiro", "Quando você tiver no São Paulo você exige, agora você vai descer e ajudar".

OP - A gente chega em 2010, ano do Guarany de Sobral. Como foi o planejamento e a montagem de elenco?

Oliveira - Muita gente falava que trabalhar com os Torquato (família que dirigia o Guarany) é difícil. Cara, se eu te falar que foi um aprendizado muito grande, e pra mim foi gratificante conhecê-los de perto e saber como a cabeça deles funcionava. Quando assumi o Guarany, fui conversar com o Luizinho (então presidente do clube): "Você já sabe como é que eu sou e eu sei como vocês são. Não entrem no meu trabalho". Quando tinha algum problema, que o seu Luiz chegava, eu dizia pro Luizinho: "Olha, teu pai tá me atrapalhando". Quando era o oposto, eu dizia: "Seu Luiz, teu filho tá me atrapalhando". Era engraçado demais. O Luizinho tem aquele temperamento dele, mas é mais ali. Fora, é uma pessoa maravilhosa. Seu Luiz é aquele paizão, que tá ali pra contornar as situações e te ajudar. É mais um estereótipo, algo que é mais um personagem. Mas pra mim foi muito bom trabalhar com eles, aprendi muito. O cara vinha conversar comigo e eu dizia: "É o Luizinho, vá conversar com ele". O cara ia? Ia nada! (risos). Era como se eles fossem um escudo pra mim.

OP - Onde você busca mais o conhecimento tático, e qual são seus treinadores que te inspiram?

Oliveira - Eu assistindo ao jogo, não assisto como todo mundo. Eu vejo o sistema e torço pelo sistema, não pelo treinador. Embora saibamos que hoje em dia tá a mesma coisa. Joga todo mundo com uma linha de quatro, dois volantes, um meia, dois homens abertos e um atacante. Eu já não gosto muito disso, eu gosto de buscar alternativas. Você busca alternativas e a movimentação desses atletas em cima do que você imagina que seja mais competitivo e mais interessante pra ver. Claro que existem bons nomes aqui no Brasil, mas na minha cabeça, nós precisamos evoluir muito pra acompanhar o raciocínio de quem é lá de fora. O que passa na cabeça de um Guardiola (técnico do Manchester City)? De um Klopp (Liverpool)? É impossível ver aqueles times jogando e você não querer assistir. Muitas vezes, é mais interessante você não acompanhar o início da transmissão, chegar com uma folha em branco e desenhar taticamente a maneira que eles estão utilizando, porque às vezes passa uma coisa na tela e é outra completamente diferente. É uma busca de conhecimento frenética pra todos nós.

OP - Você treinou apenas dois times fora do Nordeste (Remo-PA e Hercílio Luz-SC). Acha que assim como para jogadores, para treinador de futebol o "CEP" também é determinante para receber oportunidades?

Oliveira - Eu gostaria de dizer que não, mas com certeza é. Pesa demais ser daqui, ser do Nordeste. Por isso que torço tanto quando os treinadores daqui saírem arrebentem para abrir portas pelo trabalho e não porque alguém falou, por isso que a gente acompanha. O próprio Marcelo (Vilar) que está no São Caetano; tomara que ele ganhe (a Copa Paulista — ganhou) porque é bom um treinador sair daqui e abrir passagem para os outros. Muitas vezes devido o CEP essa passagem é vedada.

OP - A escolha do Marcelo Vilar em ir pro São Caetano, pelo que O POVO apurou, não foi apenas por questão salarial, mas porque ele queria se recolocar no mercado paulista. Você faria algo do tipo?

Oliveira - Sim, ele trocou o futebol cearense pelo futebol paulista, não foi o Ferroviário pelo São Caetano. Ele é um cara muito inteligente, sabe ouvir, sabe conversar e eu acho que tomou a decisão certa. É claro que foi dolorido para o Ferroviário, nós entendemos perfeitamente isso, mas e se o Ferroviário não quisesse ele? E se tivesse mandado ele embora? Então o cara tem o direito de escolher o que é o melhor para ele.

OP - Treinar times do Nordeste é uma espécie de validação do trabalho?

Oliveira - Pesa demais. Porque o que nós mais queremos é abrir portas e alargar fronteiras. Eu estou parado, mas sei que tenho portas abertas não só aqui, mas fora daqui. Quando aqui se fecha, outras se abrem. Para você ter uma ideia, claro que estou indo para o Campinense, não para fora do Nordeste, mas estou indo para um contrato que tenho desde agosto, estou aqui (no Caucaia), mas sei que recebo do Campinense.

OP - Foi a primeira vez que se viu um empréstimo de treinador. Como foi essa negociação para você assumir o Caucaia tendo contrato com o Campinense?

Oliveira - Na verdade, o Raul, gerente do Caucaia, me ligou, falei que tinha contrato com o Campinense, disse que não tinha como eu ir para lá, até sugeri outros nomes, mas ele disse: "Eu quero ganhar, não estou preocupado com depois". Falou que ia conversar com o presidente do Campinense, que não tinha problema desde que fosse até o período de apresentação em Campina Grande. Liberou, acertei com o Raul e me apresentei por um mês e poucos dias e depois eu saí. Deu exatamente como ele falou, nós ganhamos, eles (Caucaia) vão pra Copa do Brasil e vou seguir meu caminho (Campinense).

OP - Além das barreiras que já falamos, existem outras que técnicos cearenses têm dificuldade de quebrar, que é treinar Ceará ou Fortaleza. Por que mesmo tendo título de Copa do Nordeste, com uma carreira já consolidada, eles nunca te deram uma chance?

Oliveira - Eu gostaria muito, já cheguei a pensar várias situações, mas nunca chegou proposta, nunca conversei com ninguém a esse respeito e essa oportunidade nunca chegou. Fico triste por isso, mas não lamento nada. Torço pelas equipes daqui, quero que eles permaneçam na primeira divisão, quero que coisas boas aconteçam e que as oportunidades apareçam, se não aqui, em outros lugares e, sendo em outros lugares, você representa um futebol de primeira divisão, mas fico triste das oportunidades não terem aparecido quando você mais esperou. Então, é a vida e espero que outras portas se abram, como já aconteceu de eu treinar o Santa Cruz-PE, que é um gigante do Nordeste, embora as situações vividas na época tenham sido difíceis.

OP - Quando você achou que fosse ser chamado por Ceará ou Fortaleza, em 2010, quando ganhou o título da Série D ou 2013 quando ganhou o título da Copa do Nordeste?

Oliveira - Nas duas situações eu esperei, mas não aconteceu. Para o Flávio (Araújo) e para o Marcelo (Vilar) já aconteceu, mas para mim ainda não.

OP - Quando você encontra times com salários atrasados, como contornar esse ambiente?

Oliveira - É difícil. Eu fui campeão piauiense no Parnahyba, os salários estavam atrasados e os jogadores querendo fazer greve. Falei: "Não façam greve, joguem por vocês, as portas se abrem para quem vence. Você vai ser visto por ter sido campeão e não porque alguém deixou de cumprir os compromissos com você. Faça sua parte". E nós fomos campeões. No Santa Cruz, cheguei lá e estavam brigando pra não cair, tinha 28 pontos, saí do América-RN, fiquei umas rodadas em casa e depois fui para o Santa, ainda estagnado naquela pontuação. Chegamos, embalamos e ganhamos sete partidas seguidas, mesmo com três meses de salários atrasados. Só que chegou ao ponto que os jogadores queriam uma resposta da diretoria e eles se negando, daí os jogadores pararam, trouxeram a diretoria e fizeram greve. Fui conversar com eles, lembro até hoje que um deles falou pra mim: "Professor, se você pedir pra gente chutar a trave, a gente chuta, pra gente bater a cabeça na trave a gente bate, mas a decisão está tomada". Conversei com a direção, mas eles não chegaram junto. Chegou véspera de um jogo, todo mundo reunido, eu querendo levar os jogadores pro campo e os jogadores iam levantando a mão e dizendo que não iam. A direção veio, disse que queria fazer um acerto, mas como que era possível fazer acerto em cima do que já tínhamos ganhado e do que ainda precisava fazer? Disputando vaga para o acesso, cara. Não tinha bicho, não tinha nada e os jogadores se recusando a jogar. Perdemos em casa por 1 a 0 e o time foi caindo. O último jogo foi contra o Atlético-GO lá dentro, se o jogo terminasse empatado, eles subiam. Perguntei "quem vai pra vitrine, você ou o Santa Cruz? Vocês ainda vão jogar, então, entrem, arrebentem e convençam outras equipes que vocês podem resolver os problemas delas". O time matou a pau lá dentro. Daquele time, Keno foi pro México, depois voltou pro Santa e foi pro Palmeiras. Léo Gamalho se empregou bem depois. Wescley, Sandro Manoel. Não teve um que não se empregasse bem.

OP - Que tipo de treinador é o Oliveira Canindé?

Oliveira - Eu acho que tenho um pouco de cada coisa. Muitas vezes sou o pai, que aconselha, orienta, mas eu sou o amigo também, que não tem frescura, vaidade, não sou melhor que ninguém, estamos no mesmo patamar, mesmo nível e queremos a mesma coisa. Eu gosto muito de leituras de líderes. Aí não sou o pai porque se você não fizer o que eu quero e se não for aquilo que esperamos vou ter que lhe tirar, porque não vou prejudicar o todo por sua causa e o pai jamais tiraria o filho.

OP - O Oliveira Canindé foi melhor como treinador ou jogador?

Oliveira - Eu acho que sou mais capacitado como treinador. Poderia ter sido melhor como atleta se eu tivesse sido preparado adequadamente. De onde eu vim, não tive os trabalhos de base que deveria ter e tive muitas dificuldades no profissional. Quando o Telê Santana pegou o Cafu, passou horas e horas corrigindo o ele, mas poucos treinadores faziam isso. Eu digo muito que o pé é como um taco de golfe, dependendo de onde você bater a bola vai mais alta, mais baixa, enfim. Então não fui trabalhando como deveria ser, por isso, sou mais capacitado como técnico.

OP - Quem dos novos treinadores cearenses tem mais chance de vingar no futebol?

Oliveira - Washington (Luiz) é muito bom, gosto muito do Raimundinho também, já foi meu auxiliar, o Luan (Carlos) também está despontando aqui, apesar de não ser cearense e você fica sempre na expectativa que novos nomes apareçam. Torço muito para o Erasmo Forte.

OP - Recentemente tivemos uma discussão importante sobre a quantidade de técnicos negros, você já passou por isso, acha que é real, o que pensa sobre isso?

Oliveira - Eu acho que existe, mas não me considero tão negro assim porque sei que, querendo ou não, tem um pouco de diferença. Mas sei de onde sou, conheço as minhas raízes e sei que existe esse preconceito, mas sei que se você se qualificar da melhor maneira possível, um dia essas barreiras cairão por terra e você precisa estar preparado para exercer da melhor maneira possível sem levar em conta essa discriminação. 

Preferências

LEITOR ASSÍDUO, Oliveira Canindé mostrou alguns de seus livros, entre eles, Orgulho e Preconceito, clássico de Jane Austen. O treinador revelou ainda que gosta muito de ler sobre grandes líderes.

Estudioso

QUANDO A REPORTAGEM chegou à casa de Oliveira Canindé, havia um campo de futebol de botão sobre a mesa da sala de estar e ele estava com a TV da sala ligada no VT do jogo entre Cruzeiro-MG e Atlético-MG, válido pelo Brasileirão

Paizão

NOS MOMENTOS FINAIS da entrevista, Oliveira Canindé mostrou uma longa mensagem de uma de suas filhas, enviada no dia do aniversário dele. O treinador se emocionou enquanto exibia o recado. Ele mostrou-se extremamente orgulhoso da profissão da filha mais velha, que é engenheira

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